Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Oportunidade de ouro para a TV pública

As características da TV pública atualmente em discussão no Brasil podem permitir uma melhora tanto quantitativa como qualitativa na cobertura científica no país. A abordagem de assuntos diferenciados, e que normalmente não têm recebido a devida cobertura jornalística, é uma dessas características. Assuntos como cultura local, problemas da comunidade e novas formas de produção cultural (como a videoarte) devem ser constantes na programação da TV pública. Da mesma forma, temas por vezes considerados difíceis e até áridos em alguns casos, como os ligados à ciência, têm uma excelente oportunidade de passarem a ser tratados de forma atraente, descomplicada e mesmo didática.

Essa possibilidade é trazida pela TV pública por seu compromisso com abordagens sem um padrão pré-definido, como o padrão Globo de jornalismo, que hoje impera em praticamente todas as emissoras de televisão do país, mesmo as não-comerciais. Certa liberdade de propor novas formas de se praticar o jornalismo, sem grandes formalidades e aproximando-se da realidade da população, é um dos grandes trunfos da proposta da TV pública. Trunfo que se encaixa perfeitamente na tentativa – em que os jornalistas científicos muitas vezes pecam – de lidar com os temas científicos de uma forma mais inteligível para a população. Por forma inteligível deve-se imaginar uma linguagem acessível, que considera um cuidado até na escolha das palavras, um formato visualmente atraente e uma abordagem sem excessos sensacionalistas e o mais objetivo possível.

Não é só pelo fato de existir a TV pública que o jornalismo científico praticado hoje no país dará um salto qualitativo. Deve haver melhor formação por parte da imprensa, que normalmente se pauta por acontecimentos do dia-a-dia, pelo factual e pelo inusitado. A ciência não pode ser tratada dessa forma. Os fatos científicos, na maior parte das vezes, são resultado de anos – por vezes, décadas – de pesquisa e não geram acontecimentos espetaculares ou sensacionais, como gosta a imprensa.

Evolução de resultados

Há de se levar em consideração, sempre, que a ciência é uma constante evolução de resultados de pesquisas. Um trabalho parte de onde outro terminou e leva o assunto até um segundo ponto, que será retomado em outra pesquisa, responsável por avançar um pouco mais no conhecimento da área. E assim é a ciência, uma interminável sucessão de pesquisas que geralmente avançam no conhecimento, mas por vezes voltam um pouco, ao questionar o estabelecido, provando que o até então aceito como verdade científica estava errado. E aí retoma-se o caminho da evolução científica.

Obviamente não se está aqui defendendo a existência de uma ciência pura, perfeita e dona da razão. Como todo e qualquer produto da ação humana, a ciência também é recheada de imperfeições e erros. Considerá-los não é demérito. Pelo contrário, é essencial para o sucesso e a popularização dos resultados científicos.

No que se refere à popularização da ciência e de seus resultados, a contribuição que a TV pública pode dar é muito grande. A exibição de programas que relacionem os resultados das pesquisas com o cotidiano da população, sobretudo o das crianças, é algo em que se deve investir. Mostrar que não existe nenhum bicho de sete cabeças nem grandes e complicadas fórmulas matemáticas na ciência é função da imprensa especializada na cobertura dessa área.

Simplificação da linguagem

Quanto mais simples for a linguagem, sem deixar de lado a rigidez do método científico, mais popularizada ficará a ciência. Simplificar a linguagem científica não é desmerecê-la nem rebaixá-la, como receiam alguns cientistas. É torná-la mais próxima da realidade das pessoas e fazer com que a ciência tenha reconhecido, na sociedade, seu caráter de inovação e de trabalho em favor de uma vida com mais qualidade. A popularização da ciência deve ser perseguida de todas as formas pelo jornalismo especializado. Testar opções e alternativas para que esse trabalho seja executado é função, também, da TV pública.

Quando se fala de linguagem jornalística na ciência, sempre se retoma uma velha discussão. De um lado, os cientistas consideram que os jornalistas, além de não entenderem suas pesquisas, quando falam delas o fazem de forma muito simplista e cheia de erros grosseiros do ponto de vista científico. De outro lado, os jornalistas consideram que os cientistas, na maior parte das vezes, se vêem como donos da razão e são inacessíveis, não descendo de seu pedestal de doutores sabe-tudo.

Essa dicotomia deveria estar ultrapassada, mas ainda não está, em muitos casos. Mas há sucesso em algumas situações, quando ficou mostrado que o cientista precisa do jornalista e vice-versa. Os trabalhos dos dois se complementam e chega-se a uma divulgação tecnicamente correta e comunicacionalmente eficiente. Quando se deixam de lado vaidades e superficialidades – que existem dos dois lados, é bom lembrar –, quem ganha é o público, que passa a ter acesso a uma divulgação de qualidade. A TV pública tem muito a oferecer nesse sentido, permitindo que sejam nela exercitadas alternativas inovadoras de divulgação científica.

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Jornalista da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em Sete Lagoas (MG) e estudante de pós-graduação lato sensu em Comunicação Pública pela PUC Minas