Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Marcelo Beraba

‘É desejável que o jornal cubra criticamente as políticas públicas para o setor de educação, mas deveria fazê-lo com mais propriedade.

A Câmara dos Deputados aprovou no dia 6 o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), criado para substituir o Fundef e financiar, a partir de 2007, a educação básica no ensino público. O projeto tramitava no Congresso há um ano e meio.

A Folha registrou a aprovação com discrição na Primeira Página do dia 7 (‘Fundo para ensino básico é aprovado pela Câmara’) e reservou pouco mais de meia página no caderno Cotidiano, naquele dia quase todo tomado pela crise dos aeroportos, para a cobertura. No dia seguinte, o jornal publicou um editorial (‘Dúvida básica’) em que cobrou a regulamentação do novo fundo, mas reconheceu sua importância: ‘Como resposta aos anseios por maior investimento no ensino básico, o projeto soa promissor’.

Na segunda, porém, o jornal publicou uma reportagem com um enfoque que me pareceu errado. Com título forte na capa, o jornal constatou que o ‘Fundeb atende mesma região do Bolsa Família’ (os Estados do Norte e do Nordeste) e procurou políticos da oposição, que disseram temer o uso eleitoral que o governo poderá fazer do novo fundo.

Escrevi, na Crítica Interna: ‘Se um dos objetivos do Fundeb é exatamente o de ‘injetar recursos em toda a educação básica pública, principalmente nas regiões mais pobres’, é mais do que natural que os Estados do Nordeste e do Norte sejam os mais contemplados com os recursos do fundo. Por isso me pareceu exageradamente político o enfoque dado pelo jornal. Parece lógico que isto aconteça, não? O próprio jornal vem defendendo investimentos em educação pública como caminho para tirar o país do atraso. Seria estranho se a maior parte dos recursos fosse para São Paulo’. Do meu ponto de vista, o jornal errou o foco da crítica ao se preocupar prematuramente com o uso político da nova iniciativa e deixar de lado o aprofundamento das lacunas e dúvidas levantadas pelos especialistas.

A reportagem da Folha que indicava que o Fundeb atenderia prioritariamente os Estados pobres, que já são contemplados pelo Bolsa Família, foi baseada numa simulação da distribuição de recursos do fundo feita pelo professor José Marcelino de Rezende Pinto, da USP. Foi uma simulação porque, enquanto a nova lei não for regulamentada, não é possível saber com exatidão como será a distribuição.

No dia seguinte, o ‘Painel do Leitor’ publicou carta em que o mesmo professor lamentava o uso político feito pela Folha de suas estimativas, mostrava que os Estados mais pobres continuariam em desvantagem mesmo sendo atendidos pelo fundo e passava um pito na imprensa: ‘A Folha e os demais meios de comunicação deram, nos últimos dias, mais espaço ao ‘apagão aéreo’ do que à educação nos últimos anos. Será que é porque a classe média (que assina a Folha) não estuda em escola pública? Creio que, se a Folha deseja fazer jus ao dístico ‘Um jornal a serviço do país’, ela precisa levar a educação mais a sério -com menos opinião e mais reportagem. Que tal criar um caderno de educação como os bons jornais do mundo possuem?’

Não se pode avaliar a cobertura de educação da Folha apenas por essa reportagem. Mas o professor tem razão quando diz que a imprensa deve levar o assunto mais a sério. Há uma grande distância entre a produção jornalística diária e a percepção, hoje consensual, da educação como fator fundamental para o desenvolvimento.

Essa distância fica evidente num aspecto. A cobertura do Fundeb na Folha nestes 18 meses foi quase que exclusivamente voltada para a tramitação do projeto no Congresso. Foram poucas as reportagens com discussões sobre o conteúdo do novo fundo e de suas conseqüências para a educação pública. A editoria Opinião, no entanto, fez, apenas em 2006, quatro editoriais sobre o tema. O que mostra que o há uma consciência do jornal em relação ao problema, mas que não se traduz no dia-a-dia.

Levantamento do Banco de Dados da Folha mostra uma pequena queda na cobertura de educação comparando o primeiro semestre de 2005 com o de 2006 -menos 3% de textos. Neste período o jornal perdeu o Sinapse, que não fazia diferença pela quantidade, mas pela qualidade. Houve uma queda grande (11%) de textos em Cotidiano e cresceu muito a cobertura de vestibular (131%). Educação não é o tema social mais coberto pelo jornal. Perde longe para saúde (1.399 textos contra 879), que também sofreu uma queda (32%) quando se comparam os dois semestres.

É desejável que o jornal cubra criticamente as políticas públicas. Mas que o faça com propriedade.’



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‘Decisão editorial’, copyright Folha de S. Paulo, 17/12/06.

‘Guilherme Canela é o coordenador de Relações Acadêmicas da Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância).

‘Análises diárias realizadas pela Andi em 50 jornais brasileiros denotam que a cobertura feita pela imprensa do tema educação apresenta uma realidade bastante similar aos sucessos e desafios enfrentados pela educação básica no Brasil: a universalização do ensino para a população de 7 a 14 anos não foi acompanhada, na mesma proporção, por uma elevação da qualidade. Do mesmo diagnóstico padece a imprensa.

Entre 1999 e 2004, a pesquisa mostra que houve um crescimento de 299% na quantidade de textos referentes às políticas públicas voltadas para a educação de crianças e adolescentes. A cobertura ampliou o leque de fontes consultadas e, na área social, é a que dá mais atenção para as políticas públicas, e menos para casos individualizados. A investigação mostra que são poucos os textos que tratam a educação como um direito social (3,8%) e menos ainda os que contemplam investigação jornalística (3%). Há uma enorme distorção adicional: o ensino superior é o mais coberto pela imprensa, com 33,4% dos textos, enquanto a educação básica teve apenas 16,4%. Estaria a imprensa se movendo, nesse caso, apenas pelo interesse dos seus leitores, preocupados com o acesso de seus filhos às universidades?

Em síntese, a educação conquistou um espaço importante ao longo dos últimos dez anos. Entretanto, os ganhos qualitativos ainda são menos significativos do que um tema dessa importância exige. A boa notícia é que as bases para os avanços no âmbito do jornalismo, assim como ocorre na vida real da educação brasileira, estão dadas: é preciso uma decisão editorial forte para efetivá-la’.’



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‘A imprensa na imprensa: agenda cultural’, copyright Folha de S. Paulo, 17/12/06.

‘‘Tenho a impressão de que no dia em que os produtores culturais entrarem em greve, os jornalistas não terão mais o que escrever, já que estão todos viciados na maldita agenda da semana’. Sérgio Augusto, jornalista (‘Valor’, 15/12/06)’