Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O potencial democrático e sua redução a mercadoria

Desde os primeiros debates sobre a implantação da TV digital no Brasil, a idéia de uma nova televisão, a partir desta mudança tecnológica, foi a perspectiva vendida pela própria mídia. Nesta visão de revolução a partir da digitalização, o discurso sustentou-se em parte na idéia de que a TV mudaria diante da melhora da qualidade da imagem transmitida e da oferta de uma interatividade inédita para milhões de pessoas que não tinham acesso à televisão por assinatura ou internet. Assim, estaria assegurada a democratização do meio de comunicação mais requisitado pelos brasileiros, ante a oferta de conteúdos da internet, da interatividade e da inserção de novos canais e atores sociais na rede aberta, o que favoreceria a difusão da pluralidade nos diversos campos do conhecimento.

Contudo, até o momento, a TV digital tem sido assumida fundamentalmente como mercadoria, serviço estabelecido sem a prioridade de avançar na verdadeira democratização midiática. Contribui para isso a regulamentação liberal para esta tecnologia, por onde as emissoras podem definir seus projetos de digitalização, essencialmente a partir de seus próprios planejamentos e estratégias. Esta regulação setorial flexível não se coaduna com os propósitos originais do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), instituído pelo decreto 4.901, de 26 de novembro de 2003, que tinha, dentre outros objetivos, promover a inclusão social, a diversidade cultural do país e a língua portuguesa, visando à democratização da informação.

Concentração de capital e mercantilização da cultura

Posicionar-se de modo claro quanto à pauta da digitalização da televisão no Brasil é a postura da Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital. Composta por mais de 130 entidades, a Frente defende, entre outras questões, um marco regulatório que prepare o país para os desafios da convergência e a universalização da inclusão digital, por meio do rádio e da televisão. Organizações como essa, que lutam por um marco mais plural da comunicação, têm denunciado a falta de vontade política das autoridades brasileiras em avançar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) do decreto 5.820/06, que implanta o SBTVD.

Tais mobilizações da sociedade civil possibilitam que os esforços para retomar o caráter democrático oferecido pela TV digital possam chegar a vitórias similares à Lei do Cabo, de 1995, quando canais públicos, comunitários e universitários ganharam espaço na televisão paga, após intensa pressão popular no Congresso Nacional. No entanto, a mesma lei, que foi comemorada como um avanço, acabou não se materializando em resultados tão positivos como esperados, do ponto de vista prático, 13 anos depois, simplesmente porque o espaço conquistado está esvaziado, falido, pouco qualificado ou mesmo reproduzindo a lógica mercantil das grandes emissoras.

Mudar a direção pela qual a televisão digital brasileira está sendo encaminhada, com a intenção de priorizar o seu potencial democrático, significa incluir na luta diversas políticas de combate à concentração de capital na comunicação e à mercantilização da cultura. Significa defender a gratuidade dos serviços essenciais, o controle social do conteúdo, a disponibilidade de espaço para emissoras de pequeno porte oriundas da sociedade civil, o financiamento de propostas populares pelo lucro das maiores operadoras, a obrigatoriedade de produção local e, conseqüentemente, a diversidade cultural. Enfim, é inexistente qualquer televisão digital potencialmente plena, em sua função social, sem políticas de democratização da comunicação.

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Respectivamente, professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e graduando em Comunicação Social – Jornalismo pela Unisinos