Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O efeito “cascata” na cobertura dos atentados terroristas

É notável que os atentados em Paris (14 de novembro) trouxeram o tema terrorista à tona. O agendamento do tema nos veículos e nos meios de comunicação foi torrencial, cada qual explorando um conjunto de aspectos ou todos às voltas requentando as mesmas características sem apresentar grandes variações.

O fato é que o medo, o pavor, o ódio e a incompreensão formam os sentimentos mais aflorados com a cobertura que ficou massivamente em cima da identidade e origem dos criminosos, número de mortos, perfil dos atingidos, depoimentos e vídeos captados pelas câmeras de celulares de quem estava no momento do episódio.

Alguns capítulos dessa cabulosa história tentaram buscar justificativa na religião, política e ideologia para tentar entender o raciocínio de quem se prontifica a viver para assassinar e, se for preciso, usar como arma a própria vida. Ou seja: pessoas passam a ficar receosas e com temor de ser a próxima vítima de algum grupo, ou de alguém, e os grupos e/ou os “alguéns” passam a se sentir empoderados.

Eis que surge uma questão social entre mídia e realidade: até quando a cobertura midiática pode passar a influenciar outros grupos praticantes de extermínio ao dar tanta visibilidade e espaço ao evento morte por vingança ou qualquer sentimento ou razão que vise à marcação de território?

Ao dar ênfase e cobertura mundial a um fato que merece esse espaço pela carga pesada circunstancial e suas consequências destrutivas, que passa a permear as conversas, os pensamentos e os sentimentos das pessoas, somos contaminados pelo conceito de agenda-setting. A formulação clássica surge nos Estados Unidos no final da década de sessenta com Maxwell E. McCombs e Donald Shaw. A Teoria do Agendamento pressupõe que as notícias são como são porque os veículos de comunicação nos dizem em que pensar, como pensar e o que pensar sobre os fatos noticiados.

Neste caso, a visibilidade da morte como recurso de vingança marcado pela intolerância à diferença de um grupo que renega a existência de outros clãs humanos e se compreende possuidor da supremacia que o capacita a exterminar humanos, ganha repercussão e desdobramentos geolocalizados, com incidência de mortes “menores”, pois são conduzidos e contaminados por esta vertente de mortes que ficam sendo conhecidas através da mídia como solução ou como um grito de ordem, protesto ou imposição. A mídia não é culpada, mas a sua essência informativa será que não influencia? Fica para pensar…

Incentivo às mentes criminosas

Dias depois, outra situação de morte em uma festa na Califórnia resultou na morte de 14 pessoas e do casal que comandou a ação (2 de dezembro). Podem ser da mesma facção, grupo, comando, seja lá o que une ou lidera essas atividades com o evento morte, mas o fato é que houve morte mais uma vez em massa, num local fechado onde o sentimento de confraternização e felicidade motivava o encontro. Final trágico para quem estava no lugar errado e na hora errada, familiares e amigos e comemoração para quem ordenou a execução. Mais uma vez, os holofotes dão espaço nos veículos de comunicação ao derramamento de sangue.

O valor-notícia morte e inesperado sobressaem como resultado agradando aos agentes ativos dos crimes e desesperando os agentes passivos. Jornalismo como porta-voz do terror. Mas ao cumprir a função do cerne profissional de informar, não está estimulando um grupo de fanáticos a continuar agindo para ser temido através da visibilidade? Não está estimulando grupos facínoras a fazer o mesmo? Rende estudos.

No Brasil, ônibus são queimados por retaliação a assassinato de traficante. Em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, após um traficante morrer em confronto com a polícia, ônibus coletivos da cidade e lotações foram incendiados (2 de dezembro), causando medo e insegurança e evitando que pessoas usassem o transporte público para se deslocar na cidade. Neste caso, a destruição dos coletivos foi uma reação e uma resposta à morte de um traficante que não gerou novas mortes, mas criou uma situação de pânico na comunidade porto-alegrense. Para ser mais claro, 14 ônibus foram queimados em 2015, totalizando um prejuízo de R$ 5 milhões aos cofres públicos do estado.

Esses dados indicam que essa ação é recorrente, mas chama a atenção o que foi colocado em prática novamente 15 dias após o ataque ao Bataclan na capital francesa. Ou seja, se observarmos bem, um atentado maior de repercussão mundial, devido à dimensão pontuada por ser em Paris, a cidade luz, numa casa tradicional, com muitas pessoas, foi seguido por crimes “menores”, todos com o mesmo intuito de causar morte, mostrar força, exigir respeito e ganhar visibilidade, pois a mídia ao fazer o seu trabalho de informar acaba, involuntariamente, prestando um serviço de assessoria de imprensa à criminalidade.

Esses foram dois exemplos, um na esfera internacional e outro na esfera brasileira, para mostrar como num curto espaço de tempo, após as mortes em Paris, houve um efeito de “morte em cascata” em diferentes locais, pois os incêndios começaram a partir de uma morte. Será que a visibilidade excessiva da mídia em todas as suas formas não acaba incentivando os criminosos a agir sendo usada como instrumento de submissão e persuasão às populações? O jornalismo precisa, deve e vive para e de informar. A mídia, no seu papel nato de informar, ao dar espaço demais (e como definir se é demais?), não estaria também incentivando mentes criminosas a agir para a visibilidade midiática ser um instrumento opressor? Fica para nossa reflexão.

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Taís Teixeira é jornalista, professora e mestre em Comunicação e Informação