O surgimento da imprensa produziu para os escritores as entidades que eles mais precisavam: leitores. E esses tiveram nas páginas de jornais, periódicos e revistas o que somente aqueles lhes poderiam dar, sem a pressa e por vezes a superficialidade das narrativas jornalísticas.
No século 19, o folhetim, surgido no século anterior, transformou o romance e este reinou absoluto na nova forma, inclusive no Brasil. Não houve submissão à nova modalidade. Tal como nas leis de Darwin, houve adaptação. O romance transformou-se ao interessar-se pelos leitores, suas angústias, aflições, alegrias, temas e problemas.
Mesmo figuras referenciais do romance brasileiro, como Aluísio Azevedo, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar e o próprio Machado de Assis, este último tão cuidadoso com os ritos e as solenidades do ofício, tendo sido figura de proa na fundação da Academia, renderam-se aos vínculos com os jornais. O público leitor, mesmo tão diminuto, esperava nas estações ferroviárias o carregamento de jornais que trariam as novas peripécias, as aventuras e os amores das personagens que eles criavam. Não foi diferente em outros gêneros, como o conto, a crônica, a poesia, o ensaio, respeitadas as complexas sutilezas de cada um deles.
O jornal produzia leitores e esses acorriam às poucas livrarias, às vezes para comprar o que já tinham lido em prestações nos jornais, podados, editados e polidos de erros que a pressa, inimiga da perfeição, tinha produzido também em textos presumivelmente mais bem cuidados.
Veio a República e esta não cumpriu uma de suas mais encantadoras e sólidas promessas, a alfabetização do povo, passados 122 anos de sua proclamação neste 2011! Na verdade, os escritores, todos eles republicanos e abolicionistas (a única exceção é Joaquim Nabuco, abolicionista e monarquista), queriam muito mais do que a alfabetização, queriam uma sociedade de leitores, tal como expressa em síntese genial nos versos do poeta dos escravos, Castro Alves:
“Oh bendito o que semeia/ livros, livros à mão cheia/ e manda o povo pensar”.
E nesses outros:
“Quando no tosco estaleiro/ Da Alemanha o velho obreiro/ a ave da impressa gerou/ O genovês salta os mares/ Busca um ninho entre os palmares? E a pátria da imprensa achou”.
Mais de um século depois, o povo ainda pensa de modos desordenados porque os eleitores, em sua maioria, ainda não são leitores.
Busca do público
Mas todos ouvem muito rádio e veem muito televisão. Cordel Encantado, a nova novela das seis, herdeira do folhetim, dará uma grande lição aos escritores e a seus editores. Eles terão muito o que pensar depois dela e durante os capítulos. Em vez de depender tanto do governo, para as habituais e disputadíssimas compras de livros a serem distribuídos às escolas, as duas entidades devem pensar urgentemente em retomar o caminho sadio da busca do público, nas livrarias e fora delas, principalmente agora que, ainda mais difusor do que o jornal impresso, chegou o arsenal eletrônico que não para de multiplicar meios de se chegar ao distinto público.
Mãos à obra, editores e escritores, e todo o povo do livro, na feliz expressão de Galeno Amorim, o novo presidente da Biblioteca Nacional! Vamos buscar o público! Com o governo ou sem ele! O melhor aliado de editores e escritores é sua excelência, o leitor!
Canindé de São Francisco, no interior do Sergipe, fica a três horas de Aracaju. Para lá se deslocou uma equipe de cerca de 70 pessoas para gravar as primeiras cenas de Cordel Encantado. Ali foi a localidade escolhida pela corte de Serápia para buscar no Brasil um tesouro perdido.
Já sabemos que a rainha Cristina, a belíssima Aline Moraes – afinal, rainha feia é mais difícil de tornar encantadora – morrerá e todos retornarão ao reino, mas haverá tantas outras novidades que antecipar uma delas não empobrece nem enfraquece as tramas, que prometem ser abundantes e complexas, e ainda assim de simples entendimento para todos, leitores ou não. Eleitores ou não. Afinal, os regimes monárquicos dispensam o povo do dilema do voto, como querem fazer agora, mais ou menos, os distritalistas, com as listas fechadas de candidatos.
Uma das protagonistas, Bianca Bin, terá dois nomes: Aurora e Açucena. Açucena é para mim uma das palavras mais bonitas da língua portuguesa. Fará a princesa de Serápia que entretanto foi criada no sertão.
Que belíssima oportunidade para definirmos, à sua sombra ou às suas luzes, os novos tempos para a escritores e leitores brasileiros!
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Escritor, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, professor, pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, e autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa)