Dizer que a Globo sempre manipulou – ou, ao menos, que sempre tentou manipular – a sociedade, já virou truísmo faz décadas. Por isso, não deveria causar surpresa a enganação que foi a reportagem do Jornal Nacional no sábado (21/4) sobre a cassação da concessão da rede de televisão venezuelana RCTV, que deverá se concretizar até o fim do mês que vem. Mas a Globo, aliás, a grande mídia brasileira como um todo sempre consegue surpreender em termos de práticas jornalísticas que mais se assemelham a gangsterismo intelectual.
Qualquer professor de jornalismo – ou até qualquer mero estudante da profissão – daria nota zero para a reportagem a que me refiro, pois a ela faltou o básico do básico que os militantes desse ofício tão crucial para as sociedades estão obrigados a observar. Qualquer fato que o jornalismo reporte ao público deve vir acompanhado de todos os seus aspectos mais relevantes, sobretudo quando são fatos polêmicos como é o de o governo da Venezuela anunciar que não renovará a concessão de uma TV.
Num caso como esse da cassação da concessão da TV venezuelana, duas questões se tornam as primeiras a serem deslindadas para o público: por que o governo de Hugo Chávez tomou a decisão polêmica e como se defende da acusação desse governo a empresa atingida por tal decisão. Foi exatamente isso que o Jornal Nacional do sábado não informou ao seu público, além de omitir as questões cruciais para que esse público pudesse formar uma opinião consciente sobre a notícia que recebeu.
A Globo, em seu Jornal Nacional, preferiu reportar a decisão de Hugo Chávez dizendo, simplesmente, que ele a tomou porque ‘acusa’ a RCTV de ter participado da tentativa de golpe de Estado contra o presidente da Venezuela, em 2002. Em seguida, o JN apresentou aquelas imagens sobre manifestações anti-Chávez em que técnicas de filmagem inflam a proporção da manifestação – recurso utilizado à exaustão antes do referendo revogatório vencido por Chávez em 2004 – e (só) depoimentos contra a cassação da concessão da emissora.
Reacionária, direitista, oligopolista
O telespectador da Globo não foi informado de que a participação da RCTV no complô que desencadeou o golpe de Estado em 12 de abril de 2004 não é uma mera ‘acusação’ de Chávez, é um fato. Há até vídeos – disponíveis no You Tube, por exemplo – do programa apresentado pela RCTV logo depois do golpe, em que jornalistas e convidados deixam absolutamente claro que a emissora integrou as reuniões entre militares, a Fedecámaras (a Fiesp venezuelana) e vários veículos de comunicação, reuniões nas quais foi tramada a derrubada do presidente constitucional da Venezuela.
Para o espectador do Jornal Nacional que não se preocupa em diversificar suas fontes de informação, ficou que a cassação da concessão da RCTV é uma medida ‘autoritária’ e ‘ilegal’, quando, na verdade, é baseada na Constituição venezuelana e é, inclusive, uma medida que seria tomada em qualquer país do mundo em que uma emissora de TV integrasse um movimento que tentasse derrubar um governo absolutamente legítimo. Tente uma TV americana participar de um complô contra o presidente George Bush e veremos que não só a TV será fechada como seus donos serão presos. Na Venezuela, nem se cogita prender os conspiradores.
O fato é que a mídia brasileira – tanto quanto a venezuelana – menospreza o golpe de Estado que foi tentado no país vizinho. É tradição latino-americana que governos de esquerda sejam derrubados, inclusive com o apoio da mídia. Assim, a mídia reacionária, direitista, oligopolista daqui não vai fundo na causa da cassação da concessão da RCTV porque apóia o ‘instituto’ golpe de Estado, contanto que seja usado contra governos de esquerda.
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Comerciante, São Paulo, SP; http://edu.guim.blog.uol.com.br