Nas interrogações feitas a Bruno Torturra e a Pablo Capilé, do grupo Mídia Ninja, no programa Roda Viva (5/8/2013), junto com a tentativa de entender a atividade do grupo, existia, por parte de algumas pessoas e da produção, disfarçado sobre o manto supostamente isento de ali ser um espaço do contraditório, um claro desejo de desqualificação do trabalho do grupo ao tentar associá-los politicamente ao PT, como fez Eugênio Bucci ao tentar desvendar as fontes de financiamento do grupo para, a partir disto, demonstrar um atrelamento político-ideológico que retiraria a imparcialidade e impediria uma postura independente (houve, inclusive, pela produção do programa, a inserção de uma foto de um dos entrevistados, Pablo Capilé, próximo de José Dirceu).
Com este propósito, o mesmo Eugênio Bucci foi mais longe e “forçou a barra” ao tentar associá-los ao grupo anarquista Black Bloc ao afirmar, depois de uma resposta de Bruno Torturra, que este os estava defendendo – quando ele apenas tinha dito que, apesar de discordar dos métodos empregados pelo referido grupo, entendia suas motivações. Inclusive, para ilustrar este seu entendimento referiu-se ao espaço privilegiado que a mídia dá aos atos de vandalismo e ao pouco espaço que recebem os atentados à vida nas periferias, como no caso Amarildo.
No geral, os questionamentos atenderam os moldes tradicionais da velha mídia e da lógica de mercado. Explicitação maior deste viés foi a pergunta feita pelo diretor de revista de informática Hoje, Wilson Moderhaui, aos entrevistados: “Qual é o modelo de negócio da mídia ninja?” Seguiram-se outras buscando encaixar a proposta do grupo Mídia Ninja no paradigma tradicional da lógica do lucro e do comprometimento com os anunciantes. Para meu gosto, os entrevistados se saíram muito bem de todas estas investidas, algumas grosseiras.
“Não se sabe o que eles querem”
Na busca de entender a atividade de um grupo que mistura cobertura jornalística com militância é bom dizer que muitas críticas feitas eram pertinentes e os entrevistados tiveram a humildade de reconhecer que cometeram erros e que tinham muito a aprender como jornalistas. No entanto, foram firmes em se posicionar como militantes de esquerda, ainda que de uma esquerda que busca melhor definição, como disse Bruno Torturra ao revelar que apoiava o grupo Rede, de Marina Silva, mas que tinha sérias dúvidas sobre se continuaria este apoio dada a indefinição programática e os dilemas inerentes a qualquer militante idealista ao se envolver com um grupo politico na arena politica tradicional.
Uma crítica que considerei pertinente foi a de Alberto Dines sobre a pequena cobertura do grupo em relação à visita do papa. A resposta deles foi que estavam assoberbados na cobertura de manifestações, mas reconheceram que deveriam ter dado mais destaque a esta questão. O Estado laico, no entender de Dines, foi atingido ao se fazer um feriado tão longo (quatro dias) no Rio de Janeiro e somente o Observatório da Imprensa se manifestou, solitariamente, neste sentido.
O que se percebe no tom da maioria das perguntas e questionamentos feitos no referido programa é uma tentativa de enquadramento no velho paradigma do que se entende por militância de esquerda e o insucesso desta empreitada na busca de entendimento deste novo fenômeno que constituiu a atuação dos jovens nas manifestações de junho, seja como militantes, seja como um híbrido de militantes e jornalistas. Em outro programa na mesma noite, este impasse talvez tenha ficado mais nítido, quando Silviano Santiago declarou a Jô Soares que havia um conflito de gerações que demonstrava o quanto elas eram diferentes. Disse ele que contra a ditadura o que irmanava a todos era a luta contra o poder, por demais visível. “Agora”, arrematou, Silviano Santiago, “Nada está nítido. Não se sabe o que eles querem. Nós sabíamos o que queríamos.”
Estado reconciliado e democrático
Olhando a luta contra a ditadura e contemplando o binômio liberdade/igualdade, citado por Silviano Santiago, percebe-se o ênfase na questão liberdade, por razões óbvias. Ainda que a igualdade não tenha assumido papel menor, ela não era um fator motivacional de participação de muitos que se engajaram na luta contra a ditadura, como ficou demonstrado após o fim da dela.
Hoje me parece (também estou aqui tateando, diante deste fenômeno social, político e econômico) que os jovens lutam movidos mais pela busca de mais igualdade ao lutar, por exemplo, a favor de um transporte coletivo mais barato e/ou grátis, sem deixar de lado a busca de liberdade ao apoiar as propostas de democratização da mídia.
Uma democracia por vir que se faz durante a caminhada, que se alimenta do legado das lutas progressistas e democráticas, contextualizando-os às questões mais prementes do mundo contemporâneo, em especial os modelos em crise da chamada grande mídia e da democracia representativa, capturadas pelo poder do dinheiro. A exceção fica com os métodos e metas de grupos anarquistas tipo Black Bloc, que são aliados de ocasião por visarem outro mundo – pós-Estado, pós-democracia, pós-tudo. Uma militância que incorpora os avanços representados pela internet e pelas novas tecnologias. Enfim, uma linha de pensamento com pontos de contato com a democracia por vir, no sentido dado por Jacques Derrida. Este por vir é a promessa de uma autêntica democracia que nunca é concretizada nisto que conhecemos por democracia. Do ponto de vista ético-político, o pensamento derridiano aponta para uma convivência tolerante, ainda que a palavra tolerância lhe cause certas reservas, e seus motivos parecem ser mais fortes que aqueles que sustentam a hostilidade entre os homens. Este pensamento refere-se à possibilidade de um Estado reconciliado e democrático por vir.
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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor, Porto Alegre, RS