‘A discussão começou, internamente, no dia 23 de março último. No comentário interno, diariamente encaminhado à redação e lido na reunião da manhã dos editores, registrei, cobrando explicações, que apenas O Povo, dentre os três jornais diários cearenses, não noticiara o bárbaro assassinato de um preso dentro de uma delegacia de Fortaleza, o 19º DP. Ainda antes do meio-dia fui comunicado pela Chefia da Redação que o assunto fôra objeto de uma análise e que já se chegara à conclusão de que o jornal tinha sido vítima de uma espécie de discriminação retaliatória da assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), que não lhe repassara a informação, ao contrário do procedimento adotado em relação ao Diário do Nordeste e O Estado. Conforme a versão do O Povo, exposta em editorial no dia 24, seria um boicote como reação, é provável, à série de matérias publicadas em fevereiro último, na qual se começou a mostrar um cenário de caos no setor de segurança pública no Ceará. Série, inclusive, que até hoje cobro que seja retomada, por entender que a interrompemos abruptamente, sem aprofundar a análise e sem que tivéssemos chegado à discussão sobre os responsáveis por aquela situação detectada, frontalmente contrária à que resiste em discursos oficiais que até hoje sobram. Por mais que também a atual administração esteja inserida no contexto das responsabilidades, é natural supor que se vive hoje o resultado de uma política que há algum tempo vem sendo tocada, lembrando-se ainda que o governo Lúcio Alcântara se apresenta como seguidor de um modelo há cerca de 16 anos implantado no Estado.
O estremecimento existe
O mal estar na cúpula da Segurança Pública estadual com as matérias publicadas pelo núcleo de Cotidiano do O Povo é um fato. O ombudsman, inclusive, chegou a ser procurado em fevereiro pela assessora de comunicação da SSPDS, Angélica Martins, que questionou as motivações da série, argumentou quanto a alguns aspectos do que se publicara e, o que me pareceu necessário apurar, acusou o jornal de agir de má fé em pelo menos uma ocasião. Conforme relato dela, o tempo oferecido para uma resposta do secretário Wilson Nascimento tinha sido descumprido pela Redação, que publicara matéria com o procedimento recomendado, indicando que a assessoria tinha sido procurada, mas não se manifestara até o fechamento. A jornalista, inclusive, informou dispor do e-mail que lhe tinha sido encaminhado oferecendo o prazo descumprido. Pedi que me disponibilizasse uma cópia da mensagem eletrônica, mas, até hoje, ela não me chegou às mãos. Mesmo assim, sem o retorno prometido, questionei o procedimento com o editor-executivo do núcleo de Cotidiano, Demitri Túlio, que assegurou inexistir o e-mail com o prazo alegado pela assessora, restando-me esperar que a prova chegasse para insistir na cobrança ao jornalista em termos mais concretos. A própria Angélica não mais me procurou, O Povo largou de mão o assunto e tudo parecia de volta à normalidade até aquele dia 23 de março. Na verdade, aquele dia 22, pois foi quando deu-se o assassinato do preso João Carlos Arcanjo dos Santos, retirado de dentro de uma cela do 19º DP e lá mesmo assassinado por três homens. O episódio aconteceu já à noite, as redações foram comunicadas pela SSPDS, menos O Povo. Seja qual for a circunstância, claro, o tratamento diferenciado é condenável.
A oficial é apenas uma das fontes
O editorial do dia 24 não teve resposta da Secretaria e a normalidade, sob o ponto de vista externo, parecia mais uma vez restabelecida. Até que, no último dia 7, à página 6, a repórter Vanessa Alcântara, do núcleo de Cotidiano, retomou o assunto através do artigo ‘ao assessor, com carinho’. Sem citar nomes, pois não precisava, ela se propôs a dar um ‘puxão de orelhas’ nos jornalistas que compõem a assessoria da SSPDS, acusando-os de sonegar informação ao O Povo. A resposta viria já na edição do dia seguinte, 8, na mesma página 6, com o artigo ‘à repórter, com carinho’, assinado pela jornalista Angélica Martins, que vestiu a carapuça e fez um reconhecido esforço de defender sua imagem, trajetória e ética profissionais. Quanto à questão central, que teria sido um tratamento diferenciado ao jornal pelo núcleo que ela comanda na Secretaria, nada, ou quase nada. A crise entre a redação do O Povo e a comunicação da secretaria de Segurança tem servido, internamente, para eu colocar em discussão um outro aspecto da relação que se deve ter com o Poder Público. Onde, claro, deve-se cobrar tratamento igualitário, sem privilégios etc. No entanto, é inaceitável a qualquer órgão de comunicação que ele se dê por satisfeito dispondo apenas das mesmas informações que os concorrentes para manter seus leitores, ouvintes ou telespectadores informados. A fonte oficial, portanto, é uma das indispensáveis, mas não a única com que se deve trabalhar.
Ao leitor só interessa a solução
O erro do jornal na discussão quanto ao ‘furo’ que sofremos naquela edição de 23 de março está sendo o de transferir 100% da responsabilidade para a assessoria de imprensa da SSPDS. Especialmente se considerarmos, conforme está no editorial de 24 passado, que a situação já vem de algum tempo e tinha sido detectada antes pela Redação. A área policial, todos sabemos, está entre as que exigem uma atenção permanente que, neste caso, nos parece ter faltado. Portanto, mesmo que uma parcela de responsabilidade pelo problema seja creditável a uma provável atitude de retaliação, ela está longe de representar a única justificativa para a terrível falha daquela edição e, conforme entendo, sequer deve ser entendida como a causa maior. Um fato de grande repercussão, como este o foi, costuma circular além dos limites oficiais e nós deveríamos dispor de outros meios para fazer com que ele nos chegasse ao conhecimento a tempo de levar aos leitores no dia seguinte. Caberia-nos, além de apontar o dedo para os jornalistas que hoje prestam serviço ao governo, na Secretaria em questão, investigar melhor internamente o que aconteceu, as razões pelas quais aconteceu e, especialmente, como evitar que volte a acontecer. É a velha história do problema que ao leitor não interessa que exista. Para ele, o que devemos apresentar é a solução.’