Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O plim-plim de antes e o plim-plim de hoje

É inegável a contribuição da Rede Globo para a cultura brasileira. A hegemonia do canal na TV brasileira não veio a troco de nada. O alto investimento em talento nacional, em autores nacionais, em músicos e em produções brasileiras foi o que garantiu por décadas a fio a manutenção e uma produção de conteúdo brasileiros que pudessem fazer frente à poderosa competição norte-americana.

Creio não ser exagero dizer que, graças à Globo, somos hoje menos ‘colonizados’ do que seríamos sem ela. O profissionalismo, a criatividade e a originalidade da Globo e de seus profissionais, quando contraposto ao dito ‘instinto’ de Sílvio Santos e seu SBT (que nada mais faz que copiar formatos de programas popularescos norte-americanos ou preencher sua grade com enlatados norte-americanos) deixam claro o porquê da preferência dos espectadores pela Globo e o porquê de sua liderança desde praticamente a sua criação.

A Globo é hoje a empresa que coleciona os melhores profissionais. Os melhores roteiristas, diretores, câmeras, técnicos de som, iluminadores, atores e por aí vai… O fruto do trabalho desses profissionais rendeu as novelas, as séries, telejornais e programas de auditório que fizeram e ainda fazem parte do imaginário coletivo brasileiro.

Intervenções que não são segredo

Obrigado, TV Globo. Este obrigado é sincero. É tão sincero que esse foi o tema de um dos papers do meu mestrado na University of Westminster. Ganhei nota máxima. Distinction. Os ingleses adoraram a idéia desse baluarte da defesa da cultura brasileira, sustentado no profissionalismo e no investimento no talento nacional.

Mas o mundo gira. Os tempos mudam. Novas tecnologias surgem. E o que foi bom para o Brasil por décadas, hoje já se mostra limitador, antiquado e incoerente com o estágio democrático e de desenvolvimento em que o país se encontra.

Toda a qualidade do investimento dos idealizadores da TV Globo garantiu-lhe a confiança dos telespectadores. Confiança essa que, em se tratando de um meio de comunicação de massa, transforma-se instantaneamente em poder. Poder esse que, ao longo de sua existência, foi e ainda é utilizada para moldar a opinião pública através de seus telejornais. Poder esse que torna o canal capaz de influenciar eleições presidenciais e que faz de seus donos não apenas empresários de comunicação, mas agentes políticos no país. Não são segredo para ninguém todas as intervenções da Globo nos processos democráticos no Brasil:

– A hesitação em cobrir o movimento das Diretas Já.

– A edição do debate presidencial de 1989 entre Collor e Lula.

– As fotos do dinheiro no Jornal Nacional às vésperas da eleição de 2002.

E por aí vai…

Novas vozes, novas perspectivas

A Globo, para levar adiante seus interesses e fazer política, passou a abusar da confiança de seus telespectadores, os quais, crendo na isenção e qualidade de tudo que se vê ali naquela tela, não percebem as nuances dos interesses por trás do jornalismo produzido pela emissora.

Acontece que o país vive um momento único… Novas forças políticas e culturais estão em profusão e aquele único baluarte da cultura que a Globo sempre se orgulhou de ser não é mais suficiente para abraçar as diversas vozes, manifestações culturais e pontos de vista existentes no país… Novos profissionais, roteiristas, atores, jornalistas, diretores, representantes dessas novas perspectivas de Brasil estão por aí (ou pelo exterior) sem caber na estrutura da Globo e à procura de espaço.

Aí apareceram as empresas de telefonia e seu interesse em atingir novos mercados. Desde a privatização do sistema telefônico e a chegada de novas tecnologias, uma tal de IPTV (tecnologia para distribuição de conteúdo audiovisual através das estruturas instaladas de telefonia) apareceu e despertou o interesse dos grandes grupos telefônicos em distribuir um sinal de TV. Isso significaria uma profusão de novos provedores de TV por assinatura, mas uma TV por assinatura mais acessível. E com isto, novos canais e mais espaço para produção de conteúdo. O espaço necessário para novas vozes, novas perspectivas, e para esses profissionais.

Briga mesquinha

Mas, quem disse que a Globo iria ceder seu espaço tão facilmente assim? A entrada de novos agentes, não significaria apenas perda de mercado e de receita, mas também de influência.

E é novamente utilizando-se da confiança, reputação e influência construída ao longo de sua história, (e que ela não deseja perder) que a Globo tenta bloquear o processo de entrada das teles no mercado que por tantos anos dominou triunfante. O lobby da Globo no Congresso, que já conseguiu bloquear a regionalização da produção – que já conseguiu segurar o modelo de TV digital para o padrão que a interessava, dentre outras coisas –, agora tenta impedir que seja criada legislação para que as empresas de telefonia entrem no seu mercado.

Mas a reserva de mercado que a Globo tenta manter não é qualquer reserva de mercado: é o mercado de cultura, informação, entretenimento. É o que abastece o imaginário popular do brasileiro e forma a identidade do país e de seus habitantes. E se a Globo já foi o baluarte da cultura e identidade nacional, a briga mesquinha que hoje ela trava no Congresso para impedir a democratização da mídia, a difusão de novas vozes e perspectivas, apenas demonstra que ela já não mais está preparada para o Brasil que desponta à sua frente. Um Brasil que não cabe apenas na tela da Globo.

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Documentarista