Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Matar pode

Jornalistas e formadores de opinião engoliram a tese de que a tortura é um crime de lesa humanidade. Claro que não aquela praticada pela esquerda e em países socialistas. Realmente a tortura é algo que nos sensibiliza como seres humanos no fim do século 20. Até mesmo a pena de morte tem sido vista como injusta e, no nosso país não muito sério, até mesmo penas restritivas de liberdade de mais de 30 anos são consideradas abusivas aos direitos humanos dos assassinos. Mesmo que o caso seja de um serial killer psicopata e incurável. Deverá a sociedade ficar com o mesmo solto depois deste tempo em que aprimorou suas técnicas e a sua capacidade de dissimulação? As vítimas, ora, as vítimas dizem os nossos operadores do direito: que importância tem?

Como a minha preocupação é outra, justamente as vítimas ignoradas pela intelectualidade e os jornalistas, me parece muito engraçado deixar organizações que atacam dois prédios matando 3.000 pessoas, metrôs em Madri e Londres matando centenas, se explodindo em ônibus, hotéis, teatros, colégios, mesquitas e ruas livres para agirem. Mesmo que para os sensíveis os mortos não mais terão dores e sentimentos de aflição, não estão levando em conta os feridos, mutilados, aleijados, traumatizados definitivos em muito maior número resultantes destes atos. Todos, por sinal, que eram os objetivos visados do ato extremista. Estes nós nunca vimos na mídia.

Os meses de recuperação, as vidas interrompidas, sonhos acabados, vidas transformadas em uma miserável luta pela sobrevivência cheia de traumas e restrições físicas. A estes, a nossa intelectualidade não tem preocupação pelo sofrimento imposto pela omissão da sociedade, visto que assim exige ela dos governos métodos ineficientes de luta. É humano deixar pessoas em risco, aleijadas. Protegê-las é um objetivo secundário.

Democratização não era o objetivo

Assim me parece estranho esta concordância de formadores de opinião e jornalistas com esta tese de aceitar crimes, as mortes, torturas (pois estes podem), mutilações, assassinatos como métodos políticos válidos. O cidadão, ou seu grupelho, descontente com algo que não lhe agrade, ou que para ele seja a verdade absoluta, arme-se na clandestinidade e sai a produzir terrorismo para impor a sua verdade que ninguém acredita, mas ele acredita que poderá colocar a força na cabeça da maioria das pessoas contrárias depois de vencidos pelo terror. Benazir Bhutto foi eliminada por esta lógica humanitária no Paquistão como fora Indira Gandhi na Índia em 1884. O mesmo fim dado ao seu filho Rajiv Gandhi.

Ah, mas as ditaduras podem ser atacadas assim, pois não sobram outros meios, dirão. Por isto João Paulo II foi atentado? O que nem sempre é verdade. Principalmente na nossa experiência dos anos de chumbo que o terrorismo inspirado pelo sucesso do terrorista bem-sucedido Fidel Castro em Cuba inspirou e financiou nas Américas este sonho do totalitarismo socialista, que sonhavam, teria vencido em todos os cantos do mundo. Muitos Vietnãs criados. Para isto grupos terroristas atacaram em toda a Europa democrática na mesma época na sua ambição de minorias furiosas conquistarem o poder a força contra a maioria. Contra a luta por vias democráticas.

Mas como na Europa, que eram Estados democráticos, no nosso país a luta armada apenas prolongou a ditadura reacionária ao movimento comunista internacional. Não participou em nada pela democratização do país, pois este nunca foi o objetivo dos terroristas desta época, apenas aproveitadores das iludidas ‘condições objetivas’ para a tomada do poder a força. Apenas iludiram-se de que Batista fora derrotado pela esquerda. E não pela conjunção com as forças democráticas.

O engodo cubano

Mas a morte, a aniquilação, o fim sem volta, é muito pior do que a tortura. Morto não sofre, mas não terá indenização, segunda chance, ressarcimento se por acaso houve um erro, se era apenas um transeunte, foi o alvo errado, se o momento político mudou. O que daríamos para Chico Mendes ter sido torturado em troca de morto? Mesmo assim nossa intelectualidade minimiza a morte pelo terrorismo político ou o justifica como método válido de fazer política. Tortura é contra as lutas das forças populares, alegam. Mas a morte não é? Matar líderes políticos, intelectuais ou trabalhadores é pior do que o uso da tortura? O que perdemos com esta visão de luta política com a morte do gigante Mahatma Ghandi? E que luta válida que pode existir numa democracia que se usa a morte como meio? John Fitzgerald Kennedy e seu irmão Bob tiveram as suas carreiras tolhidas assim. Evidente, óbvio, elementar. Quando estas lutas sociais são justamente a luta pelo poder do socialismo totalitário, da qual participaram nossos governantes atuais, justificam-se para impor a tirania?

Aqueles que tentaram assumir o poder pela luta armada. Não pela liberdade do mesmo povo que hoje cobram a conta pelos seus fracassos e falta de respeito por eles. Como ocorreu em Cuba quando Fidel, Che e Raul traíram todas as forças democráticas que derrubaram Batista para imporem o comunismo totalitário como poder único e perene. Suprimiram todas as outras forças que lutaram. Inclusive a imprensa. A morte foi a paga pelos que sonharam com a luta pela democratização da ilha e ajudaram a derrubar a ditadura. Ou o exílio aqueles que conseguiram fugir da sanha assassina. Até que, em 1961, Fidel depois de eliminar pelo sangue seus aliados, financiadores, co-combatentes, finalmente confessou o seu objetivo que iludira a maioria que derrubara a ditadura. Se seus parceiros tivessem sido apenas torturados para abandonarem sua resistência, estariam vendo hoje o que haviam criado. Mas nossos intelectuais dizem que matar é válido em termos políticos. É um ato a favor da humanidade. A irmã Dorothy Mae Stang não abriria mão do ato humanitário? Tortura um ato de lesa humanidade? Descoberto o engodo cubano, a fórmula chamada de método científico, por Che Guevara, de derrubar exércitos organizados não mais funcionou depois de revelado por Fidel o verdadeiro objetivo.

Perseguições e revanches

Matar é um ato criminoso seja para que fim for? Não se for em defesa. Isto está no nosso entendimento na guerra, no terrorismo ou contra atentados contra a vida. Não é aceitável ao estado fazer isto para eliminar oponentes políticos pacíficos, não armados, não violentos, e que visem à liberdade. Portanto, não pode ser julgado apenas o ato de matar ou torturar como fatos isolados dos seus objetivos. Márcio Leite de Toledo teria trocado rapidamente o seu justiçamento por covardes pela tortura (ver aqui). Mas o uso vincula-se aos fins para a qual foi empregado, como ocorre com os crimes em geral. Se o método usado era justificado politicamente no momento que ocorrera para ser perdoado ou esquecido como banal. Não é um meio político justificável para impor regimes totalitários, antidemocráticos, religiosos ou racistas. Não se pode minimizar os crimes de morte e tornar os de torturas imprescritíveis. Dilma Rousseff ou José Genoíno trocariam o dano que tiveram pela paz da morte? Quando a morte é infinitamente pior e mais cruel. Irreparável.

Assim vemos como indigna a ação no nosso ministro da Justiça, Tarso Genro, aquele que depois de 11 de setembro clamou na Zero Hora, como prefeito eleito de Porto Alegre, que os norte-americanos não representavam os ideais iluministas em defesa do ato de terror islâmico praticado nesta data. O mesmo que disse que seu partido deveria ser refundado eticamente e mesmo assim se manteve no próprio quando o mesmo acabou não o sendo, vencendo os que comprometiam a falta ética apontada por ele mesmo. Passar por cima da lei e do judiciário para dar ao terrorista Cesare Battisti, por atos contra a democracia italiana, o status de protegido. Condenar pessoas à morte por motivos torpes, como o mesmo fez. Jorge Eliécer Gaitan foi morto na Colômbia pela luta política. Justificável? O mesmo ministro que deseja passar por cima da lei de Anistia para, aí sim, perseguirem os que os derrotaram nos anos de chumbo. Impedindo que atingissem o poder que desejavam levar a nação a um banho de sangue numa guerra civil para impor a ditadura que até hoje os cativam em trocas de visitas e presentes. Até hoje namoricam com as Farc que obteve sucesso neste intento. Aplaudem o fascismo de Hugo Chávez. Numa clara demonstração, mais uma vez, de que os ideais iluministas e democráticos não fazem parte dos seus valores. Que apenas circunstancialmente aceitam o jogo, por enquanto. A luta continua na cabeça do companheiro Lula. Os crimes contra a nossa democracia pela luta armada estão anistiados, e indenizados. Os crimes dos que os combateram 40 anos atrás e garantiram a atual democracia, apenas o de tortura, sintomaticamente, não estaria incluída. Pois claramente os de morte, muito piores, irreparáveis, foram cometidos pela esquerda terrorista da época. E aqui não entende os nossos ex-terroristas que esteja havendo perseguições e revanches. Apenas na Itália. Não foi por menos que Charles De Gaulle disse, em 1963, ‘Le Brésil n’est pas un pays serieux’ (O Brasil não é um país sério) depois de ter dado permissão para a pesca da lagosta e voltado atrás em poucos dias. Pode ter sido injusto naquela época, mas atualmente é a mais triste realidade.

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Médico, Porto Alegre, RS