Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Guálter George

‘A violência que hoje se experimenta no Brasil é algo que há tempos deixou de ser um problema localizado e que não pareça capaz de alcançar quem dispõe de dinheiro para gastar com uma boa segurança pessoal ou para investir em autênticas fortalezas que isolem do mundo real que passeia por nossas ruas. O fenômeno ‘democratizou-se’ e atinge a todos, independentemente de classe social ou econômica, de se morar em área nobre ou na periferia. Nem sequer dá, em análises mais rigorosas, para dizer que seja resultado direto da terrível crise que mantém a economia brasileira estagnada por longas duas décadas, já, da qual se deriva uma desordem social que só faz crescer o abismo entre ricos e pobres. Quando se assiste jovens de classe média reunirem-se para sair em grupos pelo Rio de Janeiro atrás de confusão, apenas pelo prazer de encontrar uma confusão, nota-se que há muito mais do que uma dificuldade econômica justificando o fenômeno. O que me cabe discutir, em meio a tudo isso, é como podemos situar os meios de comunicação, os jornais, particularmente, dentro do processo que nos trouxe a este quadro e, principalmente, o que tem concorrido para que ele piore. O sucesso dos programas do gênero policial leva muitos à fácil conclusão de que eles representam o atendimento de um anseio do povo, o que eximiria as emissoras de responsabilidade pelos exageros flagrantes que eles trazem consigo. É fácil constatar ser este um argumento torto.

São todos filhos da violência

A discussão é boa e, para se ver o quanto é necessária aos dias atuais, basta ficar diante de um aparelho de TV durante a apresentação de um dos tais programas policiais que dominam as nossas programações, especialmente no final da tarde e começo da noite. Tanto os locais, que existem em pelo menos três emissoras e o Ministério Público federal tenta controlar através de uma ação que quase lhes tirou do ar, recentemente, quanto nos três diariamente veiculados através de redes nacionais. Há exceções, mas, infelizmente, não passam de exceções. Mais do que apenas um reflexo do cenário grave que domina os cotidianos cearense e brasileiro, o qual não dá pra esconder, de fato, muitos destes eventos jornalísticos funcionam como autênticos indutores da violência que deveriam apenas retratar. Apresentadores aos gritos, mau humorados, com cara, jeito e discurso de donos do mundo, revestem-se de uma autoridade que a audiência não lhes dá, por mais alta que seja, e diariamente transformam suspeitos em condenados, ‘brincam’ de fazer justiça, enfim, nada ajudam no processo de reversão do quadro. Até porque, tanto quanto os programas que comandam, alimentam-se desta violência que no discurso parecem condenar. Precisam das imagens da caçada espetacular que a polícia dá idéia de estar fazendo, necessitam do ‘bandido’ sem esclarecimento ou assistência, dos quais se servem para o discurso fácil, inconseqüente, próprio aos paladinos de araque que nascem e morrem de tempos em tempos no nosso País. Enfim, são filhos e dependentes da violência, não um contraponto a ela.

Sai a editoria, fica a notícia

Pulemos uma boa parte da discussão para chegar até nós, meios impressos e, em particular, O Povo. O nível de responsabilidade, mesmo que ainda não o desejado, é maior do que o observado na média das emissoras de televisão e rádio, onde a briga por público parece mais acirrada e costuma lançar à lona princípios caros ao jornalismo e à cidadania. Uma atitude ilustrativa da disposição do jornal para não se fazer negativamente influenciado pela tal realidade, tomada já há algum tempo, foi a extinção da editoria de Polícia. Sem dúvida, para os olhos de muitos, um contra-senso, considerando que abria-se mão do espaço na forma como historicamente sempre existiu numa hora em que a violência se ampliava e, portanto, teoricamente pedia mais atenção exclusiva. O melhor da medida é, conforme demonstra a realidade prática, tornar menos possível a espetacularização. De vez em quando até, entende-se nas discussões internas, o noticiário policial acaba subdimensionado, comportamento que exemplos episódicos até confirmam. A regra, porém, desmente.

Pagando o preço a pagar

Duas razões trazem o tema à Coluna. Primeiro, como ressaltado até agora, o fato de ainda representar, até hoje, um ato de coragem diante da opção que pareceria de maior facilidade estratégica, antes e agora, de ampliar os espaços para o noticiário policial. Afinal, há ainda os que alegam que a bandidagem a cada dia parece mais ousada. Depois, como aspecto que também avalio derivado do ponto anterior, problema que O Povo levou ao seu editorial recentemente, a existência de dificuldade eventual na obtenção de informações junto à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Diga-se de passagem que o órgão nega qualquer tratamento diferenciado ao jornal. Além dos aspectos políticos ligados a uma situação momentânea, uma gestão específica dentro de um órgão público…, a crise também pode ser considerada uma conseqüência da atitude diferente do jornal em relação aos fatos policiais. Recusando-se a expor suspeitos, por exemplo – excetuando-se casos em que há prisão em flagrante –, ‘limpando’ o linguajar comum ao discurso policial, sendo econômico no uso de imagens de delegados, policiais em geral ou advogados, enfim, obedecendo a alguns rigores para fugir de excessos ou, como dito anteriormente, espetacularizações. Por conta disso, mesmo que não seja algo fácil de detectar, diante do alto grau de subjetividade observado em muitas situações, o esforço para obter uma informação sempre parece maior que o da concorrência. Quando não acaba comprometido, como seu deu no caso do assassinato do preso João Arcanjo dos Santos dentro do 19º DP, segundo manifestação oficial do jornal, explícita em editorial. O Povo foi o único dos três jornais locais a não noticiar o fato no dia seguinte, mesmo que os outros dois tenham sido informados dele pela assessoria da SSPDS.

Mais um jornalista para ouvir

A Folha de São Paulo dá posse nessa segunda-feira ao jornalista Marcelo Beraba como seu novo ombudsman, substituindo a Bernardo Ajzenberg. É, ao lado do O Povo, o outro jornal brasileiro que mantém a função, demonstrando, ambos, um mínimo de respeito e atenção com os leitores. O tempo que tenho aqui, já longos três meses, quase, têm aberto meus olhos para duas coisas: primeiro, que o cargo deveria fazer parte do organograma de toda Redação, e, segundo, que o nível de interesse em participar do processo que a sociedade demonstra, quando a oportunidade lhe é oferecida, está muito além do que a maioria seja capaz de imaginar. É lamentável que haja, entre os meios de comunicação brasileiros atualmente, apenas dois capazes de perceber isso. Por outro lado, deve-se comemorar que um deles esteja no Ceará e seja O Povo. Boa sorte ao novo ombudsman da Folha.’