“Não vim para esclarecer, mas para confundir” – eis a eloqüência do inesquecível Chacrinha no seu tempo, detestado por alguns e admirado por outros, proibido por um canal de TV que o considerava transgressor demais, ou que suspeitava que o humor também pode ser inquiridor. Mas o ângulo do divertimento coletivo tem mudado muito – e nem sempre para melhor – no Brasil de hoje.
O humor criativo exige muita inventividade e estabelece – ora inconscientemente, ora intencionalmente – modelos de comportamentos e parâmetros de como deve ser um indivíduo “agradável e bem-humorado”. As pessoas consumidoras da mídia, (especificamente nos programas de televisão “híbridos”, aos poucos foram sendo induzidas a pensar que o sucesso e o reconhecimento midiático lhes seria ministrado unicamente pelo caminho do ridículo. Uma seqüência cada vez mais cáustica de programas televisivos com roteiro duvidosos e de inquestionável improvisação foi impelida e apresentada como a mais efetiva medicina escapista para o grande público embebido pela luz da telinha.
Pensamento simples
Alguns programas da TV aberta insistem em apresentar a sátira oca e o desconhecimento de tudo como passaporte para a fama imediatista e volátil. Com o tempo isto acabará legitimando a idéia sustentada sobre a base de que o reconhecimento dos outros nada tem a ver com o esforço pessoal e o crescimento intelectual, senão com ser um caricato, que renega de qualquer saber e induz aos incautos a fantasiar com o prestígio insipiente e efêmero. Esta visão representa a erosão dos modelos sociais criteriosos a serem seguidos e reconhecidos.
Caso os produtores dos programas televisivos “híbridos” não ponderem os rumos que devem ser discutidos a respeito dos efeitos de longo prazo que a maioria das atuais exibições televisivas terão na população, estaremos autenticando que um estereótipo de bufão terá maior visibilidade social que os modelos seguidos por indivíduos com formação acadêmica.
Os efeitos colaterais da solapada “bestificação dos referentes na mídia” estão fazendo estragos nas novas gerações guarnecidas na sombra do pensamento simples e alicerçado na desídia. Está na hora de mostrar que quem sabe mais no mundo da telinha terá mais chances de sucesso no mundo real que o engraçadinho.
Profissionais burlescos
O humor é uma manifestação sadia do homem, mas também o é o conhecimento das ciências e da própria existência. As universidades no Brasil possuem excelentes pesquisadores, mestres, doutores e acadêmicos anônimos para a maioria da população. Por que não mostrar que também é agradável assistir às argüições de um cientista?
Em lugar de gastar tanto com programas que elogiam a estultícia, algum esclarecido midiático poderia redescobrir que o brasileiro probo, sério e perspicaz também merece o reconhecimento do público. Caso contrário teremos que aceitar a idéia de estar condenados a projetar frutíferas gerações de profissionais burlescos e sonhar com que alguém fora do Brasil nos leve a sério.
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Jornalista