2010 foi um ano profundamente agitado para o Chile: tragédias naturais sem precedentes, mudança de presidente e o impressionante resgate dos mineiros fizeram todos voltarem seus olhos para este país que, apesar dos desafios, segue sendo um exemplo de desenvolvimento econômico e social. Como consequência, seus veículos de comunicação – em especial, as redes de televisão aberta – também mudaram: agora, grandes grupos empresariais se transformaram nos protagonistas deste mercado que, no Chile, foi construído de forma muito distinta do resto da América Latina.
Quando começaram os movimentos para implantação da TV chilena, o governo da época, já antevendo a força que o novo meio teria, lutou para que os canais fossem todos educativos e sem fins lucrativos. Nesse sentido, outorgou concessões às três maiores universidades daquele país, que aproveitariam os laboratórios, professores e alunos vindos, principalmente, dos cursos de engenharia e jornalismo.
A primeira transmissão foi feita pela Universidad Católica de Valparaíso (UCV), em 1957. Um ano mais tarde, foi a vez da Pontificia Universidad Católica de Chile (PUC), que inaugurou o Canal 13 de Santiago. Em 1960, estreou a emissora da Universidad de Chile (‘la U’). O governo só entraria neste meio em 1969, quando implantou a primeira rede com cobertura desde Arica (cidade mais ao norte) até Punta Arenas (cidade mais ao sul): a TVN – Televisión Nacional de Chile.
A abertura do mercado
Com a Copa do Mundo de 1962 – realizada no Chile e que teve o Brasil como campeão –, a TV se consagraria como um fenômeno massivo. Com isso, a ideia de barrar a entrada dos anunciantes acabou não resistindo. Mario Kreutzberger, animador do programa ‘Sabado Gigante’ e pioneiro da TV chilena, conta em sua autobiografia, Don Francisco: entre la espada y la TV (Grijalbo, 2001), como eram feitos os comerciais nesses primeiros tempos:
‘Num sábado, me ocorreu a ideia de fazer publicidade ao vivo. Um risco que decidi correr, ainda que meio calculado porque a televisão era universitária, ou estatal, e estava proibida de fazer publicidade declarada. No começo, se fez de forma velada e, na medida em que não houve reclamações, fomos fazendo de forma explícita. Assim, com uns cartões na mão, comecei a mostrar um primeiro cliente, Grandes Lojas Llango. Vendiam toalhas. Cada vez que podia, levantava o cartão, que não tinha nada na outra face, e fazia piadas dizendo que era a parte de trás das Lojas Llango. Com o dedo, indicava quais eram as toalhas que o público precisava.’
O final da ditadura Pinochet e a chegada dos civis ao poder também marcou a abertura do mercado televisivo a novos investidores. Em outubro de 1990, entrou no ar a primeira rede de TV com fins lucrativos do Chile: Megavisión, fundada pela mexicana Televisa e que, mais tarde, foi vendida ao grupo industrial Claro. La Red – a segunda cadeia privada – estreou em 1991.
O equilíbrio financeiro da Chilevisión
Em 1992, foi aprovada a lei nº 19.132 , que transformou a Televisión Nacional de Chile numa pessoa jurídica ‘autônoma do Estado’. Ou seja: ela passou a não receber mais um centavo de dinheiro público, obrigando o canal a sustentar-se somente com as verbas que pudesse obter no mercado, assim como qualquer outra emissora não controlada pelo governo. Trata-se de um caso único no mundo, que forçou a profissionalização da TVN e a construção de uma grade mais popular e competitiva.
Ainda em 1992, a Universidad do Chile transferiu o controle da sua estação para o grupo venezuelano Cisneros, que a usou para lançar a Chilevisión. Sustentar uma televisão comercial num mercado como o do Chile não foi nada fácil, conforme relata o jornalista Pablo Bachelet na biografia Gustavo Cisneros: um empresário global (Planeta, 2004):
‘A indústria de televisão de cada país tem suas características. O Chile estava dominado por dois canais: Televisión Nacional de Chile (TVN) e a Universidad Católica TV (UCTV). O primeiro é estatal; o segundo, da Igreja Católica. O realmente estranho é que a TVN era a número um nas preferências, enquanto no restante do continente americano os canais ligados ao governo estavam sistematicamente em último lugar. Além disso, TVN e UCTV concorriam entre si, gastando muito dinheiro no processo porque nenhum tinha de prestar contas a um acionista privado. Para a TVN e a UCTV, não perder dinheiro já era um bom resultado econômico.’
Por tudo isso, todas as emissoras privadas optaram por programações alternativas, repletas de rostos e formatos até então inéditos na televisão chilena. Bachelet prossegue contando o caso da rede Chilevisión:
‘A Chilevisión, sob a supervisão de Carlos Bardasano, trabalhou para reduzir custos de produção ao máximo, importando metade da programação e dirigindo o restante para nichos que não fossem excessivamente caros, como os programas de estilo juvenil, com locutores jovens, e programas para o público feminino. Nada de grandes produções que tentassem subir nas listas de preferências. Em 1999, Chilevisión alcançou o ponto de equilíbrio financeiro. No ano seguinte registrou um pequeno lucro. Se, em 1995, a Chilevisión havia conseguido 9% do mercado de telespectadores, em 2001 conseguiu 14%, sendo o único canal chileno a conseguir lucros nesse ano. Bardasano, porém, sustenta que `o Chile é o mercado de televisão mais complicado que existe na América Latina´.’
Conflitos de interesses
O grupo Cisneros retirou-se do Chile em 2005, quando Chilevisión foi comprada pelo megaempresário e atual presidente da República, Sebastián Piñera.
Depois de passarem uma década no vermelho, as redes privadas começaram a gerar mais dinheiro e prestígio, atraindo a atenção de novos investidores. Enquanto isso, uma das tradicionais líderes – a UCTV, canal 13 – começou a sentir o peso dos seus vários investimentos mal sucedidos, caindo, em poucos anos, do primeiro para o quarto lugar de audiência. Nem mesmo a criação de novos negócios – rádios FM, TV digital, internet, eventos e cinema – contribuiu para uma melhoria dos resultados da emissora, que acumulou perdas de US$ 7 milhões somente nos seis primeiros meses de 2010 – valor igual ao prejuízo tido pela emissora durante todo o ano de 2009.
A saída foi concretizar a venda de 67% da TV católica para a família Lucsik, a mais rica do Chile, segundo a revista Forbes. Desde agosto de 2010, o 13 – agora sem a sigla UC – faz parte de um complexo empresarial que também abrange o Banco de Chile, a cervejaria CCU e a gigante do alumínio Madeco. No mês seguinte, foi a vez do presidente Sebastián Piñera ter de vender a sua rede Chilevisión para a gigante estadunidense Time Warner – que também opera a CNN Chile. Neste caso, a venda não se deu por motivos financeiros, pelo contrário: a Chilevisión é a rede mais rentável do mercado, acumulando lucros de quase US$ 65 milhões desde 2003. A transação – que, inclusive, era uma de suas promessas de campanha – foi agilizada a fim de acalmar os ânimos da oposição, que enxergava diversos conflitos de interesses vindos da aliança entre as atividades empresariais e políticas de Piñera.
Cresce o investimento em publicidade
Depois da operação, alguns analistas chegaram a questionar se o valor pago pela Time Warner – US$ 155 milhões – foi alto demais para a Chilevisión ou se o Canal 13 é que foi subavaliado e vendido por muito pouco – US$ 55 milhões por 67% de participação. No caso do canal que pertencia à Igreja Católica, as dívidas acumuladas durante muitos anos são apontadas como as grandes responsáveis por terem puxado para baixo o valor da transação. Em novembro, foi a vez do mexicano Guillermo Cañedo White comprar a pequena Telecanal. White é ex-executivo da gigante Televisa, com passagens pela rede Megavisión e pelo clube América, do México.
Com todos esses movimentos, espera-se que o mercado publicitário do Chile ganhe maior expressão. Segundo o professor Aldo Van Weezel, da Universidad de los Andes, essa atividade responde atualmente por menos de 1% do PIB chileno, enquanto nos países desenvolvidos ela ultrapassa os 2%. Em 2009, os canais abertos arrecadaram US$ 447 milhões com anúncios e a expectativa é de que este bolo cresça 6% em 2010. Trata-se de uma evolução ainda modesta, se comparada a outras nações. No Brasil, por exemplo, o investimento em publicidade cresceu 19% no ano passado, segundo dados do Ibope Monitor.
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Pesquisador e escritor