Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Meu, a gente se vê por aqui!’

Domingo de tarde! Meu time foi campeão estadual após sete anos jejum! Não poderia estar mais feliz! Cheguei do estádio e liguei a televisão. Quem sabe não daria sorte de rever os lances do jogo e a volta olímpica dos heróis que eu mal tinha enxergado de uma longínqua parte da arquibancada. A necessidade de conferir a confirmação do título pela TV era quase existencial. Primeira tentativa: deparo com o Domingão do Faustão e a dança dos artistas! Que medo…

Segunda tentativa: um programa esportivo da Rede TV, em forma de debate, comandado por Fernando Vanucchi. O momento finalmente era aquele. Ajeitei minha poltrona, peguei uns biscoitos e esperei… Vinte, trinta, quarenta minutos se passaram e nada. As matérias e os comentários se concentravam nas conquistas dos campeonatos paulista e carioca. Para se ter uma idéia, já sei de cor a biografia do Wanderlei Luxemburgo – do nascimento ao dia que ele colocou aparelho nos dentes; e, se me pedirem para (re) narrar, em todos os seus detalhes, os pênaltis da disputa entre Flamengo e Botafogo, eu juro que consigo.

A última tentativa seria em um canal fechado. Após uma breve zapeada, deparo com um time de comentaristas e locutores, em diversos estádios brasileiros, debatendo simultaneamente a rodada do final de semana. Bendito Sportv. ‘Falamos aqui do Maracanã, conversamos ao vivo com o técnico rubro-negro, o grande campeão.’ Mantive a calma; não era possível, uma hora passaria a maior de todas as conquistas. ‘E como foi a partida aí no Morumbi?’ ‘Olha, o Santos dominou, o São Caetano não adiantou a marcação e o resultado acabou sendo justo.’ Maldito Sportv. Resultado: televisão desligada e biscoitinhos esfarelados em minha mão após um surto de raiva. Peguei meu velho e bom radinho, sintonizei em uma emissora local e relembrei cada lance com a ajuda do meu suporte imaginário.

Povo se descobre pela TV Globo

A cobertura esportiva, neste caso, reflete todo um processo de produção e organização informacional televisiva centrado no eixo Rio-São Paulo. É claro que não se pode ocultar que as grandes emissoras do país são de origem paulista ou carioca e mantêm suas estruturas de produção fixadas nessas capitais. Mas isso não justifica a esmagadora disseminação de conteúdos jornalísticos, de suas programações nacionais, identificados e direcionados a uma faixa privilegiada da população brasileira.

Ah! Mas e a programação local? Se ela chegar a 45 minutos de veiculação ao dia, é muito. E geralmente as retransmissoras sofrem com precariedade de equipamentos, de profissionais e de dinheiro. Isso quando têm uma redação e produzem. Porque, infelizmente, o mais viável é apenas retransmitir a programação nacional. Jornalismo com qualidade só com muito talento, esforço e dedicação. Daqui a algum tempo, aqueles que não tiverem acesso às TVs pagas serão cooptados pelas antenas parabólicas e o fundo preto da tela que se impõe na ausência dos programas da emissora-mãe.

Eu não vivo no país das maravilhas e sei que Rio e São Paulo são os centros econômicos do país. Não dá para imaginar o que seriam os canais televisivos privados sem o recurso financeiro dos anunciantes. Paulistas e cariocas, ou melhor, poucos paulistas e cariocas consomem, têm poder aquisitivo. Então, mandem notícias, reportagens, programas para eles e aproveitem para anunciar aquele carrão ou as lojas do shopping. O resto do Brasil que se dane. Abordar a cultura e o os fatos dos demais municípios é uma perda de tempo. Para que precisamos de uma audiência identificada com a informação, conteúdos próximos de suas experiências cotidianas? Aliás, 8.511.965 km2 não fazem diferença. É melhor esquecer, nem lembrar desse detalhe.

Eu só consegui ver a conquista do meu time depois das 23 horas, em um programa esportivo do Sportv. A matéria não durou mais que dois minutos. E olha que eu sou de Minas Gerais, Belo Horizonte. Imaginem se eu fosse do Amapá, do Acre ou do Tocantins (não desprezando esses estados, pelo contrário, valorizando-os), poderia esperar a semana toda que ficaria a ver navios. Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl discorrem, em seu livro Videologias, que a população brasileira se descobre pela tela da Rede Globo de Televisão. Eu já duvido disso, pois não há como descobrir o que ainda não foi desbravado. Eu sugiro à toda poderosa emissora carioca que ela reformule seu memorável slogan. Acho que assim ficaria mais adequado: ‘Meu, a gente se vê por aqui!’ Ou melhor: ‘Globo, a gente se vê por aqui, caraca!’

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Estudante de Jornalismo da Universidade Fumec, Belo Horizonte, MG