Se a mídia brasileira – tanto a convencional como a moderna – olhasse para o Custe o que Custar, o CQC, programa semanal de humor da TV Bandeirantes, com mais atenção e sem nenhum preconceito descobriria ali um formato que a levaria a escalar um belo degrau de qualidade em jornalismo. Refiro-me ao quadro do CQC chamado “Proteste Já!”. Mais que isso: menciono o fato de esse quadro haver introduzido uma agenda ao jornalismo da TV, algo que poderia ser adotado por mídias de qualquer espécie.
Para quem ainda não viu, o “Proteste Já!” é feito de reportagens sobre problemas que afetam comunidades de diferentes municípios do Brasil. O jornalismo é conduzido por lances do humor escrachado do CQC, o que não lhe tira nem a importância, nem a seriedade. A reportagem mostra bairros que ficaram isolados pela queda de uma ponte que nunca é restaurada no Vale do Paraíba; a morte de pessoas por falta de uma passarela numa rodovia de tráfego intenso na região de Campinas; as frequentes inundações de um córrego na periferia de Mauá, no ABC Paulista etc. Por vezes, entra em cena a criatividade de quem faz o CQC: um chip já foi colocado numa TV doada à prefeitura de uma das cidades da Grande São Paulo para mostrar que o aparelho foi roubado por funcionários municipais.
Um comportamento leniente
O importante do “Proteste Já!” é a agenda. Primeiro, o telespectador acompanha a denúncia. Nos momentos finais, o repórter entrevista o responsável pelo problema e força para que ele se comprometa em resolvê-lo num prazo x. É comum que o repórter peça um objeto qualquer do entrevistado para selar o compromisso de que a solução vai surgir num determinado prazo. O objeto fica com o CQC, que volta ao local ao fim do prazo acordado. Se houve solução efetiva do problema, o objeto é devolvido. Mais importante de tudo: tanto os responsáveis pela solução do problema quanto os telespectadores ficam sabendo que o CQC vai voltar lá para conferir se o assunto foi ou não equacionado.
A falta de uma agenda adotada dentro dos rigores concebidos no “Proteste Já!” tem levado a mídia, de modo geral, a cair com frequência no que pode ser chamado de “denuncismo”, ou seja, na denúncia pela denúncia, em algo leniente e onde a força institucional da mídia, sua capacidade transformadora e geradora de benefícios para a sociedade é jogada fora, pela janela. Páginas de jornais e revistas e programas jornalísticos do rádio e da TV estão entupidos de denúncias das mazelas de um país desleixado, mas a mídia não produz avanços. Denuncia, denuncia, denuncia, mas não volta ao tema nunca mais. Esquece das próprias denúncias que fez com extrema facilidade.
O pior nessa história é que quem sofre a denúncia, quem teria obrigação de resolver certos problemas que representam verdadeiras ignomínias contra a sociedade, já conhece o comportamento leniente da mídia. Sabe que basta suportar com burla ou estoicismo a primeira denúncia para ver a pressão desaparecer como orvalho ao sol da manhã. Sabe, portanto, que a mídia nunca mais voltará ao tema e deixará com certeza no abandono todas as pessoas que ela tentou proteger com seu jornalismo de má qualidade.
Ganhos de imagem e credibilidade
Não veria nenhum exagero – muito ao contrário, veria como um sinônimo de qualidade em jornalismo – se o mesmo tipo de agenda, de foco específico para determinados assuntos, fosse introduzido em toda a mídia brasileira. Uma agenda para os casos de corrupção; voltar a eles com frequência para saber se houve progresso na punição de corruptos e corruptores. Uma agenda para os criminosos do trânsito; voltar de tempos em tempos a esses casos escatológicos – o do assassinato do filho da atriz no Rio de Janeiro, o do assassino do Porsche, o da assassina do Land Rover – monitorá-los, acompanhá-los ao longo do tempo. A frequência desses crimes com certeza seria bastante reduzida se os criminosos percebessem que iriam sofrer a vigilância perene da mídia. Também os responsáveis pela punição aos culpados procurariam agir com mais celeridade e rigor.
Não é necessário que esse monitoramento passe a exigir novas e amplas reportagens. Basta um registro frequente, numa coluna apropriada, apenas para demonstrar ao público e aos criminosos que a mídia está atenta e vigilante. Se imitasse o CQC, a mídia teria ganhos fortes de imagem e de credibilidade, pois conseguiria usar com muito maior eficácia o seu poder transformador.
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[Dirceu Martins Pio é ex-diretor Agência Estado e do jornal Gazeta Mercantil]