O racha criado pelo Fórum do Audiovisual e do Cinema (FAC) pode fazer com que o projeto indústria para o cinema perca outra vez o bonde da história – como aconteceu no passado com a Atlântida, a Vera Cruz e a Cinédia. O pior é que quase todos aqueles que levaram a Embrafilme para um fim melancólico estão com voz ativa no FAC.
Em vez de buscar caminhos para o desenvolvimento da indústria cinematográfica e a sua autonomia (sustentabilidade), e medidas de proteção ao produto nacional e as conseqüentes reservas culturais e patrimoniais, estão, em nome da ‘liberdade de expressão’, querendo tomar carona na máquina ‘azeitada’ da TV, por meio da força hegemônica da TV Globo, que sobrevive hoje às custas do poder da concentração das verbas publicitárias do Estado.
Atrelar a ‘liberdade de expressão artística’ às condições deste veículo é não ter a menor visão para além da ‘manutenção de um quadro sufocantemente concentrador e baseado apenas no dinheiro público’, que não ‘teve acolhida nos espaços legítimos e democráticos de discussão’ – como se pronunciou o secretário do Audiovisual Orlando Senna, no artigo ‘A liberdade de expressão e o direito de mentir’, referindo-se ao grupo contrário à criação da Ancinav, que se apresenta como minoritário mas detentor ‘do maior PIB’, que nem ‘conseguiu convencer o Conselho Superior de Cinema e a grande maioria dos profissionais do setor’.
Novos caminhos
A Rede Globo está hoje indiretamente subvencionada. Por esta dependência econômica – e com o grupo da FAC – é que a Globo esperneia numa agonia terminal temendo o poder do Estado. Mas há limites. Ela pode ser controlada, por linhas transversas, por meio de uma ‘estatização’ via um eventual o saneamento patrocinado pelo BNDES ou, pior, ser vendida para o tubarão dos conglomerados da mídia mundial Rupert Murdoch.
Bill Gates, que estava associado ao Grupo Globo por intermédio da GloboCabo, hoje Net Serviços, quando percebeu os caminhos de risco da Globo simplesmente abandonou o barco.
Este ‘espelho partido’ é um caso típico do salve-se quem puder. E o cinema acostumado ao paternalismo e, paradoxalmente, com voz ativa reacionária, só veio a apresentar os meios para o desenvolvimento da indústria – por intermédio do Congresso Brasileiro do Cinema (CBC) – mais de meio século depois de a indústria da televisão brasileira ter conquistado mercados locais, regionais, nacionais e internacionais.
Após este gap é que chega o cinema, pretensiosamente, capitalizando para si todos os direitos de obter subsídios da indústria da TV que, pejorativamente, nomearam uma atividade audiovisual (para exaltar o cinema) com qualificações para além da atividade audiovisual(?).
Por ‘estratégia’ política, o cinema está para além do termo genérico ‘audiovisual’, com poderes voláteis abstratos que só os cineastas podem definir, qualificar e se posicionar contra a indústria da TV. A mesma indústria com a qual se aliaram para buscar subsídios na tentativa de recuperar o tempo perdido, o vácuo na história.
Enquanto o governo sinaliza com novos caminhos para buscar a sustentabilidade do cinema e da televisão através da Ancinav – Agência Nacional do Cinema e Audiovisual, ou com o provável novo nome ‘Agência Nacional do Audiovisual’ (parece ter caído a ‘ficha’, na esfera do Ministério da Cultura, quanto a dicotomia da aplicação dos termos ‘audiovisual’ e ‘cinema’), o FAC enxovalha a proposta que poderia legitimar a sustentabilidade das indústrias.
Bonde da história
A intenção do governo está muito clara, como também as ações de buscar subsídios, criar meios de distribuição (canais digitais de TV e satélites, contra os distribuidores norte-americanos), e de incentivar a pesquisa para nosso futuro ‘parque industrial’ (infra-estrutura em tecnologia e equipamentos) nas instituições de ensino e de pesquisa.
Infelizmente, o FAC mostra a sua FAC-E kamikaze e, pior, escuda-se na ‘liberdade’ vulnerável e dependente de uma concessionária do Estado, a TV Globo Ltda. Isso sem falar na perda de memória dos cineastas que nunca encontraram na TV Globo um canal de veiculação e de distribuição de suas realizações durante o último meio século. A ‘conquista’ só aconteceu por intermédio da Globo Filmes, que, mesmo assim, não contempla a mesma classe dos cineastas brasileiros membros do FAC, mas sim os diretores e produtores de televisão.
Enquanto lá fora os estúdios de Hollywood já disputam as novas plataformas HD-DVD e Blu-Ray para produzir, vender e distribuir seus filmes para milhões de consumidores do mundo todo, o FAC distorce as propostas históricas e transformadoras da Agência Nacional do Audiovisual.
Diante de tamanha pressão, que contará com grande parte dos parlamentares detentores de concessões de rádio e de TV no país, o racha pode, mais uma vez, deixar o cinema definitivamente excluído diante da possibilidade de se gerar um impasse no Congresso quando da discussão dos temas relevantes do projeto: a defesa do patrimônio, das reservas culturais e da soberania nacional – vale dizer, da identidade brasileira.
A única alternativa que restará é o governo revitalizar as diretrizes da Agência Nacional do Cinema (Ancine) e, talvez, criar uma outra agência, tipo AnaCom (Agência Nacional de Comunicação), ou pior, uma Anaconda (Agência Nacional da Convergência Digital), e revigorar as câmaras regulatórias específicas por segmento de atividade na área de comunicação digital: teles, TV, rádio, jogos, vídeo, teatro, música, dança etc.
O bonde da história já partiu e deixa para trás o cinema, que nem aceita ser uma atividade do audiovisual e subestima a capacidade intelectual do povo e do governo brasileiro.
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Professor-titular e coordenador de Radialismo da Facha – Faculdades Integradas Hélio Alonso, integrante da diretoria do Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual (Forcine) e membro associado da Associação Brasileira de Roteiristas Profissionais (ARTV)