Não faz muito tempo, os assinantes do canal de TV por assinatura Globonews foram tomados de assalto pelas Bocas, Bundas e Bobagens, dos famigerados BBBs. Por alguns momentos, telespectadores habituados a consumir programas de conteúdo jornalístico, reportagens especiais, entrevistas especialíssimas e toda sorte de entretenimento de alta qualidade, programas criados exclusivamente para saciar apetites exigentes de um público crítico, num dado instante se viram forçados a mudar de canal ou aceitar goela a baixo Baixarias, Baboseiras e Bizarrices na sua programação de TV.
Obra do acaso ou devaneio de algum dos ‘semi-deuses’ que ainda imperam na TV brasileira? Não importa. Lá estavam eles, com suas sungas e biquínis recheados e mentes desérticas, grunhindo palavrões, frases feitas e lamentos solitários de gosto pra lá de duvidoso. Sem pedir licença, como num passe de mágica, a galera BBB lá estava enfiada no horário de um dos principais programas jornalísticos da emissora.
Droga e lixo
Mas que mal pode fazer apenas um pouquinho só de BoBoBagens na vida dos assinantes da Globonews?
Poderia o assinante morrer de tédio, abatido pelos poucos minutos de angústia diante do flagelo televisivo na arena dos gladiadores das arenas do reality show mais difundido da TV brasileira?
Haverá seqüelas após alguns minutos de exposição e consumo de droga e lixo televisivos, quando se está acostumado a sorver o melhor do que é produzido pela fábrica de doidos por assinatura? Com a palavra, os assinantes.
Fórmula bizarra
A propósito, onde foi mesmo que o BBBoninho errou na mão nesta edição do atualmente insuportável BBB que, para conseguir mais e mais baixarias, oferece aos enclausurados participantes grandes festas regadas a muita bebida e outros incentivos ao palavrório solto e a caça a um/a parceiro/a disposto ao exibicionismo?
Então, por que será que a atração, que já tinha conquistado uma audiência cativa, desta feita se arrasta ladeira abaixo sem a preciosa atenção dos telespectadores e derrubando os índices de audiência do horário, incluindo a minissérie Amazônia? E tudo isso à revelia do mega-esquema de divulgação montado para o reality show, o qual, em sua 7ª edição, segundo a imprensa especializada consegue ser ainda pior do que todas as edições anteriores e seus congêneres internacionais.
Ao arrepio da fórmula bizarra que oferece como produto básico satisfazer o desejo dos consumidores da droga televisiva com cenas de exibicionismo, auto-flagelo e a capacidade dos participantes de eliminar seus adversários para experimentar mais do que os quinze minutos de fama já conquistados, ainda assim, houve um dia em que o BBB era menos tóxico do que agora.
Realidade trivial
Sim, houve um tempo que os gladiadores BBBs, ao eliminar os adversários e se exibirem para saciar uma platéia ávida por emoções baratas, pareciam mais gente de carne e osso do que agora.
Decerto que tanto nos BBBs de antes quanto neste último, o vencedor continua sendo aquele que consegue eliminar seus adversários oferecendo ao público o prazer de ver o sofrimento alheio, ora pela superexposição de suas fraquezas, ora pela delação e outros ingredientes resultantes dos mais baixos sentimentos humanos, nessa modalidade pós-moderna de combate entre iguais. Acontece que, nas edições anteriores, o formato do BBB continha uma espécie de escotilha que permitia algum contato entre a realidade-show dos Big Big Brothers e a realidade trivial dos telespectadores comuns.
Suprimindo os ‘diferentes’
Foi assim, quando em meio à supremacia de BBBs musculosos e peitudas nada pudicas, outros BBS ditos normais – pobres, gordos, feios etc. –, por meio de sorteio, tiveram o privilégio de participar do embate. E assim, dentre os hedonistas escolhidos a dedos pela produção do programa, havia alguns espécimes comuns, conhecidos como Maras, Cidas, Alans e Bambans, e outros, feitos de carne e osso. Não raramente mais carne do que osso, que, de tão comuns em seus tipos, tão simples em seus jeitos, acabavam por encantar o público e ao final da competição sagravam-se vencedores.
A questão é: por que cargas d’água o chefe BBBoninho não percebeu que, ao juntar na mesma arena, modelos, atletas de alcova, candidatas a páginas de revistas masculinas, enfim todos representantes da considerada perfeição, junto com pessoas ditas comuns, aparentemente sem grandes atrativos, tinha criado a galinha dos ovos de ouro do BBB tupiniquim? Ou seja, como os Big Boss Brothers não viram que este era justamente o segredo do sucesso das outras versões do formato brasileiro do reality show mais consumido no mundo? Talvez, nem o BBBial tenha desconfiado que, tal qual na fábula de Esopo, ao suprimirem os ‘diferentes’, tipos que não estavam de acordo com o padrão Barbie/Kan determinado pela direção do programa, estavam ao mesmo tempo matando sua própria galinha dos ovos de ouro. Que BoBoBobinhos…
Limites para o conteúdo
Outro fato que chamou a atenção nestes últimos dias foi o choro de alguns setores dos criativos de carteirinha da TV brasileira quanto ao avanço promovido pela classificação indicativa dos horários da programação que sugere às emissoras de TV mais precisão na adequação do conteúdo ao horário de exibição dos programas. O que seria cômico, se não fosse trágico, é que ainda há formuladores da TV um tanto ultrapassados que têm a desfaçatez de vir a público afirmar que qualquer ensaio de avançar na regulação do conteúdo da produção televisiva brasileira é uma nova tentativa de golpe e volta à censura. E ainda insistem em dar de ombros aos modelos de regulação já implementados com sucesso em diversos países desenvolvidos e em desenvolvimento, onde já foi comprovado que é possível, sim, melhorar a adequação entre horários e conteúdo em respeito ao telespectador – especialmente crianças e adolescentes. Numa era em que falar de preservação e solidariedade se tornou lugar-comum, já era tempo dessa turma conhecer um pouco mais a realidade mundial e parar de pensar somente na própria conta bancária e outros interesses inconfessáveis.
Em tempo. Temos algo pra comemorar: a TV, finalmente, voluntariamente, reconhece que é preciso adotar limites para o conteúdo televisivo consumido pelas crianças. Com mais de meio século de atraso, a TV Globo informa ao distinto público, numa das suas vinhetas institucionais, que cabe aos pais determinar quais são os limites para seus filhos assistirem aos programas televisivos.
Melhor deixar quieto
Infelizmente, por enquanto, a própria TV Globo ainda não assumiu que, na qualidade de detentora de uma concessão pública, e em nome da responsabilidade social – a qual a citada emissora tanto se orgulha de cumprir –, também cabe a ela própria adequar o conteúdo da sua programação dentro desse novo paradigma. Agora, verdade seja dita, que tal acontecimento pode ser considerado como um belo avanço na regulamentação do setor, não se pode negar.
Afinal, se está certo que TV é 100% educação, é melhor pensarmos cada vez mais cuidadosamente no conteúdo que é oferecido aos caros fiéis telespectadores.
Quanto ao caso do dia em que os BBBs invadiram a programação da Globonews, como dizem os mineiros, é melhor deixar quieto.
Deve ter sido apenas uma falha técnica!
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Redator e diretor de criação publicitária, especialista em políticas públicas pela Escola de Políticas Públicas e Governo da UFRJ; autor de Manual do Telespectador Insatisfeito (Editora Summus, 1999) e Acorrentados, a fábula da TV (Editora Letra Legal, 2006)