Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O que Dilma deveria vetar

Sei que é muito remota a possibilidade de que a presidente Dilma Rousseff venha a vetar alguns pontos da Lei de TV por Assinatura (ex-PLC 116), aprovada pelo Senado na última terça-feira. Mesmo assim, tenho um fio de esperança nessa possibilidade. Muitos me chamarão de ingênuo ou de coisa pior. Não importa. Vou fazer o apelo à consciência da presidente, embora saiba, de antemão, que raríssimos dirigentes neste País têm sido capazes de se opor ao interesse de seu grupo de apoio, ainda que em favor de 190 milhões de cidadãos.

Ainda assim, formulo aqui o meu apelo. Presidente, para o bem do Brasil, vete os artigos referentes à interferência da Agência Nacional de Cinema (Ancine) no âmbito do conteúdo da TV por assinatura, bem como os artigos que instituem as absurdas cotas de proteção às produções nacionais.

Comecemos pela Ancine

É uma violência e uma aberração permitir que essa agência se transforme em censora e orientadora das grades de programação de todos os canais, que escolha o que deve ir para o horário nobre ou o que devemos ver na TV paga. Qualquer jurista competente que possa assessorá-la, presidente, mostrará que essa ampliação dos poderes e o controle do conteúdo da mídia eletrônica pela Ancine são medidas inconstitucionais.

O segundo ponto a ser vetado, presidente Dilma, inclui os artigos que instituem cotas de proteção aos produtores nacionais. Já dissemos repetidas vezes que, em princípio, ninguém pode ser contra esse objetivo, desde que o apoio seja feito mediante incentivos, financiamento, desoneração fiscal, patrocínios públicos e privados a todos os projetos de maior relevância.

Nunca devemos optar pelo caminho fácil da imposição de cotas ou da reserva de mercado. Com a nova lei, cada canal será obrigado a exibir 3 horas e meia de programação nacional por semana, em horário nobre, sejam filmes de boa ou de má qualidade.

O Estado brasileiro deveria respeitar a opção de milhões de cidadãos que pagam uma assinatura para ver o que querem, para dispor de canais e programas diferentes, diversificados, segmentados. Não cabe a nenhum governo dizer a esses cidadãos o que ver. Isso é tolerável na TV aberta, não na TV paga. É uma imposição muito maior, portanto, do que A Voz do Brasil – que obriga à formação de uma rede nacional de mais de 3 mil emissoras, de segunda a sexta-feira, para divulgar o noticiário chapa branca.

Saída estatal

Tenho outra sugestão, presidente. Depois de vetar as cotas, a senhora poderia negociar com a TV Brasil e mais de 20 canais de TV públicos, estatais ou educativos a transmissão, durante 24 horas por dia, de conteúdo exclusivamente nacional – em TV aberta ou por assinatura. Isso não fere nosso direito de ver os demais canais, com o conteúdo que escolhemos, seja ele formado pelos piores enlatados ou por obras-primas do cinema mundial. E os programas de boa qualidade terão, sempre, espaço nos demais canais.

Salvando a lei

Com esses vetos, presidente, poderemos salvar uma lei que tem muitos méritos e que se arrastou durante quatro anos pela Câmara e pelo Senado. Ela traz avanços reais na área de comunicação eletrônica no Brasil, pois abre o mercado à entrada das teles, derruba as atuais restrições ao capital estrangeiro e unifica a legislação das três formas principais de TV por assinatura: TV a cabo, TV via satélite (ou DTH, de Direct-to-Home) e via rádio ou micro-ondas (MMDS, sigla de Multichannel Multipoint Distribution Services).

Mesmo estando longe da perfeição, escoimada de seus maiores equívocos, a lei da TV paga poderá ter efeito extraordinariamente positivo na expansão dos serviços e nos índices de penetração da TV paga no Brasil. Ouso até afirmar que, em cinco anos, o País poderá triplicar o número de domicílios servidos pela TV por assinatura, elevando a penetração atual de pouco mais de 18% para mais de 50%, ou seja, para o patamar da Argentina.

A TV por assinatura tinha até aqui alguns obstáculos sérios à sua expansão. O primeiro deles era a legislação confusa, conflitante e xenófoba. A maioria da população parecia estar satisfeita com a qualidade de TV aberta e não parecia buscar as opções muito mais numerosas da TV paga. E, na realidade, o Brasil conta com uma boa TV aberta, razão por que 97% de seus domicílios contam com pelo menos um televisor.

Novos serviços

Com a lei recém-aprovada, o usuário poderá ter acesso não apenas às novas modalidades de televisão paga, mas, também, aos demais benefícios proporcionados pela digitalização, pela fibra óptica, pelos satélites de nova geração e, de forma geral, pelas redes de banda larga. Serão serviços interativos de banda larga, como TV sob demanda (VoD, de Video on Demand), IPTV (TV com protocolo IP da internet), a TV móvel (Mobile TV) e outros. E, com maior competição, os preços tendem a cair, inexoravelmente.

Seria bom que a nova Lei da TV por Assinatura fosse apenas o começo de uma profunda revisão da legislação brasileira de comunicações, visando adequá-la ao novo cenário tecnológico e econômico desse grande setor. Mas, com a ressalva de que a futura legislação não incorra nos mesmos equívocos protecionistas ou crie qualquer forma de controle da informação ou de limitação dos direitos do cidadão.

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[Ethevaldo Siqueira é jornalista e colunista do Estado de S.Paulo]