Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O papel da TV Globo na sociedade brasileira

Ao falar sobre o papel da televisão no Brasil (Globo News, programa Milênio, 2002), Eugênio Bucci, escritor e jornalista, destacou o desvio da ética nesse tipo de mídia. Para ele, o distanciamento dos valores morais na televisão é uma questão complexa que pode derivar da vários fatores. Tanto pode ser da empresa de comunicação, quanto do próprio profissional que, às vezes, não sabe diferenciar o bom e o mau jornalismo. Faltam alternativas e criatividade para os programas televisivos – todos são iguais, declarou.

Bucci tem razão. Tome-se o exemplo da TV Globo. Desde a sua fundação, em 1965, a emissora consolidou um poder e uma crescente influência sobre a opinião pública, com enorme domínio na conduta da sociedade brasileira. Notabilizou-se por um significativo monopólio de audiência porque direcionou o foco da sua produção cultural para um público fiel e habituado a assistir à televisão em família. O que não lhe faltava era criatividade nas telenovelas, nos casos especiais, nos telejornais, nos musicais, nos humorísticos, e por aí vai.

A TV Globo, com um conjunto de artistas que marcou época, tornou-se líder de audiência e se destacou das demais emissoras concorrentes exatamente pelo respeito a esse elenco, razão por que o público se mantinha (ainda se mantém) fiel aos apelos do ‘plim-plim’. Havia uma fascinação das pessoas pelos atores e atrizes globais. Parecia existir um clima de interação emissora-elenco-telespectador. Hoje, entretanto, o que predomina é o desprezo e a arrogância de quem pode mais.

Um exemplo é o que acontece com Chico Anysio, como revela Miguel Arcanjo Prado (Folha Online, 29/12/2008). Em sua opinião, a Globo colocou o humorista no freezer até 2012, apesar de ele se mostrar disposto a atuar, mesmo que fosse em um canal fechado. De acordo com o jornalista, Chico quer é voltar à ação. Mas a Globo não lhe dá atenção.

O que se espera e se merece

Tampouco ouve os reclamos de milhões de admiradores que não conseguem esquecer as inúmeras personagens criadas pelo genial humorista – tipos que marcaram a história da televisão brasileira e tomaram conta da ‘telinha’ por muitos anos. Ninguém sabe o que se passa entre a Globo e o artista. Mas que parece injusto, parece. Não há explicação lógica para que a empresa da família Marinho desrespeite a figura humana de alguém que tanto contribuiu para a consolidação do humor inteligente no Brasil. Alguém que faz humor sem ser piegas, motivo pelo qual ganhou a preferência do brasileiro. Seria até compreensível se os programas de Chico fossem substituídos por outros melhores. Mas, não. A Globo preferiu simplesmente abandonar o que tinha de melhor no humor brasileiro e, em seu lugar, ceder espaço para a mediocridade e os baixos níveis das séries humorísticas atuais.

A Globo continua hegemônica, mas com forte tendência de queda devido ao advento da internet, aos canais fechados, e às outras televisões, como observam Silvia H.S. Borelli e Gabriel Priolli. Ainda assim, ela tem um papel-chave na cultura brasileira, com forte influência na identidade nacional. Mesmo que use o melodrama como essência nas apresentações dos telejornais, que transmita as notícias como forma de espetáculo, que explore o emocional coletivo com informações de impacto, é ela que pauta a discussão popular. Com as telenovelas, a Globo exerce enorme incentivo na conduta das pessoas: dita modas, modifica hábitos e culturas regionais. Daí a necessidade de os executivos repensarem a tendência de queda na audiência da emissora e voltarem a dar prioridade a programas bem elaborados e inteligentes – como os de Chico Anysio, por exemplo. O retorno do ‘padrão Globo de qualidade’ é o que a sociedade brasileira espera e merece.

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Jornalista, Salvador, BA