LÍNGUA PORTUGUESA
Relatório e Estilo
‘‘Uma das questões mais recorrentes nesta CPMI é a ciência de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha sobre o envolvimento de parlamentares com os ilícitos investigados. A imprensa tem arrolado ocasiões em que o fato teria sido a ele informado.(…) Como é de sabença, não incide, aqui, responsabilidade objetiva do chefe maior da Nação, simplesmente, por ocupar a cúspide da estrutura do Poder Executivo, o que significaria ser responsabilizado, independentemente de ciência ou não. Em sede de responsabilidade subjetiva, não parece que havia dificuldade para que pudesse lobrigar a anormalidade com que a maioria parlamentar se forjava. Contudo, não se tem qualquer fato que evidencie haver se omitido’. (Do Relatório da CPMI dos Correios, feito pelo deputado gaúcho Osmar Serraglio).
Carlos Alberto Di Franco, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, qualificou de barroco este modo de escrever. (O Estado de São Paulo, 10?4/06, p.A2): ‘Como se vê, caro leitor, o relator, apoiado num estilo barroco, chegou muito perto. Mas preferiu não pôr o guizo no gato’.
Na fábula do escritor francês Jean de la Fontaine, os ratos, reunidos em assembléia, todos mais falantes do que parlamentares, decidem pôr um guizo no pescoço do gato, com o fim de perceberem a aproximação do eterno inimigo e fugirem. Um rato velho, até então calado, faz a pergunta: ‘quem vai pôr o guizo no pescoço do gato?’.
O estilo barroco não é confuso. Artistas e escritores representantes do gênero não podem ser acusados de falta de clareza. Eles tinham o que dizer e o expressavam com criatividade extraordinária. Dois exemplos brasileiros: Aleijadinho, na escultura, e o padre Antonio Vieira, nas letras. Aliás, Vieira era tão claro que a Inquisição não teve dúvidas de encarcerá-lo.
‘O estilo é o próprio homem’, disse o escritor francês George Louis Leclerc, mais conhecido como Conde de Buffon. E o homem é advogado brasileiro. Por norma, a espécie complica o estilo, pensando decerto que assim ganha a admiração alheia. Advogados confidenciam que se não escreverem assim, os juízes, salvo exceções, acham que eles não conhecem Direito!
O relatório do deputado Osmar Serraglio teria coesão e clareza – qualidades indispensáveis a um texto – se o autor abandonasse o estilo empolado.
No trecho citado, ele concluiu que o presidente Lula sabia de tudo, mas que objetivamente não pôde incriminá-lo, já que sua conclusão é subjetiva. Se adotassem o jeito Serraglio de expressar e escrever, Aleijadinho não faria a escultura de um único profeta e Vieira não escreveria um só sermão!
Desembaracemos o cipoal de Serraglio. ‘Sabença’ veio do latim sapientia, sabedoria, conhecimento. ‘Cúspide’ veio latim cuspis, ponta da lança, o ponto mais alto. ‘Lobrigar’, vislumbrar, radica-se no castelhano lubricán, lobo e cão, e no latim lubricus, perigoso, ensejando o significado de lobrigar como ‘ver na penumbra’, onde o cão pode ser lobo. Forjar veio de forja, do francês forge, fábrica, oficina.
Tal como está escrito, o estilo do deputado lembra o do presidente Humberto de Alencar Castello Branco. Ao comentar os golpistas que, naquele tempo, procuravam os quartéis, identificou-os como ‘vivandeiras alvoroçadas’ que ‘vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar’.’
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