É positiva a criação de cotas para programas nacionais em horário nobre na TV paga? – NÃO
O governo aprovou, com seu habitual excesso de forças, o projeto de lei nº 116, com a intenção aparente de abrir o mercado de TVs por assinatura. Mas o que começou como um agrado às teles terminou com um “Frankenstein” jurídico e doutrinário que, se a presidente Dilma sancionar, o Supremo Tribunal Federal vai ter de impedir.
Constitucionalistas enfileiram agressões, de tolher a liberdade de expressão a invadir a propriedade privada. Ao instituir cotas na programação fechada, o Planalto demonstra o desejo de ter todos os controles, inclusive o remoto.
Reserva, por semana, três horas e meia no horário nobre à produção nacional, metade delas feita pelos considerados independentes, além de canais obrigatórios, mesmo fora do pacote pretendido. No tempo imposto para o “canal de espaço qualificado”, a lei diz que não é qualificado o espaço ocupado por política, esportes, jornalismo, religiosos e shows de auditório.
Filmes, só os nacionais não realizados por emissoras. Veta o Brasileirão, aprova as Brasileirinhas.
Obriga quem comprar um canal de notícias a seu gosto a levar outro que não pretendeu. Paga pelo que quer, assiste ao que não quer.
Se a emissora infringir as normas, recebe sanções próximas ao chavismo. Quem vai decidir tudo é a Agência Nacional de Cinema, que passa a exercer os três Poderes: Legislativo (vai escrever as regras que os envolvidos terão de cumprir), Judiciário (punir e executar quem desrespeitar suas normas) e Executivo (fiscalizar e administrar, inclusive dinheiro). Para isso, sai do projeto inchada, como se sinecura formasse herói não macunaímico.
Superpoderosa, a Ancine é onipotente na regulação e no fomento, ambos desnecessários -o bom não precisa de reserva de mercado nem de afago de ministério, o ruim deve ficar longe dos dois; sempre há investidor para o que presta, só o erário crê no que não presta. Amplia os comerciais nos canais pagos para 15 minutos por hora, mas somente os anúncios de agências de publicidade brasileiras.
Escândalo à vista: a última vez em que o governo se misturou com empresas do ramo deu no mensalão. Responsável pela doutrinação audiovisual do país, a Ancine chefia um esquema que começa na arrecadação para um fundo que vai financiar produção de fundo de quintal dos colegas.
Numa ponta recolhe, na outra entrega o numerário para espécies de ONGs e Oscips aliadas, o que resultará em filmagens de baixíssimo nível e abrirá a porta para a corrupção, e completa o triângulo empurrando o lixo para a casa do cliente.
A desculpa é proteger a cultura nacional, mas o texto se preocupa com capital, não com conteúdo.
Feito por inscritos na Ancine, qualquer produto dispõe de verba e de horário. Mas se a americana MGM oferecer longa 100% nacional, será considerado estrangeiro.
Se o consumidor adquirir a obra da MGM para ver seus astros favoritos, brasileiros, tem de guardar o estômago para as produções aprovadas pelos comissários da Ancine.
Embutido nos carnês da vítima, o dirigismo cultural presente em cada detalhe. Xenofobia e uniformidade cultural compõem a doutrinação que persegue o estudante das aulas à telinha: as cotas valem também para atrações infantojuvenis.
À noite, em vez do seriado hollywoodiano que, repita-se, escolheu e comprou, lhe será oferecido algo bancado pelos filhos do Brasil.
O telespectador é desrespeitado em suas diversas formas de liberdade. Vai pagar em dobro, como cliente da TV e como vítima dos tributos, por atrações que não valem a metade. Se estiver mesmo promovendo faxina ética, a presidente tem o dever de vetar esse conjunto de absurdos.
***
[Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)]