Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O ‘anacronismo’ da luta de classes

A capacidade de exercer influência do discurso midiático é tão debatida na academia que pinçar exemplos cotidianos é exercício de muita relevância para o aguçamento de nossa percepção crítica. Por meio da emissão de juízos de valor com enorme naturalidade, a ideologia de uma parcela da população se dissemina e torna-se verdade para um número cada vez maior de pessoas.

Semana passada, no Distrito Federal, os professores entraram em greve e, na Band News, o radialista comentou, sem contestação, que as manifestações daquela categoria não passavam de atitudes anacrônicas, embasadas em pensamentos marxistas, referentes à ‘luta de classes, que a História já sepultou’.

Tal comentário fomenta o desprezo da população pela causa dos trabalhadores em geral, implicando entraves ao curso da vida democrática.Não só ao curso da vida democrática, mas à melhoria da educação em nosso país, cujo deterioramento radica, dentre outros fatores, na falta de respeito para com os docentes, não só por parte da imprensa, como apresentado, mas, claro, por parte do governo, considerando que nesse caso específico, como em muitos outros, os professores reivindicam um direito já adquirido.

Pensamentos pré-fabricados

No site do Sinpro-DF, descobri que ainda em 2008 foi assegurado por lei que o reajuste salarial dos professores em 2009 e 2010 seria corrigido com índices, no mínimo, iguais ao Fundo Constitucional do DF. Este ano, a proposta orçamentária enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional previu para tal Fundo Constitucional um montante que corresponde a um reajuste de 19,98% sobre o repasse do Fundo em 2008. Descontadas taxas desse aumento, os professores passaram a reivindicar reajuste salarial de 15,31%, que continua seguindo o número de crescimento do Fundo Constitucional.

Tal esclarecimento só foi encontrado no site de um dos protagonistas da notícia, que tem popularidade muito inferior que aquela de que goza a Band News, cujo comentário foi, com certeza, assimilado e defendido por uma parte da população vitimada por um ensino formador de indivíduos passivos, dependentes de um Estado patriarcal, e que, com ajuda de meios de comunicação comprometidos com governos patrimonialistas, fortalece a manutenção de um sistema cuja atividade política ocorre a despeito da parte mais afetada pelo processo decisório: o povo.

E quando este toma uma atitude, e vai à luta por seus direitos, não tem dificuldades em encontrar adversários declarados, como esse radialista, o próprio governo, e infelizmente, outros pares, consumidores de idéias prontas, distribuídas inocentemente em bancas de jornal, na TV e no rádio.

É preciso, portanto, estarmos todos atentos a essas notícias e comentários, que entram em nossas casas apenas com nossa permissão – e sem ela nos impõem determinados paradigmas, para não sairmos por aí reproduzindo pensamentos pré-fabricados, em desacordo com nossa realidade coletiva e, muitas vezes, individual.

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Graduando em Relações Internacionais da Universidade de Brasília – UnB