Há alguns meses, pensei em escrever um texto sobre um caminho que considerava não ter volta: a irrelevância da TV aberta entre os millenials. A também chamada Geração Y – que compreende os nascidos após os anos 1980 até meados dos anos 1990 – parece ter migrado quase que inteiramente para a TV por assinatura e para os serviços on demand (como o Netflix). Eu mesma, que pertenço à geração anterior, há tempos só assisto a alguns eventos esportivos (jogos do Brasileirão), dois telejornais (Bom Dia Brasil e Jornal da Band) e um reality show (Masterchef) na TV aberta, e mais nada: todo o resto me parece tosco, forçado, copiado, requentado e repetitivo.
Eu estava intrigada particularmente com a Rede Globo, uma das maiores corporações de mídia do mundo. Quem assistiu ao já clássico documentário Beyond Citizen Kane (censurado nos anos 1990 no Brasil, embora circulasse nas faculdades de jornalismo com o título de Muito além do cidadão Kane), sabe muito bem que de bobo o conglomerado criado por Roberto Marinho não tem nada. Com a estrutura que possui e, certamente, com os profissionais extremamente qualificados que lá trabalham, como pode a programação global ter decaído tanto e se tornado absolutamente irrelevante para os atuais formadores de opinião e, mais importante, alvos dos principais anunciantes? A anteriormente imbatível dupla do horário nobre – Jornal Nacional + novela das 9 – deixou de atingir os índices de audiência que a tornava um dos pilares de informação, entretenimento, formação de opinião e mudança de comportamento em praticamente todas as camadas sociais do Brasil. As razões disso já foram explicadas extensivamente em vários artigos (entre elas, o fato de William Bonner nos considerar a todos como Homer Simpsons e, na mesma linha de raciocínio, a produção de novelas passarem a subestimar o conceito de “suspensão da descrença” tão necessário para engajar o público).
Contudo, a estreia da minissérie Ligações Perigosas mostra que realmente não há trouxas dentro das organizações Globo, pois entenderam como continuar relevantes: investir em dramaturgia no formato de séries de altíssima qualidade, tendo como exemplo as produções caprichadas da HBO (que já investe pesado na criação de séries na América Latina e no Brasil) e do Netflix. Ligações Perigosas chegou a estrear antes da TV aberta no aplicativo Globo Play em ultra-definição, indicando que haverá, sim, um investimento agressivo nessa área. A série é um conjunto do que de melhor já se criou em dramaturgia na Rede Globo: um ótimo texto adaptado (foi uma ideia de gênio transpor o cenário barroco do livro de Choderlos de Laclos para a década de 1920 aqui no Brasil), bons atores (Selton Mello conseguiu a façanha de se tornar sex symbol no papel que, no cinema, já foi de John Malkovich; e Patrícia Pillar mostra porque é uma das maiores atrizes de sua geração), cenografia e figurino caprichados, qualidade técnica (iluminação, som, edição, trilha sonora, direção) padrão internacional.
Os canais GloboSat (GNT, Multishow, entre outros) já se firmaram como alguns dos melhores na programação paga. Contudo, até mesmo os serviços de TV por assinatura sofreram um abalo quando os millenials passaram a migrar em massa para o serviços on demand e plataformas como o Netflix. E o mais impactante: a novíssima geração, nascida no começo dos anos 2000, já está totalmente online com seus tablets, smartphones e computadores, alguns sequer ligam a televisão. Minha filha de oito anos, por exemplo, prefere o Netflix para assistir seu seriado favorito (My Little Pony) porque, segundo ela, “não há a interrupção de comerciais”. Diante disso, acredito que a própria estrutura financeira da TV aberta – e o jeito antigo de se fazer publicidade – parecem estar com os dias contados. Certamente, alguma mente genial lá dentro da imensa corporação que é a Globo também já se deu conta disso. Caso contrário, em uma década, a maior rede de TV aberta do Brasil será praticamente irrelevante.
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Candice Soldatelli é jornalista e tradutora