A prova de que hoje a linearidade histórico-temporal não mais existe se deu em repercussão a uma matéria feita em 2007 para o canal GNT por Maitê Proença. Um efeito bola-de-neve que hoje movimenta internautas e a mídia luso-brasileira. Para situar alheios a essa quase colisão diplomática, cito a matéria da Folha Online de 13/10/2009 – 21h24:
‘Maitê Proença grava pedido de desculpas aos portugueses
Maitê Proença gravou hoje um pedido de desculpas pelo vídeo no qual aparece fazendo piadas durante uma viagem a Portugal. Exibido há dois anos no Saia Justa, no canal pago GNT, o vídeo motivou a criação de um abaixo-assinado que exige `um pedido claro de desculpas´ da atriz.
A polêmica veio à tona após reportagem publicada pelo português Jornal de Notícias. Maitê afirma que o vídeo é uma `brincadeira caseira´. `Brasileiro é muito brincalhão´, argumentou. `A gente brinca com aquilo pelo qual a gente tem afeto.´
Ainda em tempo: os números da `crise diplomática´ Brasil-Portugal são para mais do que expressivos. Polêmica que a direção do canal GNT oficialmente em comunicado lastima: A direção do canal GNT, no Brasil, afirma que não houve qualquer intenção em ofender os portugueses e Portugal ao exibir o vídeo no Saia Justa, em março de 2007.
O GNT lamenta a repercussão negativa do quadro `Saia de Vídeo´ e pede desculpas aos cidadãos que se sentiram atingidos.’
‘Resposta ao vídeo’
Entre as várias brincadeiras da atriz uma que muito irritou nossos patrícios falava de uma placa com o número 3 pendurada ao contrário em frente a uma casa e conta os problemas que enfrentou durante sua hospedagem no país. ‘Tive problemas com a internet do hotel e pedi um técnico para arrumar. Mandaram um técnico que não sabia nada de informática. Ele olhava para o meu mouse como se fosse uma capivara’, diz num trecho do Saia Justa. ‘Depois a gente fala de português, que eles são esquisitos. Mas é assim mesmo.’ Todos os meios já repercutiram o tema na TV, seja em Portugal ou no Brasil. Na última matéria sobre o tema dada à revista Caras, Maitê mostra já o desgaste seu com o assunto: ‘Amo e amarei Portugal, independentemente dos mal intencionados’, declarou.
Mais os números e a ola sobre o ocorrido são gigantescos. No YouTube é que a coisa esquenta, pois os ataques verborrágicos de ambos lados tomam uma proporção inimaginável ao considerar-se que estamos ao ano 2009 da dita era pós-moderna. Ao fazer uma busca no Google me assustei com o resultado da pesquisa: ‘Maitê Proença Portugal’. Na Web, o sítio aponta: Resultados 1-10 de aproximadamente 132.000 páginas em português sobre ‘Maitê Proença Portugal’ (0,27 segundos). Em vídeos se tem de resultados 1-10 de cerca de 251 para ‘Maitê Proença Portugal’.
Se compreendem desde artigos contra e a favor da atriz, vídeos com a matéria e centenas de vídeos respostas e sub-titulados acima da reportagem do GNT. A mim parece uma coisa tão louca e febril que se crie uma espantosa discussão por um quadro despretensioso. Até me meti a fazer um vídeo resposta a um dos que se intitula: Resposta a Maitê Proença – Saia Justa – Portugal, que está com aproximadamente 80 a 85mil acessos no momento.
Um novo recurso do YouTube, ao menos para a minha pessoa, me tentou por acidente de percurso. Agora acima da opção comentários existe o ‘Resposta ao vídeo’. Ao chegar de uma festa, em Buenos Aires, cliquei na intencionalidade de fazer um comentário ao vídeo xenofóbico e descobri essa função pela câmera, caso a tenha conectado ao ordenador ou PC. Fui por ato osmótico ao link, pois até então era a mesmo lugar disponibilizado para a função de comentário.
Um tremendo despautério
Não resisti à tentação e gravei um vídeo resposta de 33 segundos em 14 de outubro de 2009 – era um pouquinho mais, mas o sistema cortou minha frase final: ‘O território que hoje é chamado de Brasil’. O vídeo de resposta ao vídeo de resposta, adoro essa redundante mais necessária aclaração, tem como título: ‘Re: Resposta a Maitê Proença – Saia Justa – Portugal’. Esta outra singela produção caseira gerou até o momento de escritura deste artigo a aproximados 11 mil acessos, para mais de 700 comentários, ainda mais de 80 avaliações e centenas de ataques pessoais xenófobos.
A senhora Maitê Proença Gallo (São Paulo, 28 de janeiro de 1958) é uma atriz, apresentadora de televisão e escritora brasileira. Filha de Margot Proença e Eduardo Gallo, Maitê Proença chegou a iniciar o curso de graduação de Psicologia na PUC-SP, mas não o concluiu, pois a carreira paralela de atriz decolou. A atriz é mãe Maria Proença Marinho, nascida em 1990. Eu conheci a atriz pela primeira vez ao trabalhar na hilariante Sassaricando, de Silvio de Abreu, que tinha no elenco os grandiosos Paulo Autran e Tônia Carrero. Atores novos também faziam parte da trama, incluso o ganhador de uma das edições do programa português de show de realidade Quinta dos Artistas, Alexandre Frota.
Esse elo, faço somente para explanar como bestificado fiquei com tamanha chacrinha diante deste ocorrido. Que alguém se ofenda com determinada coisa, fato, facto, como ainda os antigos diriam, e todavia confesso que uso também para remeter alusivamente a factualidade de algo creio que seja válido. Já diz a máxima: ‘Posso não estar de acordo, mas defendo seu direito de se manifestar até o dia de minha morte.’ Mas é um tremendo despautério certos tipos de comentários que estão sendo postulados de ambas as partes. Citarei democraticamente dois, um de cada ‘lado’, dos mais leves para não chocar a quem conseguiu chegar até aqui.
Cena poderia ter sido cortada
Cito aqui o comentário do obviamente usuário português no portal YouTube DB1143: ‘Só para que saibas, seu zuca de m…, quando os portugueses e o seu grande império chegaram ao Brasil, vocês, zucas, ainda eram macacos e viviam em árvores, deviam estar eternamente gratos aos portugueses por vos terem ensinado a andar em duas pernas! Não ver ouro nenhum! F.d.p.’, do qual juro não ter alterado uma vírgula.
Do lado de cá, a coisa também não é tão simpática, nem tampouco mais polida. O usuário Zekitcha2 tenta fazer uma mea culpa, mas também cai na xenofobia: ‘Mais ignorante do que as colocações preconceituosas da arrogante Maitê é a reação desproporcional que o videozinho da Maitê causou. Esse programa Saia Justa é visto por uma ínfima minoria de brasileiros bestas, na TV fechada, ou seja, paga. Ao darem cartaz a essa jumenta, estão muito mais fazendo um favor a ela e um desfavor a Portugal, corroborando as afirmações dessa jumenta de pai, mãe e avós, pelo visto. Ou seja, vocês, portugueses, estão confirmando o que Maitê disse.’ Idem a primeira cita.
Pobre Maitê. Se há um erro existencial nessa história, não foi apenas seu. Uma, que a direção do canal poderia ter cortado a cena da fonte – e não a descrevo porque particularmente me parece um tanto mais que depreciativa, pois tenho TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo. Sequer pego dinheiro que caia no chão quando estou na rua a não ser que tenho álcool para desinfetar.
Coerência deve pedir quem tem
Antes conhecida apenas por ter interpretado personagens históricos, como a marquesa de Santos e Dona Beija, Maitê foi muito elogiada à época quando fez, no teatro, a princesa Isabel; agora também o é por uma gafe que um bom editor ou diretor de programa poderia ter evitado. Ao passar dos anos pudemos vê-la na televisão onde fez a romântica Juliana em Guerra dos Sexos, 1983, e a professora Clotilde, par romântico do bóia-fria Sassá Mutema de Lima Duarte, em O Salvador da Pátria, de 1989 – talvez seu papel mais expressivo na TV.
Longe de defender qualquer gênero de preconceito, seja xenófobo, racial, homofóbico ou qualquer outro que o ser humano seja ainda capaz de criar, somente vejo um demasiado exagero nessa história. Todavia erros ocorrem, e se esse foi o de Maitê, que tanto quanto ela foi humilde em admiti-lo seriam os lusofóbicos e os brasileirófobos e os nenhuma dessas duas coisas em aceitar suas desculpas e ter a soberbia de encerrar esse tema.
Passa que como ‘ator-mentado’, sei o quão é difícil a carreira e seja como for existe uma profissional e mãe de família que tampouco está sendo, digamos, muito respeitada por muitos devido a este vídeo. Coerência deve pedir quem a tem. Sem embargo, de uma maneira ou outra Maitê Proença tem sua história inegável e simplesmente não pode servir a preconceituosos que aproveitam uma ocorrência para finalmente mostrar quem verdadeiramente são.
Histéricos e expondo preconceitos
Poderia citar meu currículo, mas o artigo não é sobre mim, quem quiser que vá se informar no Google. E embora nunca tenha buscado fazer nada além de teatro, não considero atores de TV artistas menores do que muitos atores teatrais. São formatos distintos e independentes de onde se atua. Ainda defino estes que o fazem bem ou mal, em atores e não atores. E continuo a chamar Maitê de atriz, com propriedade.
O currículo é extenso, citando apenas as obras mais conhecidos realizadas por ela, como em 1991, fazendo a segunda Helena, de Manoel Carlos, em Felicidade, fazendo par romântico com Tony Ramos, o que se repetiria em O Sorriso do Lagarto, do mesmo ano, A vida como ela é…, em 1996, e em Torre de Babel, de 1998. Todas exibidas em muitos países da Europa. Exceto A vida como ela é…, série de televisão baseada nas obras do maior escritor brasileiro, em minha modesta opinião, Nelson Rodrigues, com adaptação de Euclides Marinho e direção de Daniel Filho, premiado em 1997 como melhor diretor pela Associação Paulista de Críticos de Arte.
Mas seu currículo se perderá? Devido a este vídeo, ao menos em Portugal, creio que a senhora Proença não terá mais tanta receptividade do povo lusitano. Eu particularmente vejo um ranço de preconceito nessa repercussão. Afinal, parece-me desculpa esfarrapada certas agressões portuguesas à coletividade dos brasileiros, seja por internet ou com os imigrantes ou turistas que pisam em território europeu. E engana-se quadradamente quem pensa que em Portugal a coisa é mais amena.
Agora a pensar estou cá, os portugueses também fazem piadas com brasileiros, alentejanos etc. Nós, com gaúchos, paulistas, cariocas, paulistas, turcos, judeus, americanos, baianos, enfim… Se fosse assim ao ponto de nos estressarmos a cada anedota, teríamos programas tão engraçados quanto os de humorísticos portugueses ou americanos. Ops… Me escapuliu. Era piada. Agora me processem por opinar que as comédias portuguesas não me fazem rir.
O que passa com a gente na atualidade? Todos estão muito histéricos, mal-humorados e expondo seus preconceitos através da intertextualidade descontextualizada dos fatos, ou vídeos, no caso. Seres humanos, vocês nada aprenderam com o nazismo, fascismo, salazarismo, franquismo, bushismo, americanismo, stalinismo, mercantilismo entre outros ismos. Só digo que devemos ter um pouco de leveza mesclada à responsabilidade obviamente em nossas vidas, para não atingirmos a vida ‘perfeita’ dos países nórdicos, onde as pessoas se suicidam de tédio.
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Ator, diretor teatral, cantor, escritor e jornalista