Nos intervalos da Globo, Fernanda Torres narra: “A gente não sabe como as pessoas vão se movimentar no futuro, se com teletransporte, multidimensão… A certeza é que nosso futuro vai continuar sendo emocionante, junto com você”. Também Lima Duarte, com cenas de crianças: “Ele não conhece o Roque Santeiro. Ela não sabe quem matou Odete Roitman… Tem um Brasil inteiro esperando para criar novas histórias, junto com a gente”.
Aos 50 anos, que completa no domingo (26), a Globo não sabe como as pessoas vão acessá-la no futuro, se pelo ar ou por fibra, se em televisor ou smartphone, mas quer estar lá, “junto com você”. Para tanto, promete criar novas histórias, agora “junto”.
Em dez anos, a Globo caiu de 21,7 pontos de ibope para 13,5, na média na Grande SP (cada ponto equivale a 67 mil domicílios). Mas segue líder. Para continuar assim no futuro, pouco importa a plataforma de distribuição –o foco será no conteúdo, nas histórias. E o público será interativo, não só espectador.
Especialistas concordam. Para começar, fala Boni, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, seu principal executivo por três décadas: “Capacitada a produzir conteúdo em escala, o caminho da Globo será investir cada vez mais em qualidade, para utilizar todas as plataformas. Não importa onde, pelo ar, cabo, internet. O importante é ter conteúdo que atraia visibilidade”.
Nizan Guanaes, dono do maior grupo publicitário do país, o ABC, vai na mesma direção: “Vivemos a era do conteúdo e do ‘storytelling’ [contar histórias]. As próximas décadas vão ser desafiadoras para ela como vão ser para todo o mundo. Mas ela está muito bem posicionada porque é craque em padrão mundial nas duas coisas”.
Para Esther Hamburger, da USP, e Vanderlei Dias de Souza, do Mackenzie, a TV aberta seguirá firme. “Tem gente que fala que está morrendo, mas não, está se transformando”, diz ela, citando as coproduções da Globo. “A TV do jeito que é não vai desaparecer, a Globo ainda dá audiência, apesar da queda”, diz ele.
Mas o desafio agora é o novo público, não passivo como na TV aberta, e sim “junto”. Ken Doctor, do Nieman Lab, de Harvard, diz que a Globo “pode com certeza” achar o seu lugar nesse ambiente:
“O grande agente de mudança é o consumidor, que agora ocupa parte do banco do motorista. A compreensão profunda da audiência, por idade, plataforma, é requisito para empresas como a Globo. Em seguida virá como agir a partir dessa compreensão”.
Novas receitas publicitárias são desafio, mas não para já
A exemplo de HBO e das redes americanas, a Globo já tem seu clone do Netflix, para distribuição de vídeos via internet. A Globo.TV+ também vende ao usuário acesso “quando e como quiser”. Cobra R$ 12,90 por mês, contra R$ 17,90 do Netflix.
Começam aí os problemas. Como o Netflix, o serviço vive das assinaturas. Novelas, “realities” e telejornais são oferecidos com o atrativo de serem “sem publicidade, sem anúncios”. É nesse sentido que Ken Doctor, do Nieman Lab, diz que a chave, para o futuro da TV, “é encontrar novas receitas para substituir o que está sendo perdido”.
Uma perda que, nos EUA, não se restringe à ausência de comerciais na distribuição de vídeo por demanda. “A publicidade na TV tradicional agora mostra sinais de desgaste, tanto em base regional como nacional, embora seja um desgaste lento”, diz ele.
No Brasil, a Globo ainda está longe de tal desgaste. Num dos anos mais difíceis para a mídia, o faturamento da TV aberta –capitaneada pela rede– cresceu 3,5% no acumulado até novembro de 2014, em relação ao acumulado até novembro de 2013, descontada a inflação. Noutro mercado com forte presença do Grupo Globo, a TV paga, o crescimento foi até maior: 24,2%.
Os dados são do Projeto Inter-Meios, que também mostra que entre novembro de 1996 e novembro de 2014, a participação da TV aberta nos investimentos publicitários saltou de 58,6% para 69,23%.
Mas o movimento vai acabar chegando ao país, diz o professor João Paulo Schlittler, da USP: “O modelo de receita publicitária tende a sofrer mudanças radicais. As agências ainda não encontraram o ideal para a internet, mas o ‘spot’ de 30 segundos tem seus dias contados”.
Ele acredita que, “quando isso acontecer, o modelo de negócios que sustenta a TV aberta irá desmoronar”. Almir Almas, também da USP, concorda que a reinvenção do modelo é um dos grandes desafios da Globo, mas ressalva que também a TV paga de início “apontava para uma mudança no modelo de negócios, que não aconteceu”.
CONTEÚDO
Carlos Augusto Montenegro, que dirigirá o Ibope até o final de abril, quando transfere o controle para o WPP, maior grupo publicitário do mundo, concorda que a publicidade “é um desafio” para o futuro da Globo e da TV aberta, mas diz que o maior está mesmo no conteúdo.
E afirma que no Brasil a TV paga ainda é uma sombra maior para a TV aberta, em conteúdo, do que a internet. Por exemplo, o futebol vive forte disputa, com novos atores de TV paga como Fox e Turner. “Vai ter que pagar alto”, diz ele, sobre atrações como a Liga dos Campeões.
Além de futebol e programação infantil, esta em grande parte já abandonada, outras frentes de crescente concorrência para a TV aberta brasileira são filmes e séries, diz o executivo. Arrisca que “talvez um caminho seja investir mais em séries” e, “na Globo, não sei, mininovelas”.
O produtor e diretor Roberto de Oliveira, executivo com passagens por Globo e Globosat, pensa diferente e diz que tanto TV aberta como paga ficaram para trás. “Em tecnologia, o futuro já chegou. Não tem mais o que discutir, é ‘streaming’ [como Netflix e YouTube]. Ele é matador, em distribuição de conteúdo.”
Segundo Oliveira, “o ‘streaming’ aproveita o fato de que a mídia convencional ainda produz como no século passado”. As redes, “até pelo ranço da concessão, aquela coisa estável que havia, não inovaram e estão com programação bem convencional”.
João Paulo Schlittler, por outro lado, avalia que a Globo, “devido a mudanças do mercado, tem procurado investir em novos formatos”. Isso poderia ajudar a emissora no esforço de se posicionar como uma produtora de conteúdo, à maneira da HBO.
Também para José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que esteve na direção da rede entre 1967 e 1997 e hoje comanda uma afiliada em São Paulo, a Globo “é mais parecida com a HBO do que com ABC, CBS e NBC [as grandes redes abertas americanas]”, que têm restrições para produção própria e sofrem na adaptação para “streaming”.
REDE
Mais do que publicidade ou conteúdo, um outro executivo de TV –que pediu para não ser nomeado– vê como grande desafio da Globo uma questão mais imediata e concernente à TV aberta: manter o modelo de afiliação, de papel pouco valorizado, mas central, em seu sucesso.
Com a programação chegando agora aos usuários locais diretamente, via internet, cabo ou satélite, a Globo e suas afiliadas precisariam realizar uma mudança no modelo de negócios da rede –o que já parece estar começando, na avaliação do executivo, com um perceptível aumento do espaço para programação regional. (Nelson de Sá e Fernanda Reis)
Meio século no ar
Fatos marcantes dos 50 anos da TV Globo
1957 – O presidente JK aprova a concessão de canal de televisão à Rádio Globo.
1965 – Inauguração da TV Globo. Na estreia, em 26/4, são exibidos os primeiros jornais, “Tele Globo” e “Se a Cidade Contasse” e a primeira série, “Rua da Matriz”. Carlos Lacerda denuncia como ilegais as relações da Globo com o grupo americano Time-Life, já que a Constituição proibia capital estrangeiro em empresas de comunicação.
1967 – O contrato Globo/Time-Life é considerado legal porque a modalidade jurídica adotada não atribuía ao grupo americano interferência na gestão da emissora.
1969 – O canal realiza a primeira transmissão via satélite –uma entrevista de Hilton Gomes com o papa Paulo 6º gravada na véspera. Em setembro, estreia o “Jornal Nacional”, primeiro telejornal do país transmitido em rede nacional.
1970 – A Copa do Mundo é o primeiro evento com transmissão direta em cores.
1971 – A passagem de ida e volta dos comerciais começa a ser marcada com a vinheta “plim plim”. Os jornais do canal passam a utilizar o teleprompter.
1973 – Estreia “O Bem-Amado”, de Dias Gomes, primeira novela brasileira em cores. Vão ao ar “Globo Repórter”, “Fantástico” e “Esporte Espetacular”.
1975 – Passa a exibir grande parte de sua programação simultaneamente no país. É lançada logomarca criada por Hans Donner. A novela “Roque Santeiro” é censurada na véspera da estreia (só seria exibida em 1985) e “Pecado Capital” é produzida às pressas para substituí-la.
1978 – Estreia do “Globo Esporte”.
1982 – A Globo exibe suas primeiras minisséries: “Lampião e Maria Bonita”, “Avenida Paulista” e “Quem Ama Não Mata”.
1984 – hamada lida por locutor do “Jornal Nacional” destaca que comício das Diretas Já, em 25 de janeiro, na praça da Sé, era uma festa em comemoração aos 430 anos de São Paulo e omite protesto.
1989 – A Globo é acusada de favorecer Collor na edição do debate presidencial com Lula. Em frente à sede, no Rio, atores da emissora, artistas e intelectuais protestaram. O canal admitiu o erro 15 anos depois
1991 – Lança, em quadros do “Fantástico”, sua primeira experiência em TV interativa.
1992 – Um satélite é utilizado na Olimpíada de Barcelona, permitindo a transmissão de flashes ao vivo.
1997 – O canal começa a usar closed caption, tecnologia que permite a deficientes auditivos acompanharem falas de programas.
1999 – O último episódio do seriado “Mulher” é o primeiro programa do país produzido em alta definição (HDTV).
2002 – Estreia “Cidade dos Homens”, marco da parceria de conteúdo da Globo com produtoras independentes.
2012 – Cinco anos depois da Netflix, referência de novo modelo de audiovisual, lança o serviço de vídeo sob demanda Globo.tv+, com programas na íntegra.
2013 – Editorial publicado no jornal “O Globo” e lido no “Jornal Nacional” assume que apoio ao golpe de 64 foi um erro.
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Nelson de Sá e Fernanda Reis, da Folha de S.Paulo