Com o sinal na TV aberta disponível até dia 30 de setembro, quando deixa de ser controlada pelo Grupo Abril, vira uma rede fechada e volta para as mãos da Viacom, dona da marca, a MTV Brasil vai continuar ecoando em outros canais. Precursora em formatos de programas e na comunicação segmentada para o jovem desde a inauguração, em outubro de 1990, a emissora musical lançou modas, apresentadores e teve ideias copiadas e desenvolvidas por concorrentes.
“O legado da MTV é, em primeiro lugar, a linguagem. Era autêntica, tinha um papo reto com a audiência, não mostrava só o lado bonito do apresentador. Antes, só existia o padrão Globo, não podia engasgar, dizer no ar que não sabia que o perguntar para o artista”, avalia Didi Wagner, VJ de 1999 a 2006, quando foi para o Multishow, onde ainda permanece.
Apresentadora com mais tempo contínuo no ar na MTV, entre 1995 e 2011, Marina Person, atualmente na TV Cultura e Canal Brasil, identifica o impacto da emissora no País. “Nossa, teve cópia de tudo. Começou com o Esporte Espetacular, colocando reportagens com música, fazendo edições ágeis e com linguagem descolada. Todos os canais começaram a fazer coisas parecidas.”
Ela diz que a matriz da MTV, nos EUA, também influenciou a TV por lá. “Inclusive, o Oscar copiou, porque o MTV Movie Awards fazia paródias de filmes com as grandes estrelas e o Oscar começou a copiar. Foi um sintoma mundial.”
Um dos formatos da MTV norte-americana que se consolidou no Brasil foram os acústicos. “Como programa, ninguém copiou, mas está cheio de artista com discos acústicos lançados por aí”, relembra Zico Goes, atual diretor de programação, que entrou no canal em 1992, saiu em 2008, mas retornou em 2011, após passar pelo GNT.
Zico, que ajudou a criar dezenas de atrações, enumera parte das que ganharam sobrevida em outras emissoras. “Tivemos o Pé na Cozinha (1998), em que a Astrid Fontenelle fazia entrevistas numa cozinha. Ninguém ousava. Hoje, até o Ronnie Von faz.”
Em 1999, quando foi para a Band após nove anos na MTV, Astrid teve um quadro idêntico. “Não que seu seja insubstituível, mas levei porque era eu. E foi feito com autorização. O próprio artista cozinhava. Às vezes, dava errado, não era com um chef”, disse ao Estado. Hoje, ela está à frente do Saia Justa, no GNT, canal onde mediou conversas ao vivo no Happy Hour, quase uma década depois de ficar craque no ofício, no Barraco MTV.
“O mundo mudou”
Apesar da tradição na música, o canal impôs suas criações em atrações de esporte, como o campeonato Rockgol, no ar pela primeira vez em 1995, em que os jogos eram narrados com humor. “Em um momento, o Paulo Bonfá e o Marco Bianchi foram para a Band para narrar. Depois (de voltar para a MTV), o Bonfá foi para o SporTV”, conta Zico.
“Tivemos o Copa na Mesa (1994), um formato bastante copiado, em que levávamos gente que não era do futebol falando do esporte. Essa mesa de hologramas do Tiago Leifert, nós fizemos com futebol de botão. A falta de recursos nos fazia criativos. A gente fez a MTV rebolar”, diz Astrid.
Outro tema forte na emissora era o sexo. Primeiro, veio o Al Dente, em que modelos – entre elas Gisele Bündchen – anunciavam clipes de forma sensual. Em 1999, surgiu o Erótica, em que Babi Xavier e colunista do Estado Jairo Bouer tiravam dúvidas picantes do público. “Sentia uma carência de falar de sexo na TV desde a época da Marta Suplicy no TV Mulher, na Globo”, afirma Bouer, que, ao deixar a MTV, participou de formatos em que debatia comportamento e sexualidade dos jovens no Domingão do Faustão, TV Cultura e SBT.
Na sequência do Erótica, a RedeTV! criou o Noite Afora, em que Monique Evans apresentava em cima de uma cama, assim como na MTV. “O SBT também teve um programa com uma psicóloga à noite. Mas nada teve o impacto do Erótica, que criou um nicho”, aponta Bouer.
As campanhas contra preconceito e em prol do uso da camisinha, porém, não se desdobraram. “Fico até chateado que a Globo não tenha copiado, pois teria uma repercussão maior. Imagina uma camisinha no lugar do plim-plim. Na época, fizemos pesquisa e vimos que a audiência que os jovens que viam MTV usavam mais camisinha do que os outros”, revela Zico.
Na primeira das quatro passagens pela MTV, que ajudou a implantar no Brasil, Luiz Thunderbird, hoje na equipe do Furo, ganhou versão canina como o Thunderdog, personagem da TV Colosso, da Globo, para onde foi depois. “Achavam que eu fazia a voz. Descobri que o dublador era o mesmo do He-Man”, relembra ele, ficará na MTV até o fim. “Acendi a luz e vou apagar.”
Responsável por anunciar Garota de Ipanema cantada por Marina Lima, primeiro clipe exibido, Astrid voltará à emissora para apresentar o último, que desconhece. “É triste, mas a MTV continua, de outro jeito com outro tipo de conteúdo. O mundo mudou, mas talvez não tenha mudado para melhor dentro da TV para jovem. Fizemos nossa parte, nossa história. Fico orgulhosa de ter feito. Assumi a responsabilidade de apagar a luz porque não quero que fiquem com esse estigma de que apagou a luz da MTV. A luz da MTV continua a brilhar.” (Colaborou Gabriel Perline)
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João Fernando, do Estado de S.Paulo