O apresentador de televisão Abelardo Barbosa, o Chacrinha, virou objeto da sociologia da comunicação nos anos 1970, quando o filósofo francês Edgar Morin, em visita ao Brasil, teceu várias referências sociológicas positivas ao tropicalismo simbólico e ao espírito folk do animador de auditório. Apesar do espanto dos teóricos críticos, Chacrinha tornou-se, da noite para o dia, um marco do pensamento comunicacional brasileiro, servindo como álibi teórico para que os estudiosos dos estudos culturais e da comunicação popular passassem a cultuar vários tipos de programas de televisão – Dinastia, Raízes, Vila Sésamo – como símbolos das práticas e das experiências culturalistas do imaginário globalizado.
Tantos anos depois, pouco se conhece sobre as contribuições de Chacrinha à aculturação da população brasileira, embora seja inequívoco o enraizamento ‘filosófico’ no senso comum popular provocado pelo bordões preferidos do apresentador, como ‘na televisão, nada se cria, tudo se copia’, ‘Terezinha, uh, uh…’, ‘eu estou aqui para confundir e não para explicar’, ‘quem não se comunica se trumbica’. Talvez o problema seja uma questão de historização do pensamento chacrético. Ainda estão para ser compilados os pensamentos mais elevados de Chacrinha, a sua coletânea cabalística sobre mídia, comunicação e cultura, porque parece que ainda não apareceu uma espécie de Platão disposto a eternizar as idéias do novo sócrates da buzina (e de suas chacretes).
A sociologia parece esquecer, de época em época, os marcos significativos que lhe serviram para abraçar ou abandonar certas ideologias ou paradigmas. Chacrinha serviu para espanar a própria idéia de ideologia e naturalizar a presença da televisão no imaginário do povo brasileiro em meio aos tempos astuciosos da ditadura. Também foi excelente para mostrar a importância dos valores nativos, artísticos e culturais de um determinado povo, e para levar a emissora de televisão enamorada pela ditadura a alcançar os seus primeiros dias na liderança dos índices de audiência.
Não se pode omitir, é claro, que o auditório serviu para projetar calouros espetaculares, detentores de uma voz e de uma inteligência singulares, e para elevar ao panteão das celebridades eternas (ainda não havia celebridades instantâneas) intelectuais expressivos, como Rita Cadillac, além de estrategistas da imagem, como Russo.
Erudição em mídia
Quem ficou com saudades daqueles tempos gloriosos para o povo, mas, principalmente, para os estudiosos da cultura de massa, não precisa se lamentar. Chacrinha tinha razão: na televisão nada se cria, tudo se copia. Apesar da televisão necessitar de uma reciclagem mais rápida da cultura e da arte, em nome de uma mentalidade mercadológica avessa à queda no Ibope, vários intelectuais de renome têm servido para manter acesa a chama do debate filosófico e sociológico nas tardes de sábado ou domingo, ou no horário nobre.
Citar nomes seria uma injustiça com aqueles que pudessem ser esquecidos. São tantas as contribuições e perorações da Adriane Galisteu, do João Kleber, do Ratinho etc. que talvez fosse melhor apenas lembrar o nome de Hebe Camargo, tataravó da televisão brasileira, e de suas pérolas de inteligência noturna para a família brasileira. Ela é… é… é… simplesmente sublime.
O mais importante, antes de tudo, parece ser o dever de honrar o nome do novo intelectual da televisão brasileira, palestrante de semana acadêmica de cursos de Comunicação: o nosso querido Louro José.
Pois é. O papagaio mais famoso da manhã da televisão brasileira tornou-se erudito nos assuntos de mídia, comunicação e cultura e passou a brindar o povo brasileiro e os estudiosos da cultura de massa com sua verve filosófica, sociológica que, pelo pouco que me falaram, parece comungar ou da vertente fenomenológica husserliana ou da existencialista sartreana.
Ensaios aguardados
Louro José deu show de cultura aos alunos da Universidade Santo Amaro (SP) há poucos dias. Prendeu a atenção de mais de 500 alunos e professores durante duas horas. Falou de tudo e um pouco mais. Não quero nem pensar o que Nietzsche, Cioran, Baudrillard diriam disto, muito menos Jameson ou Zizek. Mas Maffesoli, nosso maravilhoso orientador de mestrado da astróloga de Mitterrand, certamente adoraria.
Louro José não é o Chacrinha, mas no mundo dos simulacros e simulação pode até servir como prótese ou clone intelectual das idéias do seu ancestral midiático. Ele até que fala direitinho e também tem os seus bordões.
Louro José mantém a folkcomunicação viva e os congressos dos estudos culturais continuam garantidos. Vamos aguardar agora apenas pelo lançamento dos seus ensaios, ou do seu livro de aforismos, que, com certeza, em breve estarão correndo pelo mundo afora.
******
Professor de Filosofia da Comunicação, doutorando em Comunicação pela PUC-RS