Passados seis meses da criação da Empresa Brasil de Comunicação, a dinâmica do trabalho do Conselho Curador indica com clareza as limitações do modelo escolhido pelo governo federal para a representação da sociedade dentro da estatal responsável por criar o embrião de um sistema público de comunicação. Segundo organizações da área da comunicação, a indicação dos conselheiros foi feita pelo governo e as funções estabelecidas para o colegiado dentro da EBC – restritas ao acompanhamento e fiscalização – resultaram na criação de uma instância que é pouco capaz de intervir dentro da estrutura da empresa e dos seus veículos.
Ao mesmo tempo, as decisões tomadas até agora pelos conselheiros sobre o funcionamento da instância não ajudam a superar estas insuficiências.
Quatro meses após a posse dos 15 conselheiros indicados pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, foram realizadas duas reuniões ordinárias, além da sessão inaugural. As atas destes encontros não foram tornadas públicas. Isso significa que a sociedade não pode saber, por exemplo, que posições cada conselheiro – que, em tese, a representa – assumiu em cada debate.
Segundo o presidente do Conselho, o economista Luiz Gonzaga Beluzzo, não é intenção do colegiado que a publicação das atas seja uma prática corrente. Para Beluzzo, as funções da instância são internas. Ele acredita, ainda, que as decisões mais importantes ganharão visibilidade pela cobertura da imprensa, como vem acontecendo até agora.
Outro detalhe que elucida a relação estabelecida entre conselho e sociedade é a não divulgação dos registros de presença dos conselheiros. Este registro é organizado por um funcionário da EBC, responsável por secretariar as reuniões. Não é, segundo Beluzzo, uma informação sigilosa, mas tampouco será divulgada amplamente.
O problema, aqui, é que a participação nas reuniões é um critério para a permanência de uma personalidade no conselho. Com três faltas injustificadas em 12 meses, o conselheiro pode ser afastado do colegiado. Nesse sentido, o presidente do colegiado é enfático ao dizer que ‘serão seguidas as exigências do estatuto’.
Audiências públicas
A única medida aprovada até agora pelo Conselho Curador da EBC que permitirá a interação da sociedade com o colegiado é a realização de audiências públicas, pelo menos uma por semestre. O formato definido pelos conselheiros, no entanto, é o da participação por convite. ‘Não será um ´vai quem quer´. A idéia é que as audiências sejam temáticas e que os conselheiros possam ouvir e falar com representantes de organizações que já tenham história nos debates sobre comunicação ou o que quer que esteja em pauta’, explica Beluzzo.
‘A ritualística atual não corresponde ao que esperávamos do Conselho Curador, mas isso é decorrência do modelo de gestão adotado. Este formato ‘Academia Brasileira de Letras’ do conselho não ajuda a instaurar um caráter de fato público à EBC’, avalia o coordenador do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Celso Schroeder.
Para o conselheiro Luiz Edson Fachin, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, a decisão sobre as audiência públicas é positiva, mas insuficiente. ‘Se o conselho não possuir mecanismos de diálogo efetivo com a sociedade, nós corremos o risco de ter um conselho fechado em si mesmo. E isso contradiz a sua natureza, que é justamente ser a ponta com o cidadão’, avalia Fachin, referindo-se especialmente à ausência de canais diretos e permanentes de contato entre os cidadãos e o colegiado. No site da EBC, por exemplo, não há um local para o envio de mensagens ao Conselho Curador, nem mesmo a indicação de um endereço para envio de correspondência.
‘Para avançar neste sentido, seria fundamental iniciar tornando suas reuniões abertas e suas atas públicas. Outra contribuição seria ter papel ativo, promovendo audiências públicas em locais e junto a diversos segmentos sociais’, avalia Jonas Valente, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. A realização das reuniões do Conselho Curador em localidades diferentes, segundo Fachin, já é uma proposta em discussão entre os conselheiros.
Ouvidor e secretário
A instalação da Ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação, medida prevista na lei 11.652, deve resolver em parte a questão da comunicação entre os usuários das mídias gerenciadas pela estatal e a própria empresa. A previsão da figura do ouvidor e a abertura de um espaço de pelo menos 15 minutos na TV Brasil para que este apresente suas avaliações ao público foram incluídas na lei durante a tramitação no Congresso da Medida Provisória editada pelo Executivo. Ambas as medidas são consideradas grandes avanços.
Segundo a direção da EBC, a instalação da Ouvidoria é uma prioridade e a indicação do primeiro ouvidor já está sendo encaminhada. Além disso, a direção estaria comprometida com a criação de ouvidorias por mídia. Assim, a TV teria um ouvidor próprio, assim como o conjunto das rádios exploradas pela empresa e a Agência Brasil (que funciona na internet). Estes ouvidores-adjuntos se reportarão à Ouvidoria da EBC.
A ponte entre o ouvidor e o Conselho Curador está garantida também na lei 11.652. O ouvidor tem assento no colegiado, assim como os membros da direção da EBC, todos sem direito a voto.
O presidente do Conselho, Luiz Gonzaga Beluzzo, no entanto, acredita que o acompanhamento que o colegiado precisa fazer do trabalho da EBC é diferente do que se espera da Ouvidoria. ‘O ouvidor serve à diretoria-executiva. Não quero este tipo de mistura. Não podemos ter nossa relação com a empresa baseada num órgão que está ligado à direção’, comentou.
A idéia de Beluzzo é que o secretário-executivo do Conselho Curador desempenhe a função de acompanhar o cotidiano da EBC e municie o colegiado tanto para que este defina a sua pauta e a desenvolva. Segundo o presidente do Conselho, a diferença fundamental entre o secretário-executivo e o ouvidor é que o primeiro tem uma função estritamente interna à EBC. O secretário poderá, claro, manter contato com a Ouvidoria, mas não terá responsabilidade de dialogar com o público.
A criação da Secretaria-executiva do Conselho já foi aprovada pelos conselheiros. De acordo com Beluzzo, já há a indicação de um nome para ocupar este posto. A indicação foi feita pela presidente da EBC, Tereza Cruvinel, e está sendo avaliada.
Capacidade de intervenção
Schroeder, do FNDC, diz ser necessário ainda dar tempo ao tempo para que a EBC e o próprio Conselho Curador organizem sua rotina. Avalia que é muito positivo que se tenha estabelecido uma estrutura de fiscalização da EBC e dos veículos ligados a ela. ‘Fiscalização é desejável e melhor que a não-fiscalização’, salienta. O problema, entretanto, é que o Conselho Curador não tem o status de ‘primeira instância de decisão’.
‘O fato do Conselho Curador ser apenas uma estrutura subjacente à gestão de fato, que é feita pelo Conselho de Gestão ainda muito ligado à estrutura de governo, faz com o modelo seja uma mistura entre o estatal e o privado, mas não público’, diz Schroeder, do FNDC. Uma das questões que poderia estar sendo definida dentro do conselho, aponta Schroeder, é a forma de estruturação da rede da TV Brasil, como será a relação entre ela e as emissoras educativas que venham a fazer parte da rede.
Jonas Valente, do Intervozes, ressalta que há espaços possíveis de intervenção junto à EBC para que esta assuma modelos mais democráticos e participativos na gestão. Uma destas oportunidades é o estabelecimento das regras para a consulta pública que terá de ser realizada na renovação da composição do Conselho Curador. A consulta está prevista na Lei 11.652, que criou a EBC em definitivo, mas não foram estabelecidos os parâmetros para a indicação de candidatos ou a forma de escolha, por exemplo a votação direta, dos futuros conselheiros.
******
Do Observatório do Direito à Comunicação