Friday, 20 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1306

Josias de Souza

‘As corporações jornalísticas cometeram na última década dois relevantes equívocos: 1) difundiram a tese de que a adesão do Brasil ao consenso liberal era prenúncio de prosperidade; 2) acreditaram no devaneio.

A indústria da informação tirou do noticiário que produziu as suas próprias confusões. Crente na perspectiva de bonança, traçou planos expansionistas. Contraiu empréstimos em dólar. Plantou em seus balanços encrencas milionárias. Colhe agora a tempestade.

Vítima de si mesma, a mídia virou notícia. O setor atravessa uma crise sem precedentes. Talvez a maior dos últimos 50 anos. Com o destino atado a um iminente socorro financeiro do BNDES, a maioria das empresas de comunicação encontra-se exilada de suas certezas. O consenso econômico em decomposição é o incômodo local desse exílio.

Nós, mercadores da informação, devemos à clientela uma boa explicação. Consumidores mais atentos já se perguntam: por que acreditar em produtores de notícias que não foram capazes de iluminar o próprio futuro?

A embaraçosa verdade é que o jornalismo se eximiu nos últimos anos da tarefa de expor adequadamente as contradições do modelo único. Limitou-se a reproduzir, de modo acrítico, a atmosfera de oba-oba e contemplação em que se processou o debate econômico. Escassos opositores da nova ordem foram tratados como chatos que queriam estragar a festa.

A antecipação de tendências é hoje matéria-prima escassa no noticiário. O poder decisório migrou da esfera pública para a arena privada. Numa velocidade que os meios de comunicação não conseguiram acompanhar.

Houve um tempo em que o Brasil era governado por três Poderes: Exército, Marinha e Aeronáutica. Num processo iniciado sob Sarney, tonificado sob Collor, consolidado sob FHC e mantido sob Lula, o país passou a ser comandado pelo poder monocrático do mercado.

Mercado sem rosto e disperso. Que pode estar num gabinete de Washington, numa corretora de Nova York, ou num escritório da avenida Paulista.

O ‘Poder’ Executivo perdeu a primazia regulatória. Limita-se a chancelar decisões ditadas de fora. O ‘Poder’ Legislativo virou peça de ornamento. A dissecação desse fenômeno é, no momento, o maior desafio da imprensa.

A ruína da utopia soviética e a conseqüente disseminação planetária do liberalismo produziram uma falsa impressão de ‘fim da história’. A atmosfera ficou impregnada de otimismo.

Imaginou-se que, em países periféricos como o Brasil, um Estado renovado e enxuto daria vazão a demandas históricas da sociedade. Regularia o mercado e proveria, finalmente, distribuição de renda, saúde, educação, segurança etc.

Livre de amarras e sem a concorrência do Estado-empresário, a fome do lucro moveria o mercado, que beneficiaria a sociedade, que seria conduzida ao paraíso. Porém, a ‘nova história’ farejada por Fukuyama foi sendo gradativamente desmentida pelos fatos.

O paraíso existe. Mas é para poucos, tem muros mais altos e dispõe de guaritas guarnecidas por armas cada vez mais sofisticadas. Vive-se uma festa liberal para a qual a maioria excluída ainda não foi convidada.

Até ontem, havia meia dúzia de esquerdistas guerreando atrás de barricadas. Não há mais. Eleitos, Lula e o ex-PT aderiram ao modelão. Não comem mais criancinhas. Dedicam-se agora à jardinagem. Plantam estrelas vermelhas no chão do Alvorada e do Torto.

Estuário natural da história em construção, os meios de comunicação amargam cortes orçamentários que reduzem a sua capacidade de observação. Os fatos são acompanhados de forma burocrática e convencional. Concentram-se os escassos esforços investigatórios nos gabinetes do Estado.

Movimentos decisivos só são captados pelo jornalismo contemporâneo em sua fase terminal. Ignora-se com freqüência a etapa de formulação das decisões, comandada por um mercado desgovernado e rendido à lógica externa.

Ou os meios de comunicação se qualificam para a cobertura desse núcleo decisório que se sobrepõe ao Estado, ou serão condenados ao mero relato de fatos consumados. Perderão de vez o sentido utilitário.

Num cenário de interesses voláteis e difusos, a imprensa não consegue fixar âncoras de referência. No instante em que leitores e telespectadores buscam a luz que deixou de brilhar em seus túneis particulares, o jornalismo converte-se em mero profeta do acontecido.’



Edgar Olimpio de Souza

‘Reunião de pauta’, copyright Meio & Mensagem, 29/04/04

‘Ruy Mesquita, diretor do Estadão, afirma durante o Congresso de Jornalismo Empresarial que a mídia brasileira vive hoje um processo de ‘murdochização’

Houve uma época em que se liam poemas e receitas de bolo no lugar das reportagens censuradas. Vítimas da tesoura da censura, os jornais recorriam a expedientes diversos para contornar a situação. Se naqueles tempos sombrios o bom jornalismo era prejudicado pela política, hoje a mídia está a reboque dos interesses comerciais e busca o lucro a qualquer preço. O processo de ‘murdochização, termo inspirado no empresário australiano naturalizado norte-americano Rupert Murdoch, dono da News Corporation, que não vê diferença entre imprensa e uma indústria de salsicha, por exemplo, pode desidratar o jornalismo praticado hoje de maneira irreversível. A opinião é de Ruy Mesquita, diretor de Opinião do jornal O Estado de S. Paulo, que discursou sobre o assunto após receber o Prêmio Personalidade da Comunicação 2004, na abertura do 7º Congresso Brasileiro de Jornalismo Empresarial, Assessoria de Imprensa e Relações Públicas, que se realizou entre os dias 14 e 16 deste mês em São Paulo. O evento reuniu uma série de debates e palestras sobre temas importantes relacionados com o universo da mídia, como a relação entre as empresas e a imprensa, o mercado da comunicação no mundo globalizado, tendências e o papel de cada agente desse mercado.

‘Fomos sempre imparciais na informação, mas absolutamente engajados nos principais embates políticos nacionais e internacionais’, disse o diretor do Estadão, acrescentando que isso só tem sido possível porque não há subordinação da política editorial aos interesses de marketing do jornal. ‘A grande ameaça é o fato de as empresas de comunicação serem administradas sem critérios ou compromisso com o bom jornalismo. Para a prática dessa atividade, deve sempre existir independência entre os departamentos editorial e comercial’, avalia. Ao cunhar o termo ‘murdochização’, Mesquita quer condenar uma concepção de jornalismo voltada ao lucro a qualquer preço, alimentado pelo magnata australiano Rupert Murdoch em suas empresas de comunicação ao redor do mundo. ‘A ‘murdochização’ é uma ameaça de que jornais como O Estado de S. Paulo possam não existir mais em um futuro próximo’, alertou.

Mas tem quem veja essa avaliação de Mesquita com algum ceticismo em função da atual crise financeira da mídia brasileira, que acumula uma dívida de R$ 10 bilhões segundo um levantamento preliminar. Na palestra O Futuro da Mídia e das Relações Empresa-Imprensa, Paulo Totti, assessor da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), defendeu um socorro financeiro à mídia desde que condicionado ao cumprimento da missão de um banco de fomento social e de incentivo à produção. Nada parecido ao processo adotado no Proer, quando o governo federal injetou bilhões nos bancos e assumiu a parte podre das dívidas. O socorro seria apenas para os investimentos e o incentivo à criação e à ampliação de fábricas nacionais de papéis, e as dívidas seriam financiadas por instituições privadas. ‘Não vamos favorecer ninguém, uma empresa com dívidas de US$ 2 bilhões receberá o mesmo tratamento daquela que se endividou para comprar uma máquina de R$ 100 mil’, comparou. ‘Voltar as costas para os meios de comunicação arriscaria um número estimado de até 1,5 milhão de empregos, considerando-se todos os segmentos envolvidos.’

Releases na íntegra

No mesmo painel, Sidney Basile, diretor-secretário editorial e de relações corporativas e governamentais da Editora Abril, ressaltou a perda de receita publicitária dos veículos nos últimos anos: ‘O desafio da mídia seria oferecer produtos que se sustentem tão-somente no gosto do consumidor, garantindo a demanda e a receita’. Paulo Markun, comentarista do TV Terra, âncora da TV Cultura e diretor da Agência Deadline, disse que o tão aguardado capitalismo não chegou à mídia. ‘Na mídia televisiva, a disputa está mais competitiva, mas não nos moldes capitalistas’, avalia. ‘A Globo tem mais participação na publicidade que sua audiência e a Record, que opera no azul, é sustentada pelo dinheiro dos fiéis da igreja do bispo Edir Macedo. É o mesmo caso do SBT, cujo investimento não vem do próprio negócio, mas das vendas do Baú da Felicidade.’ Ao falar sobre o futuro da mídia, Markun enxerga um cenário sombrio. ‘A internet passou a ser o grande veículo de comunicação para as novas gerações’, ressalta. ‘Nas faculdades de jornalismo, todos os alunos tem bloggers e não lêem jornais, e os professores não têm a menor idéia do que seja um blog e internet’, completa.

Diante de um quadro em que mais sobram perguntas que respostas, um dos painéis tratou justamente dos desafios a que os jornalistas estão submetidos em um país com tantas diversidades e peculiaridades de comunicação como o Brasil. Jornalistas da Rede Publicom de Comunicação Empresarial fizeram uma radiografia das diversas regiões brasileiras. No Norte, 80% do conteúdo dos releases são publicados, na maioria das vezes na íntegra e em todos os jornais. Paulo Roberto Pereira, diretor da Texto & Imagem, afiliada da Publicom em Manaus, contou que os editores são muito jovens, os veículos dependem da máquina estatal e do material das assessorias e que a comunicação de grande parte das empresas é via Rio-São Paulo. Um problema que também afeta o Sul, segundo Almir Freitas, diretor da Ufizzi, afiliada da Publicom em Porto Alegre. ‘A falta de fontes locais atrapalha e, por vezes, impede a produção de uma reportagem’, conta. A região vive também um conflito entre o comercial e o editorial – não é anunciante, não entra, é o lema. ‘Mas há um fator positivo: a proliferação de jornais de bairro gratuitos e distribuídos nas casas.’ Patrícia Calazans, diretora da Press, afiliada da Publicom em Recife, revela que a chegada de novas empresas está sacudindo a economia do Nordeste e fazendo com que os veículos locais produzam mais notícias da região. ‘Na capital do País, as sucursais dos grandes veículos só querem saber do que acontece na Praça dos Três Poderes’, diz Andreia Salles, diretora da Empório, afiliada da Publicom em Brasília. Por sua vez, os jornais locais privilegiam a área de serviços. No Mato Grosso do Sul, a internet duela com os jornais impressos.

Não é uma Brastemp

Em um cenário de incertezas, criatividade talvez seja a solução. Ao menos foi a conclusão a que chegou em sua palestra o publicitário Júlio Ribeiro, presidente do Grupo Talent. ‘O momento exige novas respostas porque são novas as questões que se apresentam no mundo empresarial e no mundo da comunicação’, disse, após fazer uma retrospectiva da evolução da economia, do feudalismo até o atual e inquietante momento da globalização. Ribeiro citou três casos de soluções desenvolvidas pela sua agência: o conceito ‘Não é assim uma Brastemp’, no ar há mais de dez anos; Toshiba Planet, que lançou e deu a liderança à linha de áudio da Semp Toshiba; e ‘Apaixonados por carro’, conceito desenvolvido para os Postos Ipiranga. ‘Empresa contemporânea é aquela afinada com valores contemporâneos, que cultiva uma política interna de relacionamento ético e afetuoso’, disse. ‘O Pão de Açúcar treinou todos os seus funcionários para amarem os seus clientes, até aquelas senhoras que ficam na fila do caixa contando as moedinhas.’’



Folha de S. Paulo

‘Congresso decidirá ajuda à mídia’, copyright Folha de S. Paulo, 29/04/04

‘O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) poderá desistir de fazer um programa de financiamento para empresas de mídia. De acordo com o presidente do banco, Carlos Lessa, isso poderia acontecer caso houvesse forte oposição no Congresso. ‘Se a imensa maioria dos parlamentares disser que não, evidente que nós não vamos levar à frente um programa desses’, afirmou ontem em Brasília.

Lessa disse que o banco está colocando em discussão a questão do financiamento para empresas de mídia porque o assunto é muito ‘delicado’. Lessa falou sobre financiamento público para o setor de mídia durante audiência pública na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados e em uma entrevista coletiva após a audiência.

Ele explicou que o banco pretende que o programa de financiamento seja feito por meio de agentes (bancos privados), e não diretamente pelo BNDES. ‘A posição do banco é que esse não seja um programa direto com o BNDES, seja um programa feito via agentes. Por quê? Porque aí as mil e tantas empresas do setor [de mídia] irão conversar com os 180 bancos brasileiros. E, se um banco achar que o projeto é meritório, vem então nos procurar, mas o risco do BNDES não será o risco empresa, será o risco do banco.’

Lessa lembrou aos deputados que as normas para concessão de empréstimo do banco são ‘duras’ e que o financiamento para a mídia será discutido abertamente. ‘Eu quero tranqüilizar os senhores parlamentares. Uma matéria dessa delicadeza nunca será decidida a portas fechadas’, disse.

Endividamento

A Folha publicou, em fevereiro, que o setor de mídia tem uma dívida estimada em aproximadamente R$ 10 bilhões. Segundo dados do Ministério do Trabalho, as empresas de comunicação -rádios, TVs, jornais, revistas e agências de notícias- cortaram 17 mil empregos em dois anos.

A reportagem mostrou que, em 2002, as empresas de comunicação acumularam prejuízo de R$ 7 bilhões, dos quais R$ 5 bilhões foram registrados pela Globopar -holding das Organizações Globo. A receita líquida do setor naquele ano foi 20% menor, em valores reais (descontada a inflação), do que a de 2000.

No mês passado, o vice-presidente do BNDES, Darc Costa, informou, em audiência pública no Senado, que a linha de crédito do governo para socorrer o setor de comunicação terá um volume máximo de R$ 4 bilhões.

Em seu depoimento, Costa disse que as regras gerais do programa não estavam definidas. Segundo o vice-presidente do BNDES, a decisão de não fazer empréstimos diretos se deve ao alto endividamento do setor e à ‘conveniência de que tenha independência em relação ao governo’.

Na ocasião, o banco informou que o valor de R$ 4 bilhões está relacionado à demanda estimada para a linha de crédito, que, segundo a área técnica do banco, deve ser inferior aos R$ 5 bilhões calculados em estudo encomendado pelo setor.

Também em março, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), disse que o modelo definido impedirá que uma única empresa receba mais de 25% do total do programa -R$ 1 bilhão, tomando por base o teto anunciado.’