Deu o que era esperado. O economista João Sayad, 64 anos, que há poucos dias anunciou seu desligamento da Secretaria de Estado da Cultura, é o novo presidente da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV e das rádios Cultura.
Sayad foi eleito para o cargo na manhã de segunda-feira, 10, com 35 votos do conselho da fundação, constituído de 47 membros (4 abstenções e 8 faltosos). Sucede o jornalista Paulo Markun, cuja gestão, embora inovadora, vinha colecionando críticas – algumas supostamente atribuídas ao ex-governador José Serra, hoje em campanha presidencial.
Nesta entrevista exclusiva ao Caderno 2, Sayad não entrega nomes, nem revela situações, mas confirma o descontentamento com a gestão Markun que, para uma parte do conselho, pecava pela falta de foco. O eleito já traça linhas de trabalho: quer rediscutir a missão da TV Cultura (nada terá de parecido com o projeto da TV Brasil, que considera estatal e ‘irrelevante até o momento’), declara seu interesse por um jornalismo mais incisivo e menos politicamente correto, e admite disposição para enfrentar imbróglios trabalhistas de uma fundação pública de direito privado que muitas vezes passa por autarquia: ‘Tentarei me livrar dessa ambiguidade.’
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Quando sua candidatura se viabilizou?
João Sayad – Há pouco tempo fui chamado pelo governador (Alberto) Goldman para lhe dar um relato do que fora feito na secretaria. Ele então me perguntou sobre a TV Cultura e respondi o que penso: vejo um grande problema jurídico, com passivo trabalhista, sem falar no problema substantivo, ou seja, do que a TV Cultura deve se ocupar. Markun avançou, mas, a meu ver, menos do que deveria. Em outra conversa, o governador me perguntou se eu queria ir para a TV Cultura e eu disse que sim.
Comenta-se que sua candidatura fez parte de uma acomodação política, por ser mais ligado ao ex-governador Serra do que ao ex-governador Alckmin.
J.S. – Isso é bobagem, para usar um termo educado. A TV Cultura não é o Metrô, nem a PM, nem a Guarda Nacional… e eu não me tomo por homem de partido, fui inclusive secretário municipal do PT. Sou amigo do Serra, mas nada tenho contra Alckmin. Essa interpretação que vi nos jornais parece falta de assunto. Também se disse que houve uma acomodação para o Andrea Matarazzo me suceder na secretaria. Ora, é um ônus para ele assumir uma pasta nos meses finais do governo, com tanta coisa em andamento. Também já ouvi que eu assumiria para blindar a TV Cultura. Blindar o que, de quem? Você também poderia me perguntar: por que deixar agora a Secretaria da Cultura, com várias inaugurações previstas, e assumir um desafio tão complicado?
E por quê?
J.S. – Porque as reformas que posso fazer à frente da fundação completam o ciclo de inovações que fiz na secretaria. Gosto de ser administrador público e preciso trabalhar. Mas não preciso deste emprego, especificamente.
Como avalia a gestão de Markun?
J.S. – Ele fez muita coisa. Tentou organizar a programação, resolveu problemas administrativos e as críticas que fazia à gestão dele, como conselheiro que eu era da fundação, refletem minha forma de trabalhar. Sei que faço críticas incômodas. E há um traço meu: detesto o ‘politicamente correto’. Discursos por cidadania, sustentabilidade, dignidade, tudo isso me soa vazio. Continuo sendo um professor ranzinza que, ao ouvir esse tipo de conversa, provoca: ‘Mas do que você está falando?’ Numa reunião, um conselheiro da fundação começou a reclamar da baixa audiência da TV Cultura. Discordei. TV pública deve oferecer um bem público. O que é bem público? Algo que, mesmo não o ‘consumindo’, você quer saber que existe e está lá. Como Justiça, segurança pública, etc. Se nossa preocupação com audiência for dominante, então chamemos o Ratinho. Ele, sim, alavanca.
Audiência não será a preocupação?
J.S. – Não pode ser a maior preocupação, até porque não é só a TV Cultura que vem perdendo audiência, o fenômeno é generalizado. Difícil hoje é definir o espírito da TV pública. Não se trata de uma discussão trivial. Exige esforço para se chegar ao conceito e, depois, ao detalhamento do que deve ser realizado. É um longo caminho. Uma das tentativas do Markun foi levar a TV Cultura para perto dos jovens, mas, será que é isso? Eu não sei, vamos discutir. Se você zapeia os canais, vê que a oferta de programação é imensa, coisas boas e ruins. Minha proposta é gastar algum tempo, quatro a cinco meses talvez, nessa discussão. E depois ir adotando mudanças, sem cair no aleatório. Até porque, na televisão, é importante preservar a estabilidade da grade.
O senhor não está mesmo contente com o que vem sendo feito hoje?
J.S. – Eu e muitos membros do conselho. Não será fácil recuperar o prestígio da TV Cultura. Fala-se que é preciso recorrer à pesquisa de opinião para saber, por exemplo, que tipo de jornalismo a emissora deve fazer. Como fazer pesquisa sobre algo que nem nós sabemos? Vira jogo de espelhos, com definições vazias do tipo ‘vamos fazer jornalismo policial’, ou ‘jornalismo cidadão’ ou ‘jornalismo verde’, só porque a pesquisa sugere.
Por que a emissora perdeu importância?
J.S. – Por várias razões. A principal é que o setor televisivo se expandiu, ganhou um número imenso de participantes no sinal aberto e a cabo, fora a concorrência externa que vem pela internet. E houve a perda de importância, sim. O Roda Viva nasceu na ditadura. Além dele havia outros bons programas jornalísticos numa época dificílima. E hoje? O que temos? Também se fala da qualidade dos programas infantis da emissora, mas é preciso reconhecer que a concorrência cresceu muito, com canais especializados para tudo quanto é tipo de desenho animado. Sem falar das possibilidades da animação digital. Os estúdios da Pixar hoje batem qualquer dessas coisas. E eu sou fã (ri).
Houve, na gestão do Markun, um empate de energias para se conseguir mais dinheiro dos cofres do governo.
J.S. – A TV Cultura acabou recebendo os recursos de que precisava, algo como R$ 85 milhões no último ano. Houve momentos críticos, naturais em qualquer disputa orçamentária, mas o dinheiro chegou. Só há uma situação trabalhista bem complicada. Há passivos que a televisão joga para cima do governo, que por sua vez não os aceita e cria embaraços. Cai sobre a mesa uma ação trabalhista de R$ 10 milhões e daí vem a pergunta: quem paga, o Tesouro ou a emissora? Eis uma parte do trabalho a ser feito. Às vezes a TV Cultura é vista como pública, e então o juiz garante estabilidade ao funcionário. Outro juiz a entende como empresa privada, então vem o sindicato por cima dela. É complicado.
Discutir o modelo de TV pública tem a ver com a instalação da TV Brasil?
J.S. – É importante discutir modelos e o da TV Brasil não nos interessa. Porque ela funciona como uma estatal, bem diferente da TV Cultura, que é uma fundação pública de direito privado, que dorme e acorda pensando em como manter sua autonomia em relação ao governo. Tem autonomia política, administrativa, só não tem a financeira. Mas o item primeiro do seu estatuto trata de autonomia e seu conselho existe para que isso seja mantido. Quanto à TV Brasil, não me parece que venha ocupando espaço relevante. Nem em termos de audiência, nem em termos de programação.
A TV Cultura faz jornalismo com total independência em relação ao Palácio dos Bandeirantes?
J.S. – E por que não faria? Pensando o governo como um todo, ela é tão pequena… Seja quem for que ocupe o palácio, estará muito mais preocupado com obras, saneamento, segurança pública. O governador Serra olhou para a TV Cultura porque se interessa por ela, mas tinha outras prioridades. Agora, não é porque estamos numa TV pública que vamos fazer jornalismo chato, para trouxas. Tem que inovar. Vou contar uma coisa: eu gostaria de desenvolver na emissora um ‘jornal dos jornais’. Um programa em que se faz a leitura crítica da imprensa. Ontem eu li uma longa matéria econômica e, ao término, em que pese a minha formação na área, liguei para o editor e disse: ‘Olha, não entendi nada. A tabela não corresponde ao texto, não sei do que você está falando.’ Então, alguém precisa comentar o que é publicado. Hoje, coberturas vêm acompanhadas de análises simplistas, muitas vezes terminando com aquela nota populista de que só o governo é capaz de resolver tudo.
Suas reflexões parecem estar muito voltadas para o jornalismo.
J.S. – Não, a ideia é abrir a TV Cultura para criadores de todas as áreas. Mesmo no jornalismo, não penso que a saída seja o conselho contratar o jornalista X para fazer o programa A. Por que não abrir um concurso na área? Definiríamos alguns critérios e estimularíamos propostas. De repente, vamos nos deparar com a proposta de um jovem de 20 anos, sei lá. Eu não quero mexer em nada neste momento. Vamos investir em um tempo inicial, com ajuda de talentos, para definir o que se quer. Mudanças serão graduais. Nem tenho preparo para sair trocando tudo. O que tenho, e talvez seja uma vantagem, é capacidade de reunir especialistas que nos ajudem nessa etapa. Quero ser todo ouvidos.
Na secretaria, o senhor inovou o modelo de gestão ao contratar organizações sociais para administrar instituições públicas. E agora?
J.S. – A gestão na Rádio e Televisão Cultura precisa ser aprimorada, começando por nos livrar da ambiguidade jurídica. Como já disse, esta é uma fundação pública de direito privado que não pode ser vista como autarquia. Precisa ter flexibilidade, liberdade e também dinheirinho para assegurar a autonomia. Quanto à secretaria, saí satisfeito com as reformas que fizemos no ensino de música, a construção de dois museus importantes, o Museu do Futebol e o Museu da História de São Paulo, muito feliz com a Biblioteca de São Paulo, com a organização dos festivais, o Prêmio SP de Literatura, as Fábricas de Cultura, uma escola de teatro, uma companhia de dança, vem aí o novo MAC… enfim, saí realizado e um tanto aflito, porque nos próximos meses o Andrea (Matarazzo) vai ter que terminar muita coisa.
O senhor parece ter gostado de ser um administrador da área cultural.
J.S. – É verdade. Pelo fato de não ser um homem de cultura, exorcizo a inveja que há no meio… (ri). E, sendo externo ao meio, tenho ouvidos mais limpos e posso tomar decisões mais impessoais. Você imaginou se eu fosse um maestro ou um artista plástico?
Que peso José Serra dará para a Cultura se vier a ser o futuro presidente?
J.S. – Ele está sensibilizado, tanto que multiplicou por quatro o orçamento do setor. Muitos dos projetos que toquei foram ideia dele: a escola de teatro, o Museu do Futebol, o Museu da História de São Paulo, a desocupação do Detran… Quem tirou aqueles delegados com pinta de banqueiro lá de dentro do Detran não fui eu. Foi ele (ri).
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Jornalista