Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O preocupante monopólio da notícia

O telejornalismo nasceu com a televisão no Brasil, em setembro de 1950. No dia seguinte à inauguração da primeira emissora, a PRF-3-TV, em São Paulo, dos Diários Associados, foi ao ar um programa de caráter jornalístico: Imagens do Dia. Incipiente, sem horário fixo, com problemas de operação, durou dois anos. Depois, entrou no ar o Telenotícias Panair, substituído pelo Repórter Esso, que trouxe para a TV a sua enorme popularidade do rádio.

Despidos de preconceitos, podemos dizer que o velho Repórter Esso foi, na verdade, o nosso primeiro telejornal. Levado para a televisão, em 1952, pela TV Tupi do Rio de Janeiro, tinha 33 minutos de duração e recebeu o nome de O Seu Repórter Esso. Programa de enorme sucesso, chegou ao fim em 1970 porque acabou não conseguindo acompanhar o ritmo de desenvolvimento dos programas de telejornalismo nacionais. A Rede Globo passa a ocupar esse espaço.

No entanto, nossa preocupação não é fazer um histórico do telejornalismo brasileiro, mas discutir a central do telejornalismo da Rede Globo que há 37 anos, através do Jornal Nacional, vem mantendo a hegemonia da informação no país. Considero que os estudos sobre o JN pouco têm se preocupado com este aspecto do noticiário que, diariamente, no horário, constrói uma comunidade imaginária que cria uma espécie de pertencimento daqueles que o assistem nos locais mais distantes deste país.

Mas, antes de discutirmos a centralidade do telejornalismo da Rede Globo e da sua importância, para entendermos a sua influência na construção da realidade social do país, numa identidade nacional, é preciso dizer que as experiências de noticiários que ocorreram no campo da informação televisiva nas demais emissoras foram efêmeras ou não conseguiram se firmar como lugares de referência, o que de certa forma enfatiza a importância do estudo dos noticiários da Globo, não de uma forma reducionista, mas crítica, no sentido de compreendermos um pouco o Brasil.

Antes de entrarmos propriamente na importância da Rede Globo não há como não destacarmos um momento pouco conhecido do telejornalismo brasileiro que foi o Jornal de Vanguarda, da TV Excelsior. Foi um noticiário que buscou um formato brasileiro com competência e criatividade, mas que sucumbiu à ditadura militar e ao general-presidente de plantão.

Avaliação rasteira

Logo depois temos o Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, que vai ao ar no horário nobre. Foi a primeira experiência brasileira que conseguiu unir instantaneamente o país. Com certeza não somos ingênuos, mas também não somos preconceituosos em procurar entender o papel que o Jornal Nacional desempenha. A história da Rede Globo não pode ser ignorada. Vale lembrar que na sua primeira edição o JN não fez uma crítica ao regime de exceção em que vivíamos.

O Jornal Nacional, como a mídia de uma forma geral, vive ao sabor dos ventos. Na ditadura foi parceiro de primeira hora dos militares e hoje dança no grande baile do governo Lula apoiando aqui e criticando ali, de olho nas eleições de 2006.

Para compreendermos como o JN se manteve tanto tempo selecionando, classificando e hierarquizando as notícias estabelecendo uma espécie de agenda do que é importante para o país ver, podemos ser simplistas na análise e dizer: ‘O Povo não bobo! Fora a Rede Globo’. Uma avaliação rasteira como essa só contribui para a manutenção do sistema, do poderoso sistema midiático hoje concentrado em pouco mais do que seis grandes empresas de comunicação. É preciso estudarmos profundamente os mecanismos e as operações de dominação, manipulação e hegemonia do JN para buscarmos pistas no sentido de entender se o país editado e ditado pelo Jornal Nacional corresponde ao Brasil real.

Jornalismo diferente?

As notícias selecionadas correspondem a uma agenda pública? As diversas vozes que constituem a sociedade estão presentes no JN? A diversidade, a diferença, os conflitos, as tensões dos diversos movimentos sociais e das ruas estão presentes também? Pesquisarmos, estudarmos e analisarmos isso é central para o aperfeiçoamento da democracia no país e para a proposição de políticas públicas de comunicação.

Por fim, nessa leitura crítica do telejornalismo não podemos ser pueris em relação aos demais telejornais. Estou falando dos senhores Sílvio Santos, da família Saad e do bispo Edir Macedo, que controlam o SBT, a Bandeirantes e a Record. Posam como críticos, mas são parceiros, defendem a lógica do capital.

É necessário estarmos atentos a isso. Recentemente, o senhor Edir Macedo demitiu, conforme foi divulgado nos jornais, o apresentador Boris Casoy sem a mínima preocupação se ele fazia ou não bom jornalismo. A pergunta que faço é: Boris Casoy, Paulo Henrique Amorim e Ana Paula Padrão, os dois últimos ex-globais que trocaram a antiga emissora em busca de um novo telejornalismo, fizeram ou fazem um jornalismo diferente do das empresas onde trabalhavam?

Ingenuidade

Com certeza não, são pequenas ilhas nas emissoras que os contrataram. Todos devem receber bons salários, o que é importante, no entanto as empresas em que trabalham, de uma maneira geral, apostam nesses jornalistas em função do prestígio que têm, esquecendo que um telejornal é uma atividade coletiva. É preciso pagar bem também aos funcionários e ter uma estrutura que possa atender às propostas dos novos contratados.

Não vai aqui uma crítica aos profissionais que, tenho certeza, pensavam em fazer algo novo. No entanto, o ditado está batido demais, mas não custa citar: uma andorinha só não faz verão. O monopólio da notícia nas mãos de uma só empresa, no caso a Rede Globo, é preocupante. Jornalistas não podemos ser mercadores de ilusão. As empresas de comunicação funcionam dentro da lógica do mercado. Para que isso mude é preciso termos claro que precisamos de projetos coletivos e não cairmos na cultura das celebridades.

Com base nessa análise é que defendo, apesar da crítica e do preconceito de alguns colegas do campo acadêmico, que é preciso sim centrar a pesquisa no telejornalismo da Globo, que vem há anos contribuindo para a construção de uma imagem do país no seu principal telejornal. Desprezarmos a importância da Globo sob o argumento que somos reféns de sua hegemonia é de uma ingenuidade que um professor, um pesquisador e um jornalista não podem ter. Não sejamos ingênuos.

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Jornalista e professor do Departamento de Comunicação Social da UFPE