No ar desde meados de abril, o programa “Ofício em Cena”, apresentado por Bianca Ramoneda na GloboNews, tem exibido boas entrevistas com atores, roteiristas e diretores de TV da Globo.
Convidado desta semana, o diretor Dennis Carvalho fez um comentário surpreendente, ao responder a um pergunta de um estudante de teatro.
“Novela no país ganhou uma importância tão grande por não ter outros divertimentos que passou a ser a palavra sagrada em tudo. E não é! A gente tem que voltar atrás e ver que isso é um entretenimento! É mentirinha!”, disse o diretor de “Babilônia”, a atual novela das 21h.
“É mocinho, bandido, pobre, rico… Se não, vai colocar em cima da gente, da novela, uma responsabilidade de decidir as coisas do país. Que não pode! É só ficção, entretenimento”, sublinhou.
Gustavo Padrão, o estudante, insistiu: “Mas você não acha que tem uma influência muito grande?” E Carvalho voltou a dizer: “Não deveria ter essa influência. Discutir futuro do país dentro de uma ficção é muito perigoso. É importante que se entenda que é de mentira, que é brincadeirinha, que é ficção. Não é a vida!”
Dennis Carvalho, como se sabe, dirigiu várias outras novelas de Gilberto Braga, um dos autores de “Babilônia”, entre as quais “Vale Tudo” (1988), considerada um clássico do gênero justamente pela sensibilidade com que retratou o clima do país então.
O seu comentário no “Ofício em Cena” foi uma resposta ao público que, segundo ele, rejeitou “violentamente” a atual novela que dirige. Trata-se do maior fracasso de uma produção neste horário nobre na história da Globo.
O ator Henri Castelli, que vive um dos vilões em “I Love Paraisópolis”, exibida pela mesma emissora na faixa das 19h, fez uma observação com teor parecido, em entrevista recente à Folha.
Toda a trama da novela, como anuncia já o título, gira em torno da favela localizada na zona sul paulistana e da relação de seus moradores com os vizinhos do nobre Morumbi.
Questionado pela coluna Outro Canal se acha que a novela tem “função social”, Castelli respondeu: “A função principal é o entretenimento. Só não podemos deixar a carga do que é de um governo em cima da novela. Se ela ajudar, legal, mas não é nem deve ser um peso nas nossas costas”.
E acrescentou, falando em nome da Globo: “Somos uma empresa de comunicação, e parte do que a gente faz é entretenimento, não é fazer reurbanização, construir, dar luz, moradia. Quem tem que fazer isso é o governo federal, o governo do Estado”.
Os comentários de Carvalho e Castelli revelam o incômodo com as disputas de diferentes grupos de pressão, interessados em ver assuntos de seus interesses abordados ou excluídos de folhetins.
Não custa lembrar que a Globo exibe, atualmente, cinco novelas por dia. De fato, muitas produções, ao longo das últimas décadas, apresentaram visões de mundo progressistas e contribuíram para a discussão de temas importantes na área de costumes.
Culpar o público, ou o “politicamente correto”, como reclama Carvalho, pelo insucesso de “Babilônia”, chega a ser covardia. A culpa é da emissora e dos autores, que mudaram a novela para atender a reclamações e a deixaram pior.
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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo