‘Só há livre informação, diversidade política, econômica e cultural onde a mídia é descentralizada. Quando um grupo econômico tem o poder da mídia, usa essa força para dominar mercados e limitar a concorrência, o que aumenta seus lucros. Os quase-monopólios e cartéis gastam fortunas na grande mídia, não para aumentar as suas vendas, mas para a calar. Quem divulga que o maior índice de reclamações de consumidores em Espanha é contra os bancos e a Telefónica?’
Assim começou meu artigo neste Observatório, em 14/12/2004 [ver remissão abaixo]. Nele descrevi como poucas famílias dominam a mídia em Portugal. OK enquanto o grupo é só de mídia, pois usa recursos de um meio para complementar outro. O problema é quando um grupo econômico que atua em cinco ou seis diferentes setores – como cortiça, supermercados, imobiliário, bancário – adquire uma TV. Ele o faz para influenciar a opinião – e assim o governo – com o objetivo de criar um quase-monopólio ou cartel num claro abuso do poder econômico.
Isto leva ao corporativismo que dominou Portugal com Antonio Salazar nos idos 1930-60, e que levou Hitler a tentar dominar a Europa. Hoje a guerra usa milhões e televisão em vez de canhões e repressão. Com a mesma meta: levar todos a comprar o mesmo peixe: ontem lutas e sacrifícios, hoje cosméticos e supérfluos.
Há anos a emissora portuguesa TVI tem ações registradas em nome da Betelsmann alemã, da Prisa espanhola e do Media Capital, grupo português. Ela ia mal e resolveu apelar para sexo, antes não usado pela TV portuguesa, com raras exceções. Copiou o Big Brother – aqui chamado Quinta das Celebridades –, mostrou Fiel ou Infiel e trouxe uma apresentadora de noticiário com lábios cheios de silicone que mexem como no ato sexual; além de filmes de imensa violência e comédias de sexo.
A audiência da TVI pulou de uns 20-25% para 35%, a economia melhorou e o ‘patrão’ português começou a negociar a maior parte de suas ações. Não com o grupo que é só de mídia, mas com os espanhóis. Até aí normal, para obter lucro. Mas…
A TV SIC, que tinha 30% e agora tem 25% de audiência, captou 44% da publicidade em canais abertos até julho de 2005, e a TVI ficou com 39%. E isso vai continuar, pois a publicidade consciente não quer aliar sua imagem a programas contestados pela população de melhor poder aquisitivo. Assim, a TVI não é tão lucrativa. Mas quem detém o seu controle passa a influenciar uma importante parcela dos eleitores, o que interessa a grandes grupos econômicos.
TV forte
Apesar de haver um enorme registro de reclamações e até processos por abuso do poder econômico em cartéis e monopólios locais contra um banco, a Telefónica e cinco outros grupos espanhóis, muitos órgãos da imprensa não se referem a esses casos.
Qual então o interesse da Prisa em dominar a TV portuguesa, mesmo sem lucro? Ou seriam as agências de publicidade por trás da Prisa que querem a TVI? Qual o interesse da Telefónica, Repsol, Iberdrola nisso?
Desde há anos estes e outros grupos espanhóis tentam dominar setores monopolizados ou fortemente cartelizados em Portugal, onde os lucros são elevados. Mas encontram forte resistência entre alguns grupos portugueses e, sobretudo, a opinião pública – esta influencia o governo, que às vezes, em defesa do povo português, usa sua golden share para fazer exigências sobre transações desse tipo, o que é sua obrigação.
Será que uma TVI dominada por grupos econômicos espanhóis poderia criar uma imagem positiva para essas transações? Será que, ao influenciar 35% dos eleitores, poderiam ameaçar a independência de qualquer governo que seja, sempre temeroso de perder votos?
Na Europa do Norte não é permitido a estrangeiros ter parcela acionária significativa de empresas de mídia. No Brasil não era. Por razões estratégicas, sempre foi assim. Nos EUA, onde havia mais tolerância, houve forte reação depois que empresas japonesas adquiriram a maioria votante de um grande conglomerado de mídia.
Será que uma TV forte não derruba um governo quando este não lhe agrada? Ou esquecemos como foi abafado o resultado da CPI do assassinato de John Kennedy, e criado o impeachment de Fernando Collor?
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Consultor, autor de A grande pequena empresa e Empreender turismo e ecoturismo (no prelo)