Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Globo frustra público e nem justifica a censura

Análise da notícia:

A partir do dia 27/10, domingo, faltando oito dias para o fim da novela América, começou a vazar a notícia de que haveria o primeiro beijo entre pessoas do mesmo sexo numa novela brasileira. O fato foi muito repercutido na mídia do exterior.

A revista de fofoca Contigo!, da editora Abril, confirmou o beijo gay em entrevista com o ator Erom Cordeiro, o Zeca de América. A jornalista Fernanda Laskier escreveu ‘Ator se prepara para dar primeiro beijo homossexual masculino das novelas brasileiras na pele do peão Zeca, a nova paixão de Júnior’. Na mesma semana, em 30/10, a jornalista Marina Caruso, na revista Istoé, da Editora Três, chamou atenção, na matéria ‘Adolescência gay’, para o fato de adolescentes estarem assumindo mais cedo a homossexualidade, e comentou a possibilidade de um beijo na novela.

Estilo ‘contido’

A chamada mídia gay preferiu acreditar nas fofocas e incluir-se na indústria de entretenimento. O site Mix Brasil começou na segunda-feira, 31/10, uma campanha nomeada ‘Semana do Beijo’, com enquetes, matérias e curiosidades sobre beijos homoafetivos:

Já na sexta-feira é o último capítulo da novela América, da Rede Globo. Todos nós estamos torcendo muito para o beijo entre Júnior e Zeca – Bruno Gagliasso e Erom Cordeiro. É muito provável que o beijo role, mas a autora da novela, Glória Perez, e os atores têm dado entrevistas dizendo: ‘Se rolar (o beijo), blablablá’. Não confirmam nem negam. Glória Perez diz que os telespectadores também querem o beijo dos dois. Mande um e-mail à Central de Atendimento da Rede Globo dizendo que quer que o beijo aconteça. Clique aqui e arrase (http://mixbrasil.uol.com.br/extra!/beijo1/beijo1.shtm)

Beijo gay

E você, já ajudou na campanha pelo beijo entre Zeca e Júnior em América? Nãããão? Menino, clique aqui e envie sua mensagem para a Rede Globo, dizendo: ‘Eu quero um beijo de verdade entre Júnior e Zeca’. Mande uns trinta e-mails. É bem! (http://mixbrasil.uol.com.br/extra!/beijo3/beijo3.shtm)

O sensacionalismo que a mídia criou, na semana passada, em torno da novela América transformou homoafetividade em peça espalhafatosa. Se o beijo entre dois homens fosse algo tão natural, como é defendido pelos meios de comunicação e a comunidade homossexual, toda essa balbúrdia teria sido ignorada.

De acordo com a jornalista Laura Mattos do caderno Folha Iustrada da Folha de S. Paulo, no dia 4/11, a maior expectativa do público com o tal do beijo que mobilizou telespectadores e rendeu até reportagem na imprensa internacional não era o destino da mocinha sofrida de Deborah Secco, mas o beijo gay entre Júnior e Zeca. Mais adiante o jornal revelava o estilo do beijo: seria um beijo apaixonado, mas em estilo ‘contido’, nada parecido com as tantas carícias ‘calientes’ já protagonizadas por casais heterossexuais na teledramaturgia.

Alvo do marketing

A demonstração de afeto entre pessoas do mesmo sexo seria natural se fosse mostrada como um fato do cotidiano. Da mesma forma que os beijos de Haydeé (Christiane Torloni) e Tony (Floriano Peixoto) quando se encontraram no aeroporto ou Neuta (Eliane Giardini) e Dinho (Murilo Rosa) após um desentendimento. Mesmo com os avanços, a sociedade continua conservadora. O espetáculo que se criou em volta de um beijo entre pessoas do mesmo sexo roubou a chance de isso realmente acontecer.

Mas, há outro fator em jogo no ‘espetáculo da primeira vez’: o pink money (dinheiro cor-de-rosa), expressão usada pelo mercado para distinguir os gastos do público GLS em consumo e entretenimento. O pink money é fenômeno de fins dos anos 80, quando surgiu um novo perfil do consumidor gay: dinks (double income no kids – renda dupla e sem filhos). O mercado se voltou para gays e lésbicas com o argumento de que como homossexuais não podem ter filhos gastam então em viagens e cultura. Numa sociedade capitalista, onde o dinheiro é a mola que gira o mundo, a homossexualidade assumida faz diferença – não como questão de direitos civis, mas financeira.

A repercussão em torno do beijo gay mostrou que o pink money já é alvo das estratégias de marketing no Brasil: a Globo utilizou a polêmica para ganhar audiência. Mentiu e atiçou a comunidade homossexual para a esperada cena. Na hora ‘H’, deixou os telespectadores frustrados. E nem explicou o motivo da censura.

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Estudante de Jornalismo e ativista do movimento GLBT, Brasília