Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mais do mesmo

O quadro “As Meninas do Jô” está de volta ao talk show de Jô Soares na madrugada das quintas-feiras: um grupo de moças jornalistas de várias mídias, na maioria voltada para a cobertura da política, é reunido para “passar em revista” os temas momentosos da República, sob mediação do humorista-apresentador. Deve melhorar a audiência do programa. Passou meses desaparecido e voltou recentemente. Televisão é mídia pragmática: não rendesse audiência, não teria voltado.

As “Meninas” seguram o debate mais pela desinibição diante das câmeras do que pela capacidade de trazer elementos novos ao debate. Refletem a incapacidade da mídia que representam em aprofundar as informações e hierarquizá-las. Foram convocadas pelo programa pela primeira vez quando rolavam as denúncias do mensalão. Foi, aliás, o mensalão que criou o quadro “As Meninas do Jô”. Comentavam, comentavam e comentavam todos os aspectos do escândalo e de repente uma perguntava à outra com candura: “De onde vem o dinheiro do mensalão?” – como se não coubesse a elas, jornalistas, descobrir. A origem do dinheiro do mensalão era a informação mais importante que a imprensa nos deveria oferecer e não ofereceu.

Na quarta-feira (5/12), elas voltaram ao programa sob impacto da Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, que diz haver desbaratado em São Paulo uma quadrilha liderada pela secretária do escritório da Presidência da República na cidade, Rosemary Noronha, que vendia pareceres, falsificava diplomas e aprontava uma série de outras estrepolias nos bastidores do governo federal.

Igual à mídia que representam, elas foram até onde a Polícia Federal foi ou demonstrou ter ido. Não acrescentaram absolutamente nada ao que já havia sido divulgado e fizeram coro com a mídia que tem interesse em solapar a popularidade do ex-presidente Lula, que nomeou Rosemary para o cargo: consideraram “muito graves” todas as denúncias, numa espécie de jornalismo opinativo baseado num imenso vazio de novas informações. Trocaram sorrizinhos maliciosos diante das especulações de que Lula teve um romance com a secretária Rosemary Noronha.

Por que eclodiu agora?

Houve um tempo em que a imprensa publicava os fatos sem esperar pela denúncia da polícia e permitia que os leitores por si mesmos avaliassem se eram graves ou não. A mídia hoje é pautada pela polícia, raramente avança na investigação para além do que a polícia investigou e ainda tenta impor aos leitores uma noção meio torta da hierarquia da informação. A menos que tenha sido desenrolada apenas uma ponta do novelo, não vieram à tona informações que permitam erodir uma camada mínima do prestígio do ex-presidente.

A grande curiosidade dos leitores – e as “Meninas do Jô” passaram longe de percebê-lo – seria saber por que a revelação neste momento da Operação Porto Seguro por iniciativa de uma polícia que trabalha sob o mando de um governo do PT e dentro do mandato de uma presidente que foi eleita para o cargo graças ao prestígio, à popularidade, à escolha e à determinação do ex-presidente Lula.

A impressão que dá é que a Operação Porto Seguro, baseada em fatos antigos, estava guardada à espera de um momento oportuno para eclosão. Por que eclodiu agora, quando as baterias começam a ser aquecidas para o próximo carnaval, ou melhor, para as próximas eleições presidenciais? Será a criatura voltando-se contra o criador? Seria vingança ou “jogo de pressão” acionado por algum influente réu do mensalão? Haveria setores do PT já descontentes com a liderança de Lula? Como monstro indomável no qual às vezes se transforma, a Polícia Federal teria trabalhado a serviço da oposição?

Os tempos são outros. E os leitores devem se habituar a sair de cada caso rumoroso com a frustração de não ter matado suas curiosidades maiores.

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[Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado e da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa]