Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O quadro da dor

Há duas semana este Observatório publicou um artigo meu intitulado ‘SBT sem rumo’. Gostaria de dar seqüência à reflexão sobre o Sistema Brasileiro de Televisão. Trata-se, sem dúvida, de uma emissora diferente. Esse diferencial está justamente na simbiose entre SBT e Sílvio Santos.

Embora o SBT esteja em crise, ainda prevalece a afirmação que faço no livro Show do Milhão: imaginário de Sílvio Santos e do SBT (Editora Champagnat, 2002): Silvio Santos é o mais competente âncora da televisão brasileira. Com sua competência empreendedora, carisma e intuição, construiu um império que abrange as áreas de comunicação, financeira e comercial. Ele criou, a partir do Baú da Felicidade, um conglomerado de mais de 30 empresas, mas é pelo SBT que Silvio chega aos lares de milhões de pessoas.

Seus programas sempre foram marcados pelo desejo: o desejo de ganhar um carro, uma geladeira etc. O SBT apostou numa linha de programação que atinge substancialmente um público mais carente. Quanto maior a carência, maiores as necessidades e mais evidentes os desejos. Como grande vendedor que é, Silvio Santos considera tudo um grande negócio. Por conhecer os desejos dos mais carentes, afinal, seu público cativo por décadas, Silvio sabe como ninguém aliar lucro e satisfação pessoal.

Quando era camelô, Silvio só comercializava produtos que tivessem demanda. Sempre partindo das necessidades de algum público, ele descobria qual o melhor produto para a ocasião. Assim, vendia carteiras plásticas para título eleitoral em época de eleições, vendia refrigerante na barca Rio-Niterói, onde também fazia shows, porque o trajeto era muito monótono. Com o Baú da Felicidade, criou uma nova forma de capitalização. A partir do Baú, surgiram as outras empresas do grupo – todas elas criadas para atender à demanda do Baú. Seu programa dominical na televisão existia para fazer propaganda do Carnê e de outros produtos. Enquanto divertia o auditório e os telespectadores, Silvio Santos embolsava muito dinheiro.

Então, até o surgimento do SBT, Silvio gastava muito pouco com a produção de seu programa na televisão; em compensação o retorno era significativo, pois, além de ganhar com o merchandising, ainda fazia propaganda dos produtos de suas próprias empresas. Ou seja, seu objetivo era ganhar dinheiro. Quando o SBT surgiu, o investimento foi alto e o retorno comercial muito lento. As contas só foram equilibradas quando a emissora apostou em programas mais elitizados e investiu em nomes como Boris Casoy e Jô Soares, fazendo a verba publicitária aumentar.

Casa e novela

A concepção televisiva de Silvio Santos é manter no ar a produção que estiver dando bons índices de audiência. Até mesmo seus próprios programas deixam de ir ao ar quando perdem pontos no Ibope. Para ele, a televisão não tem função educativa ou social. É entretenimento e lucro, é um negócio como qualquer outro. Se um programa faz sucesso no exterior, ele compra os direitos ou copia a idéia. Os recentes processos entre o SBT e a Endemol, especialmente em relação à Casa dos Artistas, demonstram essa tendência.

É assim que o âncora e negociante alimenta o seu público. Ele oferece a possibilidade de ser feliz e ter acesso a bens simbólicos, a chance de ganhar uma geladeira, um tênis ou um milhão de reais. É a promessa da felicidade ao alcance de todos, felicidade sorteada, vendida, distribuída. É Silvio Santos, o vendedor de ilusões.

Vencedor – ou vice-campeão – por muitos anos, o modelo aqui descrito começa a apresentar desgastes. Tantas alterações e experimentações tornaram o SBT uma emissora sem identidade própria, totalmente dependente da intuição e das decisões diretas de seu dono. E se ‘o patrão’ está desgastado, sofre a emissora com sua identificação e falta de identidade.

O que podemos esperar do SBT? Mais uma Casa dos Artistas. E uma Casa que escolherá o protagonista da próxima novela do SBT. O que será mais doloroso, participar da Casa dos Artistas ou fazer parte do elenco de uma novela do SBT? Na telinha, vemos o quadro da dor.

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Jornalista, mestre em Comunicação Social pela PUC-RS