Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O primeiro ombudsman da TV brasileira

A TV Cultura de São Paulo é a primeira emissora de TV do país a instituir o cargo de ombudsman. O responsável pela nova função é o jornalista Osvaldo Martins, de 64 anos, profissional escolado em mais de quatro décadas de carreira na imprensa, com passagens como repórter, editor e chefe de redação pela A Tribuna (Santos), Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, TV Globo e Veja. Fora das redações, fundou, em 1987, o Instituto Brasileiro de Estudos de Comunicação e criou no Brasil o conceito de auditoria de imagem – hoje um serviço bastante difundido no campo da comunicação corporativa. Comandou a comunicação das campanhas de Mario Covas para governador de São Paulo (1994 e 1998), e foi secretário estadual da Comunicação nas gestões de Covas e Geraldo Alckmin.

Martins está encarregado de observar, avaliar e criticar a programação da emissora do ponto de vista dos telespectadores. A partir da sexta-feira (24/9), o novo ombudsman poderá ser contatado no sítio da TV Cultura, em (www.tvcultura.com.br/ombudsman). Em novembro, depois do segundo turno das eleições municipais, contará com um programa semanal na emissora.

Por e-mail, Osvaldo Martins concedeu ao Observatório a seguinte entrevista.

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Por que a decisão de instituir o cargo de ombudsman na TV Cultura?

Osvaldo Martins – A decisão é mais um passo na direção de consolidar o conceito de TV pública. A Cultura foi, há 35 anos, a primeira TV educativa do Brasil. Mais recentemente, a primeira TV pública. Agora é a primeira emissora de TV do país a ter um ombudsman. Creio tratar-se de uma boa iniciativa visando à valorização da cidadania, da liberdade de expressão e da própria democracia.

Como o seu nome foi indicado para o cargo? E por que você o aceitou?

O.M. – Fui convidado pelo presidente da Fundação Padre Anchieta, Marcos Mendonça, antes mesmo da sua posse no cargo. Aceitei porque pretendo contribuir, modestamente embora, para o aperfeiçoamento da programação da Cultura, zelando pela qualidade a que o telespectador tem direito.

Com que ânimo assume a função? Quais seus maiores desafios?

O.M. Com o espírito de quem quer colaborar para o sucesso da Cultura. Na classificação socioeconômica adotada pelos institutos de pesquisas, o telespectador médio da Cultura está situado nas classes C e D. Ele não tem poder aquisitivo para assinar TV paga, e procura na TV aberta uma alternativa de qualidade – para si, sua família e, principalmente, seus filhos. Por isso, o maior desafio da Cultura é justamente o de oferecer conteúdos de boa qualidade, em linguagem acessível e com padrão televisivo atraente.

Como deverá operar o ombudsman da TV Cultura? Tem equipe para acompanhar toda a programação ou agirá sozinho?

O.M. – Até novembro, quando estréio um programa semanal na TV Cultura, vou trabalhar sozinho. Por enquanto, usando apenas o meio internet, conto com o recurso de solicitar fitas de programas que não pude ver quando foram ao ar. Sozinho ou com equipe, terei de me adaptar à circunstância de decidir solitariamente a respeito do que me parece certo ou errado – e fazer meus comentários. O ombudsman não é um crítico de TV, mas alguém que deve ver TV com olhos de telespectador comum.

Como o ombudsman se insere no conceito de jornalismo público adotado pela Cultura?

O.M. – Essa questão de jornalismo público é discutível. Todo bom jornalismo é público, na medida em que o jornalismo trabalha com uma matéria-prima chamada informação que, por sua vez, é um bem público – pelo menos nas democracias. Jornalismo público é uma expressão muito abrangente e vaga. Uma boa TV pública pode ser estritamente educativa, ou limitar sua programação à música, ou aos esportes, e até optar por não ter jornalismo. Na minha opinião, jornalismo ‘público’ não é o da pauta alternativa, ou diferenciada. O desafio que se coloca é outro: na TV pública, o jornalismo deve ser analítico, interpretativo, explicativo? Ele deve ser um complemento de informação qualificada ao fast news das redes comerciais? E olhe que o jornalismo não se restringe aos telejornais. O grandes temas devem se desdobrar em programas de entrevistas, debates, documentários. Isso requer inteligência, tecnologia, agilidade e muita dedicação ao trabalho. Se a opção da Cultura for por esse modelo de jornalismo, tudo vai ter de mudar, pois a atual estrutura tem foco nas hard news, como as TVs ‘comerciais’.

Qual será o espaço do telespectador na sua agenda diária?

O.M. – O telespectador vai ser estimulado a participar, sugerindo e criticando. Haverá chamadas no ar, inclusive para as crianças opinarem sobre a programação infantil. Estamos montando uma ouvidoria, que vai divulgar uma linha 0800. Na medida possível, vamos procurar responder a todas as demandas – diretamente ou pela internet e pela televisão.




Ouvidores no Roda Viva


Leticia Nunes


Na próxima sexta-feira, 24/9, o jornalista Osvaldo Martins estréia no cargo de ombudsman da TV Cultura. Será o primeiro ouvidor da televisão brasileira, e a ocasião mereceu uma edição especial do programa Roda Viva, que foi ao ar na segunda-feira (20/9), às 22h30. No debate ao vivo foi discutido o papel do ombudsman em diferentes setores, de empresas privadas a órgãos públicos e veículos de comunicação.


Do lado da imprensa, além de Martins participaram do programa o primeiro ombudsman da Folha de S. Paulo, Caio Túlio Costa, e o atual, Marcelo Beraba. Também estiveram também o primeiro ouvidor da polícia do estado de São Paulo, o presidente da Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman e os ouvidores da Sabesp, Anatel e Autoban.


Todos expuseram suas experiências e as diferenças no exercício do cargo nas instituições em que trabalham. Se nas empresas as reclamações e sugestões recebidas pelos ouvidores são levadas para dentro da própria organização, nos jornais ela é vocalizada diretamente ao público – caso da coluna dominical do ombudsman da Folha.


Autonomia e independência


Os participantes concordaram com a base fundamental para que o ouvidor faça um trabalho de qualidade: autonomia e independência. Para realizar sua função de fiscalização é necessário ter um mandato preestabelecido e garantias de estabilidade. O ouvidor tem nome e contato direto com o público, mas ao mesmo tempo não é ele em si que importa, mas o cargo que representa. Para vivenciá-lo, deve conhecer profundamente a empresa e o contexto onde ela se insere e – o mais importante – ter senso de justiça e uma boa dose de paciência.


‘O ombudsman não tem poder executivo, mas tem legitimidade para ir ao limite’, afirmou Beraba. Mesmo que a sonhada autonomia não seja completa, não existem filtros pelo menos do caso da imprensa. O novo ombudsman da TV Cultura deu como exemplo disso coluna de Beraba sobre as demissões na Folha, publicada em julho. ‘Isso é independência’, disse Martins.


Representante do cidadão


O Roda Viva debateu também qual – e se existe – a diferença entre ombudsman e ouvidor. A conclusão foi que a diferença não está no nome. A complicada palavra ombudsman tem origem sueca e significa ‘representante do cidadão’ – o que também faz o ouvidor. A diferença está no objetivo específico de cada setor e de cada órgão: defender um serviço justo para o cliente, defender o cidadão, ou defender a qualidade do jornalismo a que o público tem direito.


No objetivo geral – chegou-se a um consenso – os cargos são similares e têm, ambos, grande importância para a sociedade. Ouvindo o que pessoas comuns têm a dizer e encaminhando suas dúvidas e reclamações para dentro das empresas e órgãos públicos, ou para as páginas dos jornais, o ‘representante do cidadão’ aproxima a teoria da ação. Com isso, produz um trabalho ético e fundamental para o bom funcionamento da sociedade e para a prática dos direitos do cidadão leitor, telespectador, consumidor.