A Crônica da Cidade acabou. Isso mesmo: acabou. Nem mesmo a última, cujo texto, de minha autoria, havia enviado a alguns de vocês, foi ao ar. Nem vai mais. Na sexta-feira passada recebi, juntamente com os outros três parceiros – TT Catalão, Cláudio Ferreira e Alexandre Ribondi – um e-mail da editora das crônicas, a nossa amiga Deca (Andrea Carvalho), dizendo ter recebido da direção da Globo a informação de que as crônicas estão temporariamente suspensas. A alegação é que em vésperas de eleição os espaços dos telejornais devem ser ocupados principalmente por notícias políticas e uma coisa mais hard news. Então, os textos mais elaborados estão temporariamente fora dos jornais.
As Crônicas da Cidade foram criadas por iniciativa do então diretor da TV Globo Brasília, Franklin Martins, em 2004, com a intenção de fazer um ‘carinho’ na cidade, contribuindo para elevar a auto-estima dos habitantes de Brasília. A primeira crônica entrou no ar no dia 21 de abril, aniversário da cidade. A partir daí, começou a ser veiculada sempre aos sábados, no DF-TV 2ª edição. No primeiro ano, as crônicas eram escritas por mim e pelo colega TT Catalão, em sistema de rodízio. Em 2005 foi realizada uma enquete, por iniciativa da própria Globo, para saber da receptividade das crônicas. Pelo portal da TV Globo, 98,5% dos votantes manifestaram-se a favor da continuidade das crônicas e muitos, em correspondência dirigida diretamente aos cronistas, manifestaram a opinião de que elas deveriam ser diárias. Depois da enquete, o time dos cronistas ganhou mais dois colaboradores, os amigos Cláudio Ferreira e Alexandre Ribondi. Cada um de nós fazia uma crônica por mês.
Como foi criada uma ligação sentimental muito forte entre os telespectadores e o projeto das crônicas (várias pessoas me abordavam para agradecer pelos momentos de reflexão que elas proporcionavam) achei por bem encaminhar esta mensagem aos amigos, para informá-los da decisão tomada pela Globo, agradecendo a todos pelo apoio e pela receptividade durante estes dois anos. Acredito que falo em nome de todos nós, os quatro cronistas, quando digo que este foi um dos projetos mais interessantes de que já participei. Vai deixar saudades.
Em homenagem aos amigos que não tiveram a oportunidade de assistir à última crônica, de minha autoria, esta que não foi ao ar porque chegou depois do cancelamento do projeto, estou colando o texto aqui. Um grande abraço.
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55ª crônica TV Globo – O que interessa é o gol de bicicleta
Ah, este silêncio cúmplice, da Esplanada ao Riacho Fundo, esta vontade de não ler jornal, essa preguiça de abrir a boca. E esta vontade de comprar uma camiseta amarela e esquecer as traficâncias, os mensalões, as ambulâncias. O diabo é que sempre aparece alguém pra lembrar que ainda outro dia os jovens, pintados para a guerra, tomavam a história na mão e marchavam nas praças, no peito e na raça, espantando a leseira e pisando na traça que ameaçava o verde da velha bandeira. Hoje, tsk, melhor é não mexer com isso não. Não mais que de repente, obedientes, eles não sabem mais desafinar o coro dos contentes. Nem sabem que um dia esta cidade desafiou os deuses, desceu dos ministérios, saiu de casa e, lavada em dor, abraçou o corpo sem vida de seu fundador. Na esplanada, onde um dia retumbaram hinos, já nem se ouvem sinos. O que restou daquela indignação foi este silêncio enorme pelo mundo, silêncio que se ouve da Esplanada ao Riacho Fundo. Vai longe o tempo em que nossos meninos eram passarinhos que voavam até sem asas. Hoje, não voam mais não. Adestrados para o sucesso, só sabem andar com os pés no chão. Alguém aparou suas asas, já levam desaforo pra casa, como se leva leite e pão. Sabem com quem estão falando, aprenderam a engolir sem mastigar. Conhecem seu lugar. De bandeira na mão, aos gritos de Brasil campeão, pouco importa se alguém se locupleta, pois fundamental, para o futuro da nação, é o gol de bicicleta.
Lettering
Que importa se alguém se locupleta se o que interessa é o gol de bicicleta?
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Jornalista