Com perdão do lugar-comum, mas parece consenso o dissenso num festival de músicas – e não foi diferente, para permanecer no óbvio, com o Festival Cultura de Música, que teve sua final na quarta-feira 14/9, depois de várias eliminatórias ao longo do mês de agosto.
A TV Cultura se esforçou e muito para resgatar a tradição dos festivais – e se não conseguiu despertar a paixão e mobilizar a atenção do grande público como nos antigos festivais, talvez a culpa não seja somente dela, ou das estratégias adotadas, dir-se-iam, menos mercadológicas em comparação, grosseira, com o programa (de outra emissora) que promete revelar novos talentos.
Formato morno
Os tempos são outros – e quem acompanhou minimamente a programação da Cultura pôde assistir, além dos históricos festivais (e a importância de suas contribuições para a música e cultura brasileiras), os novos (ou nem tanto) compositores, intérpretes apresentando variada e criativa produção musical, enraizada na tradição não menos diversificada de ritmos brasileiros – do samba, do maracatu, frevo, etc.
Não se pretende, todavia, fazer aqui julgamentos críticos quanto à qualidade – tal tarefa cabe aos especialistas da área – mas convém registrar alguns aspectos ‘interessantes’ de nossos tempos ‘pós-modernos’ em relação à produção cultural e sua divulgação midiática – aliás divulgação que, no caso específico deste festival, parece que ficou restrita ao âmbito da TV Cultura, reinando certo silêncio nos demais veículos de comunicação.
Se pareceu morno o Festival Cultura (ao menos para quem o acompanhou pela TV), é devido em parte ao próprio formato de um festival (apresentadores, músicos, cantores, palco e platéia), no caso tudo organizado com muita diligência para que funcionasse sem problemas técnicos, acarretando prejuízos a algum concorrente ou mesmo aos telespectadores.
Mais espaço e vontade
O que estava em julgamento, saliente-se, era a música – a nova música brasileira, segundo a emissora. Portanto, dispensáveis os recursos de big-brother musical na apresentação das eliminatórias e da final. Mas o grande público parece mesmo mais acostumado (ou domesticado) a pirotecnias (em tardes de sábado) – daí talvez a mornidão mencionada diante do aparelho de TV.
De qualquer maneira confrontou-se os tempos no interior do próprio festival – de um lado, as imagens glamourizadas, em preto e branco, dos antigos festivais (imagens reiteradas pela emissora como sedutor recurso à memória do telespectador) e, de outro, as tecnicalidades (e premências) do tempo presente, fragmentado, compartimentado para o segmento televisivo. Claro que sem o exagero de representar uma produção homogeneizada a marteladas (como a do outro canal, já referido), dado as próprias características do festival.
A TV Cultura teve o mérito de mostrar que as coisas podem ser diferentes, que existe uma assistência atenta e ávida por boa música, que há muita riqueza e diversidade cultural que se refletem e manifestam nessa ‘nova’ música popular. É preciso somente mais espaço e vontade.
Incerta sensação
Mas voltando ao dissenso do consenso ou o contrário disso, o resultado para o público presente no teatro do SESC/SP não pareceu satisfatório (a música Contabilidade, de Danilo Moraes e Ricardo Téperman saiu vencedora) e foi recebido com vaias que se prolongaram, impedindo até que o convidado (nada menos que o nosso ministro da Cultura, Gilberto Gil) incumbido de entregar a premiação não pudesse dizer umas palavras aos presentes – acabou por entregar o microfone à apresentadora Cuca e deixou o palco. Os apresentadores hesitaram, não tiveram a ‘agilidade’ suficiente, talvez por inexperiência, para lidar com a situação – ficaram perdidos, constrangidos, e apenas seguiram o roteiro.
Talvez não se possa esperar muito de pronunciamentos nessas circunstâncias, mas o público presente ficou devendo o mínimo de respeito senão ao ministro ao grande artista Gilberto Gil – também aos músicos vencedores, afinal apresentaram uma canção de teor crítico aos valores atuais, às relações regidas pelas estatísticas, pela lógica contábil.
Festivais sempre vão encerrar uma aura de protesto – e de certa forma não poderia ser diferente, venceu a canção de protesto, na constatação da crueza de ‘nossa era’ e no descompasso da aspereza da platéia, com uma incerta sensação (para todos que assistiam) de que faltou algo.
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Funcionário público, Jaú, São Paulo