Leia abaixo os textos de terça-feira selecionados para a seção Entre Aspas. ************
Folha de S. Paulo
Terça-feira, 16 de dezembro de 2008
SAPATADA NO PRESIDENTE
Folha de S. Paulo
Agressor de Bush vira herói local
‘‘Juro por Alá: ele é um herói.’ O comentário, feito ontem pela irmã do jornalista iraquiano que lançou sapatos contra o presidente dos EUA, George W.
Bush na véspera, reflete a repercussão que o episódio recebeu -e não apenas no Iraque. As cenas de Muntader al Zaidi arremessando seus sapatos e chamando Bush de cachorro foi repetida pelas emissoras de TV árabes, enquanto fotografias do americano se esquivando ilustraram as primeiras páginas dos principais jornais da região.
‘Uma excitação velada podia ser identificada em muitas reportagens, especialmente nos países em que o sentimento antiamericano é mais profundo’, registrou o ‘New York Times’. Na Líbia, um grupo de caridade liderado pela filha do chefe de Estado Muamar Gaddafi anunciou que dará ao jornalista um prêmio por coragem ‘porque o que ele fez representa uma vitória pelos direitos humanos ao redor do mundo’. Nos EUA, a tática foi minimizar o caso, acusando o repórter de tentar chamar atenção. ‘Foi um incidente isolado. Põe em cena uma vontade particular’, disse Robert Wood, porta-voz do Departamento de Estado.
A imediata libertação foi pedida numa passeata em Bagdá. Em Najaf, manifestantes lançaram sapatos contra uma patrulha dos EUA. O episódio motivou uma onda de solidariedade entre advogados. Jalil al Duleimi, defensor do ex-ditador Saddam Hussein, declarou: ‘Esse herói deve ter um julgamento justo, e já há mais de cem advogados árabes que se apresentaram como voluntários para defendê-lo’.
Imediatamente detido após ter arremessado seus dois sapatos contra Bush, Zaidi segue sob custódia iraquiana sem acusação formal. Citando autoridades locais, o ‘Times’ registrou que ele está sujeito a até sete anos de prisão, por cometer um ato agressivo a um chefe de Estado visitante. A publicação noticiou também que o jornalista foi agredido ‘severamente’ por seus captores, que, além de privá-lo do contato com os familiares, ameaçaram seus irmãos.
Ele foi interrogado ontem, para saber se o protesto foi pago por terceiros, e submetido a testes para apurar se estava bêbado ou drogado ao ser detido. Além de lançar os sapatos, o repórter da emissora privada Al Baghdadiya bradou: ‘É seu beijo de despedida, cachorro. Isso é pelas viúvas, órfãos e pelos que foram mortos no Iraque’.
Exortada pelo governo a se desculpar publicamente pelo episódio, a empresa ignorou o pedido e engrossou o coro das reivindicações por sua libertação. O sindicato dos jornalistas iraquianos condenou o ato, mas também cobrou a soltura.
A ofensa é a pior possível na cultura islâmica. Atingir alguém com sapato demonstra que o visado é tão desprezível quanto a sujeira sob a sola. Também considerado ‘impuro’, o cachorro é um animal vedado aos muçulmanos.’
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Americanos já tinham detido jornalista
‘O jornalista Muntader al Zaidi, 29, que costumava finalizar suas aparições na TV alegando reportar ‘da ocupada Bagdá’, tem mais de um motivo para odiar George W. Bush.
Presidente da união estudantil sob Saddam Hussein, ele perdeu dois irmãos, que eram integrantes do Exército do Mehdi, milícia leal ao clérigo rebelde Muqtada al Sadr que enfrentou tropas iraquianas e americanas desde a invasão do país, em 2003.
Um de seus dez meio-irmãos afirmou ontem ao ‘New York Times’ que a oposição do jornalista à presença das tropas dos EUA no Iraque é tamanha que ele cancelou seus planos de casamento alegando que não o faria enquanto durasse a ocupação.
Segundo seus familiares, ele resolveu agir de impulso, motivado pelo discurso de Bush. Mas Saif al Deen, 25, editor da emissora em que Zaidi trabalha desde 2005, que tem sede no Cairo (Egito), relatou ao ‘Times’ que ele planejava algum protesto contra o presidente dos EUA há ao menos um ano.
No ano passado, o jornalista foi seqüestrado por cerca de uma semana e liberado a seguir sem o pagamento de resgate.
Seu irmão relatou ainda que, neste ano, ele foi interrogado durante horas pelo Exército americano e solto depois sem ter sido alvo de acusações. Com agências internacionais’
Sérgio Dávila
O resumo de uma era
‘Em 9 de abril de 2003, ganharam o mundo as imagens de iraquianos dando chineladas nos pedaços da estátua de Saddam Hussein que havia sido derrubada da praça Firdos (paraíso, em árabe), em Bagdá, e que então rodavam a cidade, num Carnaval de liberdade. Anteontem, os sapatos voadores tinham como alvo o suposto libertador do país, o (ainda) presidente George W. Bush.
Nos quase seis anos que separam os chinelos dos sapatos, o mundo assistiu a ascensão, o auge e a irresistível queda da Era Bush. O ato condenável do jornalista iraquiano Muntader al Zaidi, correspondente do canal Al Baghdadiya, baseado no Cairo, enterra simbolicamente aquele que entrará para a história como o pior presidente dos EUA da era moderna.
Movido por interesses nunca totalmente claros e baseado em inteligência falha -o quão deliberadamente falha a história ainda julga-, Bush livrou o mundo de um ditador sangüinário. Como no pós-11 de Setembro, contava com a boa vontade de parte da população da região. Como no pós-11 de Setembro, desperdiçou-a em meio a desmandos, mau planejamento, interesses torpes.
Esse vai ser o legado de Bush: um presidente a quem a História, com agá maiúsculo, deu três chances de ser maior do que o cargo, a última sendo a crise econômica sem precedentes. Nas três, ele empurrou as oportunidades para debaixo do tapete. Agora, sai não sob vaias, mas sapatadas.
Na etiqueta árabe, agredir alguém com a sola do calçado é uma grande ofensa. Saddam sabia, Bush descobriu anteontem. Que fique registrado que, como estadista, o republicano é amador, mas poucos conseguiriam se desviar dos petardos com tamanha destreza.’
MÍDIA & EDUCAÇÃO
Folha de S. Paulo
Volta o criacionismo, Editorial
‘NO BRASIL como em outros países, observa-se uma crescente pressão de determinadas comunidades religiosas para aumentar a influência sobre o ensino. A face mais visível da investida está na reivindicação de que a mal denominada ‘teoria’ criacionista seja ministrada lado a lado com a teoria da evolução por seleção natural.
Sob o argumento de que Charles Darwin (1809-1882) não explicou tudo sobre o mundo natural e por isso sua teoria não teria comprovação definitiva, defende-se o ensino da alternativa: uma inteligência superior teria criado o mundo com todas as espécies conhecidas.
Há poucos conjuntos de proposições sobre a natureza que encontram tanta corroboração em fatos quanto a teoria da evolução. Sua versão conhecida como Síntese Moderna agregou as descobertas da genética à matriz do pensamento darwiniano e se encontra na raiz do enorme desenvolvimento das ciências biológicas durante o século 20.
Ao criacionismo falta apoio empírico minimamente comparável. Apesar disso, alguns estabelecimentos brasileiros com orientação religiosa ensinam a criação divina até em aulas de biologia, física e química.
A justificativa está numa noção de pluralismo que não tem cabimento no ensino de ciências. A obrigação do professor dessas disciplinas é apresentar a seus alunos o conhecimento mais atual e seguro, com apoio em observações e medições.
É um equívoco atribuir o mesmo status a coisas tão díspares. De um lado, uma teoria aperfeiçoada e corroborada ao longo de 150 anos de estudos; de outro, uma narrativa religiosa, apoiada sobre a autoridade bíblica e recusada pela maioria dos cientistas.
O equívoco maior, contudo, é não restringir o ensino do criacionismo às aulas de religião, permitindo que seja ministrado em ciências. Essa atitude solapa, na formação das crianças, os fundamentos do método científico.
Apontar a incongruência entre criacionismo e ciência, no entanto, é o máximo que o poder público tem a fazer nesses casos. Se a opção dos pais, consciente, recair sobre uma escola religiosa privada que ministre o criacionismo, inclusive em ciências, essa é uma esfera de decisão imune à intervenção do Estado.’
MÍDIA & CULTURA
Marcos Nobre
Indústria cultural
‘O TEÓRICO SOCIAL Theodor W. Adorno (1903-1969) voltou à cena nos combates culturais das últimas semanas.
Principalmente por ter criado o termo ‘indústria cultural’ para circunscrever o lugar da arte e da cultura no capitalismo altamente desenvolvido do século 20.
As referências a Adorno no debate cultural não costumam ser lisonjeiras. Ele é caracterizado como elitista, hermético e superado. Um mal-humorado incorrigível que não gostava de jazz.
Ridicularizar uma figura como Adorno é mais fácil do que discutir a sério as relações entre capitalismo e cultura. Mais fácil do que explicar por que um conceito criado há mais de 60 anos continua a ser o ponto de partida do debate até hoje.
A idéia é simples como toda boa idéia. Com o desenvolvimento do capitalismo, também a arte passa a ser cada vez mais regida por princípios de mercado. Em um sentido bem preciso: o formato mercadoria passa a determinar a própria forma de produção da arte.
A idéia fundamental é a de que há padrões, ‘standards’ de produção da arte que têm de ser respeitados se quem produz arte quiser ter sucesso. E isso quer dizer: se quiser vender seu produto no mercado.
O resultado é conformista. A arte se torna um tipo de tranqüilizante contra as dores do cotidiano.
Para combater esse resultado, Adorno dava como exemplo a arte que não é produzida segundo esses padrões impostos previamente pelo mercado. E mostrou que havia uma recepção dessa arte que reproduzia a mesma atitude crítica do momento da criação da obra.
Mas isso não basta. Quem não quer abrir mão de uma posição crítica como a defendida por Adorno se obriga a investigar com cuidado o funcionamento concreto do mercado cultural. Para conseguir captar o sentido de suas transformações.
Foi só nos últimos meses de sua vida que Adorno percebeu que mudanças importantes estavam acontecendo em relação ao diagnóstico que tinha feito na década de 1940.
Mas não chegou a analisar em profundidade indicações de que uma atitude crítica na recepção dos produtos da indústria cultural estava surgindo.
Também não chegou a ter clareza de que a expansão e a diversificação do mercado abriam brechas significativas de resistência e de contestação. Muito menos chegou a ver que novas formas de produção artística questionavam o mercado de dentro, politizando a vida cotidiana com uma amplitude inédita.
Apontar a insuficiência das análises de Adorno para o momento presente é certamente essencial. Mas não se confunde com o conformismo de jogar fora Adorno com a água da crítica.
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.’
TODA MÍDIA
Nelson de Sá
Dos latino-americanos
‘No alto do Drudge Report, ‘EUA excluídos da cúpula latino-americana enquanto China e Rússia crescem’. Era a Bloomberg em longa reportagem sobre a ‘ocasião histórica: a cúpula sem osEUA’. Julia Sweig, do influente Council on Foreign Relations, diz que James ‘Monroe está se revirando na cova’, ele que estabeleceu a América para os americanos, há dois séculos. Não à toa, agências como a chinesa Xinhua cobrem extensivamente o evento, desde Salvador. E o colombiano Alvaro Uribe cancelou presença e enviou o vice, destacou a americana Associated Press.
Mas as várias cúpulas começam com ‘Receios diante da liderança de Lula’, ressaltou o argentino ‘La Nación’, apontando ‘mal-estar de Argentina, Equador, Bolívia’. E a primeira notícia que saiu ontem de Salvador, para as manchetes de UOL e Agência Brasil, foi ‘Sem acordo, Mercosul segue com dupla tarifa’.
DECOLAGEM
Em sites como ‘El Comercio’, o novo ‘avião presidencial estréia em viagem ao Brasil’, sobre o Legacy do Equador que veio à cúpula. No ‘WSJ’, a outra estréia -o criador da JetBlue ‘lança empresa no Brasil’ só com jatos E-195, também Embraer
BC, A CAMPANHA
O presidente do Banco Central, em manchete do Terra à Reuters Brasil, saudou a ‘recuperação do crédito’.
Mas Cesar Maia abriu a semana dizendo em seu ex-blog que ‘comentam em São Paulo que Luiz Gonzaga Belluzzo é candidatíssimo ao BC’. E Kennedy Alencar postou antes na Folha Online que o BC até passou recibo à pressão de Lula, no comunicado, mas manteve os juros e ‘errou’. E o ministro Miguel Jorge saiu dizendo aos sites, ontem: ‘Não considero o BC como parte do governo. Se fosse governo, o presidente daria uma ordem e ela seria cumprida’.
SAI ESPECULAÇÃO
O ‘Barron’s’, edição dominical do ‘WSJ’, analisa os emergentes e arrisca serem boas as chances de ‘rally’ (recuperação) no Brasil, onde os ‘vendedores se mostram cansados’ na Bolsa. E a ‘especulação corporativa’ passou por uma ampla ‘limpeza’.
ENTRA FRAUDE
Nas manchetes do ‘WSJ’ desde sexta, o escândalo envolvendo um ex-presidente da Nasdaq bateu nos bancos -com perdas de US$ 10 bilhões só nos europeus. ‘Ricaços brasileiros também foram atingidos’, em US$ 2 bilhões, avisa Lauro Jardim.
POLITICO, A AGÊNCIA
O ‘New York Times’ deu que o site Politico, que se projetou na cobertura da campanha deste ano, fechou com a Reuters e vai passar a oferecer suas reportagens aos jornais americanos. Como no caso da agência CNN, trata-se de ‘experimento’. Para a Reuters, é uma forma de concorrer seriamente, afinal, com a AP nos EUA.
GOOGLE DO MAL?
O ‘WSJ’ denunciou ontem na capa que o Google, que antes se apresentava como defensor da abertura da internet, sem ‘tratamento preferencial de tráfego pelos provedores’, está contactando telefônicas para lançar um ‘acesso mais rápido’ para seus serviços.
O Google reagiu por sites tipo Portfolio e Huffington Post, chamando a reportagem de ‘exagerada e confusa’.
NEUTRO
Mas sobrou até para Barack Obama no ‘WSJ’ -ele teria cedido ao Google e mudado sua posição no assunto.
Depois, pelo site Talking Points Memo, também sua equipe reagiu, afirmando que ele se mantém defensor da ‘neutralidade da web’.
SOBE-E-DESCE
Não é só a imprensa que sofre o choque da crise. O Google perdeu quase dois terços de seu valor e até o Facebook, segundo o Valleywag, estaria valendo hoje US$ 1,3 bilhão, dez vezes menos do que se especulava, um ano atrás.’
JORNALISMO CULTURAL
Sylvia Colombo
Hoje, desafios da Ilustrada são outros
‘Quem acompanhou os debates realizados por conta da efeméride dos 50 anos da Ilustrada deve ter ficado com a sensação de que ‘o melhor já passou’.
Para artistas, jornalistas e intelectuais chamados a opinar, o caderno cultural mais importante do país já não tem olhar crítico. Não ‘dialoga’ ideologicamente com mais ninguém. E, pior, seus textos não possuem o mesmo ‘toque’ charmoso e pessoal que celebrizou gerações passadas.
Sem querer desprezar o legado deixado pela ousadia dos colegas dos anos 80, foi perturbador ouvir por semanas a mesma ladainha nostálgica com a qual lamentou-se o fim de uma era e a impossibilidade de repetir uma experiência que simplesmente não se encaixa no contexto em que vivemos.
Para os profissionais que começaram a fazer a Ilustrada depois da queda do Muro de Berlim, o desafio desde o início já era outro. As transformações da geopolítica, a modernização da imprensa e a multiplicação do número de produtos culturais no mercado passaram a exigir de nós outra atuação.
Desde então, o caderno tem tentado responder às novas demandas de consumo dos leitores e à necessidade de produzir um jornalismo especializado.
Cobertura complexa
Tomemos dois exemplos. O responsável pela cobertura de música pop, no passado, não precisava muito mais do que comprar ou trazer de suas viagens as revistas internacionais que poucos liam no Brasil, identificar as bandas relevantes sobre as quais elas falavam e ditar regras. Não havia internet, TV a cabo, MP3, celular. Ouviam-se LPs, e o advento de um simples aparelho de fax causava manifestações de admiração e incredulidade. É bom lembrar que, quando a Ilustrada se projetou, o principal concorrente paulista da Folha não tinha caderno de cultura e não circulava às segundas!
Hoje a tarefa é bem mais complexa. O repórter musical precisa observar o que está sendo volumosamente despejado via internet e apontar rapidamente uma tendência. Deve oferecer um enfoque e uma linguagem originais, uma opinião clara e didática sobre a gigantesca cena pop e a crise da indústria do disco.
Sobre cinema nacional, desde 1995, com a chamada ‘retomada’, o trabalho dos que lidam com esse noticiário também ficou complexo.
Há mais filmes em exibição nas salas do Brasil. É preciso apresentá-los e dar-lhes uma resposta crítica. Mas não só. Muito dinheiro do Estado, por meio das leis de incentivo, passou a girar neste universo. Por isso, existe mais politicagem.
Não basta um caderno cultural ‘gostar’ ou ‘não gostar’ de uma produção. É preciso contar como foi realizada. Há que se investigar bastidores e cruzar informações.
Em ambos os casos, nota-se a importância cada vez maior que a reportagem passou a ocupar na mídia cultural.
E foi justamente nesse item que a Ilustrada, a partir dos anos 90, inovou. Num mundo que vivenciava o ‘fim da história’, já não fazia sentido ter apenas um olhar crítico e (ou) político. O público exigia informação e serviço.
Também se passou a fazer uma distinção melhor definida, por meio da edição e da diagramação, do que era opinião e do que era reportagem.
Debate cultural
A avaliação entusiasta que é feita hoje da Ilustrada de décadas passadas resulta da lembrança de episódios que passaram pelo filtro da história. Para cada ‘sacada’ memorável de um editor, para cada artigo ‘definitivo’ de um jornalista sobre essa ou aquela tendência, correspondia uma enorme quantidade de textos abaixo dos padrões de qualidade de hoje. O pouco método e a deficiência técnica resultavam numa cobertura muitas vezes improvisada, imprecisa e lacunar, para não falar em alguns colaboradores e colunistas medíocres e antiquados.
Já a Ilustrada dos nossos dias está totalmente exposta. Erros e acertos misturam-se no cotidiano, assim como no passado. A diferença é que ainda não podemos engrandecer nossos bons momentos simplesmente jogando os maus para o lixo do passado.
Os nostálgicos nos acusam de apatia com relação ao que definiram como ‘debate cultural’. Mas há pelo menos dois problemas aí. O primeiro é que, mesmo que reconhecêssemos tal ‘apatia’ e tal ‘debate’, de nada adiantaria usar as mesmas armas de então.
Pereceríamos em campo de batalha, pois não estaríamos atendendo às atuais demandas.
O segundo problema é que essa leitura passadista parece recusar-se a enxergar o fato de que a Ilustrada segue sendo o caderno cultural mais prestigiado do país e continua debatendo temas relevantes: discutiu, por exemplo, a ‘nova direita’, apontou incongruências no uso da Lei Rouanet (teve até anúncios cancelados por um famoso circo) e liderou a polêmica sobre a Bienal do Vazio (expressão, aliás, criada pelo caderno). Agora debate a prisão da jovem pichadora e, mais ainda, promove este amplo debate sobre si própria, sua história e perspectivas.
É oportuno lembrar que, num contexto incerto e cercada de rivais, a Ilustrada ainda é o suplemento cultural mais lido e mais importante do Brasil. Uma referência essencial para quem faz e consome arte nos dias de hoje. Não é pouco.’
TELEVISÃO
Dayanne Mikevis
Novidades da TV Rá Tim Bum vão de ecológicos a traça ‘do bem’
‘Animais brasileiros, uma traça ‘amiga’ e pequenos cientistas são personagens de um pacote anunciado para 2009 pela TV Rá Tim Bum, canal por assinatura que é controlado pela Fundação Padre Anchieta.
Muitas das atrações possuem apelo ambiental, caso de ‘Os Eco Turistinhas’, que ganha episódios novos, e ‘Álbum da Natureza’, uma co-produção com o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade, com estréia em fevereiro.
‘Brichos’, que mostra um jaguar, um quati e um tamanduá com conflitos adolescentes, estréia em março, assim como ‘Os Reciclados’, que tem como protagonista um grupo de heróis cuja missão é salvar a Terra do vilão Lixão.
Um outro malfeitor, Trácio, ameaça um museu em ‘Traçando Arte’, uma produção própria do canal que estréia em maio. O herói Jean Pierre, uma traça amante das artes dublada pelo chef Olivier Anquier, sempre tenta salvar as obras.
As traças também aparecem com destaque em ‘Os Caça-Livros’, uma co-produção já exibida pelo canal, que passa a ser um programa diário.
Programas que falam curiosidades científicas também ganham destaque.
É o caso de ‘Pequenos Cientistas’, que estréia em sua segunda temporada. No pacote de novidades também está a Rádio Rá Tim Bum, que estreou na internet no site www.tvratimbum.com.br com 150 trilhas musicais.
Mauro Garcia, diretor do canal, afirmou que a prioridade para 2009 é investir em animação. ‘Vai ter uma aposta forte e a gente está trabalhando de maneira muito mais forte com a produção independente’, afirma o diretor.
Para Garcia, a animação também abre a possibilidade de exportar mais. ‘É mais perene, tem facilidade de versão para outro idioma e trabalha com temas e valores mais universais’, diz ele.
Para 2010, Garcia espera colher os primeiros resultados do Funcine Anima SP -fundo lançado pela Fundação Padre Anchieta, com R$ 50 milhões para estimular produção independente de animação.’
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O Estado de S. Paulo
Terça-feira, 16 de dezembro de 2008
SAPATADA NO PRESIDENTE
Robert H. Reid
Herói nacional, repórter expõe dilema do Iraque
‘Associated Press – O repórter da TV iraquiana que arremessou seus sapatos contra George W. Bush já havia sido seqüestrado por militantes e, numa outra ocasião, detido pelo Exército americano – o retrato de quem apanha dos dois lados, tão familiar para muitos iraquianos. Ao longo dos anos, Muntadhar al-Zaidi, um xiita solteiro de 28 anos, aprendeu a detestar tanto a ocupação americana quanto o que ele chama de ocupação ‘moral’ iraniana, declarou sua família.
A provocação de Zaidi, no domingo, transformou-o de repórter obscuro de uma pequena rede de televisão em um herói nacional para muitos iraquianos fartos dos quase seis anos de ocupação americana, mas também temerosos de que o Iraque se submeta à influência do Irã depois que os americanos partirem.
Milhares de pessoas protestaram em Bagdá e outras cidades iraquianas pedindo a libertação de Zaidi. O ataque tornou-se o assunto mais comentado nos cafés, escritórios e até nas escolas – e foi debatido em boa parte do mundo árabe.
No dia seguinte ao ataque contra Bush, os três irmãos e a irmã de Zaidi reuniram-se no apartamento do repórter, de um só quarto, localizado na zona oeste de Bagdá, decorado com um pôster de Che Guevara, figura célebre em todo o Oriente Médio.
Seus parentes expressaram perplexidade diante dos atos de Zaidi e muita preocupação com o tratamento dispensado a ele enquanto estiver sob custódia. Mas também se mostraram orgulhos por vê-lo enfrentar um presidente americano tido por muitos iraquianos como o responsável pela destruição do seu país.
‘Por Alá, ele é um herói’, disse a irmã dele, Umm Firas, enquanto assistia ao vídeo do ataque do irmão numa TV árabe. ‘Que Alá o proteja.’
A família insistiu que Zaidi agiu espontaneamente, talvez motivado pela agitação política que ele acompanha por causa de seu trabalho, somada a suas experiências pessoais com a violência e a ameaça de morte que milhões de iraquianos enfrentam diariamente.
Zaidi entrou para a rede Al-Baghdadi em setembro de 2005 depois de se formar em comunicação pela Universidade de Bagdá. Dois anos mais tarde, ele foi seqüestrado por pistoleiros enquanto trabalhava num bairro sunita da zona norte da capital iraquiana.
Ele foi solto ileso três dias mais tarde, depois que as emissoras iraquianas transmitiram apelos pedindo sua libertação. Na época, Zaidi disse a repórteres não saber quem o seqüestrou e nem o por quê. Mas sua família responsabilizou a Al-Qaeda e afirmou que nenhum resgate foi pago.
Em janeiro, ele foi detido novamente, desta vez por soldados americanos, que revistaram seu apartamento, disse o irmão dele, Dhirgham. Ele foi solto no dia seguinte com um pedido de desculpas.
Essas experiências ajudaram a moldar um profundo ressentimento direcionado ao mesmo tempo contra a presença militar americana no Iraque e contra a influência do Irã sobre a comunidade xiita iraquiana, dominada por clérigos.
‘Ele detesta a ocupação material americana tanto quanto odeia a ocupação moral iraniana’, disse Dhirgham. ‘Quanto ao Irã, ele considera aquele regime o outro lado da moeda americana.’ Esse ponto de vista é amplamente compartilhado por iraquianos, incluindo muitos xiitas. No Iraque, discute-se que americanos e iranianos estariam travando indiretamente uma guerra, por meio de laços de Teerã com radicais xiitas.
Zaidi pode ter sido motivado também por sua personalidade ‘exibicionista e orgulhosa’, como descreveu um colega. ‘Ele sempre foi muito falastrão, arrogante e exibido’, disse o jornalista curdo Zanko Ahmed, que participou de um curso com Zaidi no Líbano. ‘Ele tentava começar debates para mostrar que ninguém era tão esperto quanto ele.’ Ahmed recordou que Zaidi falava entusiasmado sobre o clérigo anti-EUA Muqtada al-Sadr, cujos seguidores organizaram protestos ontem para exigir a libertação do repórter.
‘Infelizmente, ele não aprendeu nada durante o curso no Líbano, onde fomos ensinados sobre ética, neutralidade e distanciamento no jornalismo’, disse Ahmed.’
O Estado de S. Paulo
Jornalista vira herói no Iraque
‘AP e REUTERS – Centenas de manifestantes saíram ontem às ruas do Iraque para pedir a libertação de Muntadar al-Zaidi, o jornalista que, durante uma entrevista coletiva em Bagdá, no domingo, atirou seus sapatos contra o presidente George W. Bush, sob os gritos de ‘este é seu presente do povo iraquiano, seu beijo de despedida, cachorro! Pelas viúvas, órfãos e assassinados do Iraque!’. Logo após a tentativa de agressão e os insultos, Zaidi foi imobilizado e levado a um lugar desconhecido por agentes do serviço secreto dos EUA.
Segundo os costumes iraquianos, mostrar a sola de um sapato é uma ofensa grave, que equivale a dizer que a pessoa é inferior à sujeira do calçado. Arremessar os sapatos é ainda mais ultrajante.
Em Cidade Sadr, subúrbio de Bagdá dominado pelas milícias fiéis ao clérigo xiita Moqtada al-Sadr, eram exibidas solas de sapatos ao lado de cartazes com frases contra a ocupação americana e pedidos de libertação de Zaidi. Os manifestantes gritavam ‘herói’, referindo-se ao jornalista preso. Calçados foram jogados contra uma patrulha americana em Najaf, cidade xiita no sul do Iraque. Os militares, porém, não responderam.
O gesto de Zaidi, um xiita de 28 anos, também foi celebrado em outras partes do mundo árabe. Na Líbia, uma instituição de caridade presidida por Aisha Kadafi, filha do presidente Muamar Kadafi, concedeu um prêmio por bravura ao jornalista da pouco conhecida TV Al-Baghdadi e exigiu sua libertação. O jornal libanês Al-Akhbar estampou em sua primeira página a manchete ‘Um beijo de despedida’ ao lado da foto de Bush desviando do sapato voador. ‘O segundo beijo virá quando as tropas americanas deixarem o Iraque’, escreveu o jornal.
Segundo um assessor do primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, o jornalista responderá na Justiça por seu ‘comportamento agressivo contra uma autoridade e um convidado do governo’. Funcionários do Judiciário iraquiano disseram que Zaidi pode pegar até 7 anos de prisão por ‘insulto ao premiê’.
Em entrevista após a tentativa de agressão, Bush qualificou o episódio de ‘um dos momentos mais bizarros’ de seus oito anos de presidência. Ele reagiu com bom humor ao ataque com sapatos e, na hora, declarou aos repórteres: ‘Só posso dizer que era número 42.’ Apesar de o jornalista ter sido rapidamente imobilizado, sua ação reforçou preocupações quanto à segurança da Zona Verde, área de segurança máxima onde foi realizada a coletiva.
NOVAS MORTES
A grande repercussão nas ruas e na mídia do episódio dos sapatos acabou tirando a atenção de um sangrento atentado que ocorreu ontem em Bagdá. A explosão de um carro-bomba em um posto de controle deixou pelo menos 17 mortos – em sua maioria policiais – e dezenas de feridos, informou a polícia da capital.
OS EUA NO IRAQUE
US$ 576 bilhões foram os gastos com a guerra
US$ 117 bilhões foram gastos na reconstrução
150 mil soldados estão hoje no Iraque
90 mil civis morreram no conflito’
ECOS DA DITADURA
O Estado de S. Paulo
Lançado livro sobre censura ao ‘Estado’
‘O jornalista José Maria Mayrink autografou ontem o livro-reportagem Mordaça no Estadão. A publicação faz um relato da censura no jornal após a edição do AI-5, em 13 de dezembro de 1968. O lançamento da obra, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, contou com a presença de políticos e personalidades. Durante pesquisa para escrever o livro, Mayrink ouviu mais de 40 personagens.’
TELEVISÃO
Beatriz Resende
Capitu, Brecht, Bentinho e Janis Joplin
‘Capitu, microssérie que terminou sábado, na Rede Globo, é, sem dúvida, mais do que um marco em termos de transposição de um clássico da literatura brasileira para outro suporte, é uma excelente ocasião para pensarmos nas possibilidades hoje disponíveis para divulgação da literatura e da cultura, em geral, e, em particular, para a generosidade que se impõe na partilha necessária do prazer que a genialidade de um autor como Machado de Assis pode proporcionar.
Neste momento em que os conservadores de plantão andam ocupados em demonizar a internet, culpando-a por todos os males possíveis, não só no afastamento de eventuais leitores do livro em papel, como de todas as outras práticas disciplinadas de aquisição da cultura formal, podemos aproveitar a trégua e repensar a importância que o mais forte instrumento de divulgação da informação no Brasil, a televisão, pode ter para apresentarmos a todos o fascínio de um texto como Dom Casmurro.
E é dessa necessidade de mostrar, de tentar convencer, de apresentar mesmo: ‘prazer, Joaquim Maria, prazer, Rodrigo’; ‘prazer, Daniela, prazer, Joaquim, mas pode me chamar de O Bruxo do Cosme Velho se você não se assustar com isso’, que falo.
Dentre as obsessões pedagógicas que nos assolam está a que determina a necessidade de nossos jovens lerem os grandes romances de Machado de Assis. De saída, esquecemos de toda uma geração anterior a estes adolescentes transbordando hormônios, a de seus professores e pais, que também não conhecem as maravilhas, os prazeres, o divertimento que estão naquelas páginas. Vamos ser sinceros, Machado de Assis não escreveu para jovens, escreveu para os donos do poder, escreveu para os formadores de opinião – como diríamos hoje -, escreveu para os poucos que faziam a política, para os que pretendiam zelar pela moral vigente, escreveu principalmente para posteridade, já que, descrente da realidade escravista em que viveu, confiava ainda num país e numa literatura a serem construídos.
Vejamos, pois, como começa o livro de Machado e como começa – exatamente da mesma forma – esta pequena obra-prima de um mundo feito de textos e imagens criado por Luiz Fernando de Carvalho:
‘Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu.’ Para quem perdeu o início, vale dizer que a frase perfeita é escrita a bico de pena na tela. Em seguida, o personagem, homem envelhecido e cansado que dormitava no trem, incapaz de ouvir os versos que o jovem lhe exibia, se apresenta ao leitor: ‘No dia seguinte, entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos, que não gostam de meus hábitos reclusos e calados, deram curso à alcunha, que afinal pegou.’ *
Um início como este, com sua amarga e sofisticada sabedoria, afastaria facilmente qualquer jovem espectador. Mesmo a ‘prezada leitora’, guardaria suas forças para algum seriado enlatado. No entanto, o cansado Bento Santiago, num trem contemporâneo, devidamente pichado, surge ao espectador na pele de um Michel Melamed tornado uma espécie de clown, deformado, ágil, por vezes cômico, por vezes trágico. Michel é, ele mesmo, um performer, experimentador constante de novas linguagens, parceiro ideal das inovações ousadas pelo diretor. É na segunda metade da série, porém, que o virtuosismo de Melamed e a habilidade dos realizadores chega à perfeição, quando a Melamed cabe ser o narrador (com textos absolutamente fidedignos) e o personagem, partilhando, como no romance, a sedução e loucura que envolve Capitu. Daí em diante a microssérie continua neste tom: ler Dom Camurro na vivência da simultaneidade que caracteriza o século 21, garantindo ao leitor que a obra não pede clausura. A trilha musical de Tim Rescala é garantia dessa possibilidade, e quando Janis Joplin, este misto do desequilíbrio de Bentinho com a fascinação de Capitu, toma a cena, envolve a cena, dá vontade de levantar para aplaudir.
Mas não é nem o entusiasmo hipnótico nem a catarse paralisante que o espetáculo audiovisual quer provocar. Prova disso é o uso do recurso criado por Machado de Assis e aqui retomado com ênfase depois que todos nós lemos Brecht. Diferentemente dos romances destinados a embalar as leitoras em suas horas de ócio, a narrativa de Machado entrecorta o relato em trechos curtos, encimados por títulos que, muitas vezes, antecipam a ação. A obra de Carvalho, em suas inspirações teatrais, usa os mesmos subtítulos à maneira como Brecht interrompe a cena com seus cartazes, com dizeres destinados a chamar à razão o espectador embalado pelo prazer estético, pelo fascínio enigmático da fábula. Afinal, disse Machado, ‘o destino não é só dramaturgo, é também seu próprio contra-regra’.
Da mesma forma, cenário e figurino revelam detalhes que já estavam presentes no romance e muitas vezes nos passaram despercebidos. Esclarecem esses indícios fabricados pelo autor não pelo realismo, que mataria a obra, mas por indicações novas: o delírio que leva o Bento solitário a reconstruir com grandeza a casa da infância, em Matacavalos: ‘A pintura do teto é mais ou menos igual, umas grinaldas de flores miúdas e grandes pássaros que as tomam no bico, de espaço a espaço. Nos quatro cantos do teto as figuras da estação.’ Como também é suntuosa a figura da irresistível Capitu mulher, partilhando dos figurinos comuns naquela família onde as condições financeiras permitiam que qualquer contrariedade fosse aplacada em Paris, deixando de lado o cenário carioca reproduzido em filmes ou na memória. A inesquecível cena do baile põe todo este excesso em evidência na vida da família que, a todo momento – como repete por duas vezes a série – ‘manda-se um preto lá avisar…’
Resta Capitu, Letícia Persiles, mais velha que Bentinho, evidenciando que diante de uma mulher, ‘garotos são só garotos’. Maria Fernanda Cândido consegue um feito raro, olha para o espectador, seu cúmplice, como diz o romancista em um momento menos citado: ‘Os olhos de Capitu, ao receber o mimo, não se descrevem; não eram oblíquos, nem de ressaca, eram direitos, claros, lúcidos.’
Agora o trabalho é nosso: mostrar a jovens e adultos o quanto a obra de Assis tem a ver com nossa vida contemporânea, mesmo quando, como aconteceu na microssérie, o ritmo é acelerado demais.
*Recorro aqui à cuidadosa edição da Ateliê Editorial, de 2008, com apresentação de Paulo Franchetti, notas e comentários de Leila Guenther, ilustração de Hélio Cabral. A elegante publicação é exemplo de meu argumento: aproxima o texto do leitor menos iniciado, indica leituras aos estudiosos, facilita o acesso ao vocabulário aos jovens distantes no tempo nas formas vernaculares usadas, mas jamais infantiliza, reduz, interpreta ou explica – perigo maior que freqüentemente atinge que esta obra, toda feita de ambigüidades.
* Beatriz Resende é coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ e autora de Contemporâneos – Expressões da Literatura Brasileira no Século 21′
Luiz Carlos Merten
Ópera-rock desconcerta pelo que tem de excessivo
‘LANTERNA MÁGICA: Há um mistério de Capitu, um enigma representado por essa mulher de olhos de cigana oblíqua e dissimulada que assombra há mais de um século a literatura brasileira. Luiz Fernando Carvalho sabe que existe essa discussão, apaixonada para uns, bizantina para outros – Capitolina traiu Bentinho com seu amigo seminarista? Ezequiel é filho de Escobar? Para o leitor que segue a letra do romance, basta a palavra do narrador – Bentinho , o Dom Casmurro – e Capitu, sim, termina por assumir a dimensão simbólica do adultério. Mas nunca será demais lembrar que Bentinho, como outros heróis machadianos, é um homem torturado pelas aparências e, neste sentido, talvez seja mais enganado por elas do que pela mulher.
Machado foi um grande criador de personagens masculinos que parecem não viver no mundo real, mas num mudo de realidade projetada, que refaz segundo suas necessidades interiores. O caso extremo na obra machadiana (lembrava o hoje esquecido Cláudio Mello e Souza) era Rubião, em Quincas Borba, que ?pegou nada, levantou nada e cingiu nada, coroando-se imperador de um mundo imaginário?. O enigma de Capitu é, na verdade, uma criação de Bentinho, que, não se conhecendo internamente, não reconhece a mulher. Para traduzir isso em imagens, Luiz Fernando Carvalho criou um universo de artifícios e aparências, uma ópera-rock que muitas vezes desconcerta pelo que tem de excessivo.
Mas a sua lanterna mágica, construída num só cenário que faz as vezes de tudo – igreja, bordel, salão de baile, a casa de Matacavalos e até um navio -, possui uma riqueza intrigante, o mesmo podendo-se dizer da interpretação. Seu velho Dom Casmurro, o magnífico Michel Melamed, treinado por Rodolfo Vaz – de Salmo 91 e do Grupo Galpão, de Belo Horizonte -, é um clown patético, voyeur caligaresco do próprio passado, que sorve, mais do que espia, aquele beijo que, quando jovem, deu em Capitu. Maria Fernanda Cândido é descarnada e vira puro olho, uma figura de tragédia. A sensualidade de Capitu fica toda entregue à exuberância de Letícia Persiles, mas há nela, simultaneamente, uma espécie de inocência a ressaltar que se trata, acima de tudo, de uma projeção do olhar masculino.
Há mais de A Pedra do Reino e Hoje É Dia de Maria no barroquismo cênico de Capitu do que talvez exigisse uma adaptação fiel à ironia e à sutileza machadianas, no centenário da morte do autor. Mas a questão, enunciada no texto principal desta página, é justamente como ser fiel a Machado, na era da internet e da MTV? Luiz Fernando Carvalho, em várias oportunidades, já mostrou ser um êmulo de Luchino Visconti, o mais clássico dos cineastas revolucionários. Ele tem olho para o detalhe e para a beleza visual. Talvez não necessitasse tanto filmar através de rendas e brocados para caprichar na imagem. Por momentos, é como se a arte de Visconti interceptasse manifestações da cultura popular nordestina, mas, na realidade, há aqui, agora, uma inesperada intervenção. Como em Jules e Jim, de François Truffaut, adaptado de Henri-Pierre Roché, os cinejornais e filmes de época ora contextualizam, ora comentam a ação. Mas a verdadeira influência de Truffaut é outra. O universo de aparências de Bentinho – ele amava/desejava Capitu ou Escobar? – remete à amizade de Jules e Jim e ao efeito desestabilizador da presença de Catherine (Jeanne Moreau) na vida dos dois. Capitu, a microssérie, trata de adultério, mas por que não dizer que existe ali, também, um vestígio de homossexualismo reprimido? No fundo, tudo isso talvez seja irrelevante. Como Jules e Jim, o filme, é fundamentalmente sobre cinzas, sobre fantasmas, sobre as coisas que desaparecem e permanecem vivas na lembrança e as que ainda estão vivas mas já vão desaparecendo no imaginário, como prova a ciranda final de Bentinho com seus mortos. Capitu não há de agradar aos machadianos mais acadêmicos. Poderá até ser discutida, conceitualmente, à luz de Machado, mas, como espetáculo audiovisual, Luiz Fernando Carvalho nunca foi mais belo.’
Alline Dauroiz
Paraíso aborda tema
‘Remake da trama de 1982, escrita por Benedito Ruy Barbosa, Paraíso, próxima novela das 6 da Globo prevista para estrear em 9 de março, começa a ser gravada dia 5, em fazendas e locações do Mato Grosso e Bahia. ‘Ainda estamos escolhendo os locais. O Papinha (o diretor Rogério Gomes), está viajando para isso’, diz Edmara Barbosa, filha do autor do original. Ela reescreve o folhetim com a irmã Edilene. As gravações em estúdios e cidade cenográfica começam na metade de janeiro.
Situada em uma cidadezinha do Mato Grosso, cercada por fazendas de gado, a história vai se passar nos dias atuais e abordará temas como desmatamento, aquecimento global e política. ‘Por incrível que pareça, embora os problemas tenham se agravado, continuam os mesmos. Na trama original, meu pai já falava de devastação’, explica.
Além da protagonista Nathália Dill, foram convidados para a trama o cantor Daniel e os atores Eriberto Leão, Vanessa Giácomo, Carlos Vereza, Cássia Kiss, Kadu Moliterno, Walderez de Barros, Irene Ravache, Reginaldo Faria, Gésio Amadeu, Cristiana Oliveira, Mauro Mendonça, Fernanda Paes Leme e Leopoldo Pacheco.
Filma eu, Cauã!
Durante a gravação do Vídeo Show Retrô, Cauã Reymond dá uma de cameraman e filma Elizangela que, com a ajuda de Angélica e André Marques, anunciará a matéria sobre a TV dentro da TV. O programa deve ir ao ar no dia 30, na Globo.’
Cristina Padiglione
Ana Paula Padrão ensaia CSI real
‘Um jornalístico na linha da série CSI, que investiga todas as entranhas científicas da cena do crime, a fim de conferir a identidade do algoz: eis o projeto que Ana Paula Padrão vem desenvolvendo para apresentar a Silvio Santos, no propósito de renovar seu contrato com o SBT. O acordo expira em março, após quatro anos de casa, e convém convencer o patrão com boas idéias. É que as últimas renovações de contrato ocorridas sob o teto do Baú provocaram, invariavelmente, uma baixa nas cifras dos contratados.
Entre-linhas
Só Ney Latorraca recebeu o texto do show que seu personagem, Edmar, fará na novela Negócio da China, da Globo. A idéia é surpreender o elenco com o enredo cômico, sobre os anos que foi refém das Farc.
O último episódio de Capitu, sábado, rendeu 15 pontos de média de audiência à Globo. A média geral da minissérie foi também de 15 pontos.
A morte de Gonçalo (Mauro Mendonça) em A Favorita, sexta-feira, atingiu 42 pontos de média. E o reencontro de Flora com Donatela será no dia 5, não dia 4, como cá foi dito antes.’
Luiz Carlos Merten
Toda decadência da Alemanha no cabaré de O Anjo Azul
‘Em 1930, no alvorecer do cinema falado, Josef Von Sternberg fez o primeiro de seus filmes que esculpiram o mito de Marlene Dietrich e a transformaram num dos maiores ícones na tela. Aproveitando que o cinema recém começara a falar, Von Sternberg valeu-se da voz rouca de Marlene e fez dela a sedutora Lola-Lola, cantora de cabaré que diz – mais do que canta – ?ser sedutora da cabeça aos pés? e vira um objeto de desejo que destrói o respeitável professor interpretado por Emil Jannings.
O Anjo Azul integra-se no movimento chamado de expressionismo e, como tal, põe na tela o clima de decadência moral e financeira da Alemanha que alicerçou o fenômeno Hitler (e o nazismo) nos anos seguintes. Passa às 15h55 no Telecine Cult. No mesmo ano, contratados por Hollywood, Sternberg e Marlene fizeram Marrocos e nos anos seguintes surgiram Desonrada, Expresso de Shangai, Vênus Loira, A Imperatriz Galante e Mulher Satânica. Visual barroco e erotismo carregado fizeram de Marlene um objeto de desejo eternizado pelo mistério do cinema.’
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