Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Pertinentes comentários globais

Na quarta-feira (13/2), comentários instigantes no Bom Dia Brasil, de Miriam Leitão e Alexandre Garcia.

Miriam, perspicaz, aponta surgimento de novo tempo no cenário capitalista norte-americano ao destacar a surpreendente decisão dos bancos, nos Estados Unidos, de renegociarem dívidas com os clientes inadimplentes do setor imobiliário, ao lado de propostas dos próprios empresários das construtoras de fazerem o mesmo, esticando prazos, algo que, certamente, motivou união das três partes – bancos-empresas-consumidores – em busca de soluções para desbloquear o angu de caroço geral em que se transformou o mercado de crédito na praça norte-americana, com repercussões internacionais, jogando as bolsas na gangorra.

Bancos e empresas, nos EUA, em vez de correrem em busca de socorro do governo, como ocorre no Brasil – aqui está a novidade da colocação excelente da repórter –, arregaçaram as mangas e partiram para a solução mais simples: consenso negocial. É a chamada secutirização. Adam Smith, em A riqueza das nações, diz, relativamente à dívida pública dos governos, que o papagaio financeiro não é nunca liquidado, mas rolado, necessariamente rolado. No plano das relações empresas-bancos-clientes, isso ocorre há tempos, como dado da sociedade capitalista norte-americana, que sobrevive do crédito direto ao consumidor.

Uma jogada bancária

A crise monetária em curso, parecida com edifício balança-mas-não-cai, abre-se para novos paradigmas, sinalizando que as relações governo devedor-banqueiro credor, assim como cliente devedor-banqueiro credor, podem passar por experiências semelhantes, a fim de desobstruir a ação bancária, que vive de empréstimos que se renovam ininterruptamente, como a própria natureza do sistema. Encalacrou? Sopra a poeira.

O poder que estaria mantido com o credor ou o devedor passou a ser também poder quando joga com o seu triunfo – a dívida impagável – cujos efeitos podem causar estragos globais, se não merecer a atenção indispensável do critério da negociação mútua?

Já Alexandre Garcia, nas águas das críticas crescentes em relação às medidas provisórias, atacadas, em conjunto, nesse momento, pelos presidentes, tanto da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), como do Senado, senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), ressaltou o que considera desnecessidade: a criação, por MPs, da TV pública.

Os defensores desta, num primeiro momento, sentem o desejo de destacar que o competente repórter da Globo é contra a TV pública sendo um dos expoentes da TV privada, ou melhor, que estaria fazendo o jogo da Globo. Na verdade, mostra-se coerente com as posições dos próprios jornalistas em geral, que há anos vêm criticando a prática abusiva dos governos em administrar o país via medidas provisórias, uma jogada, tipicamente bancária, tocada pela pressa, configurando, no país, o que o falecido senador Lauro Campos denominava de bancocracia neorepublicana.

A pecha de ser temporária

O próprio ministro Franklin Martins, hoje influente articulador político dentro do Planalto, foi, antes de chegar ao poder, crítico das MPs, na condição de jornalista e comentarista político, também na Globo, depois na Band. Ao sentar na cadeira poderosa, porém, virou pelo avesso e passou a apoiar a criação da TV pública pelo expediente que antes abominava, sob argumento semelhante aos dos que atualmente se alinham ao seu lado governista.

Seria de caráter urgente e de grande relevância a criação da TV Brasil por tal estratégia, para que seja taxada de providência necessariamente provisória, a exemplo do que determina o texto constitucional?

O debate está aberto. No momento em que os dois presidentes congressistas caminham para concordância de que as MPs precisam passar pelo filtro da Comissão de Constituição e Justiça – para saber se são urgentes e relevantes as propostas encaminhadas, em enxurradas, pelo Executivo ao Legislativo, caracterizando a provisoriedade permanente da Nova República em suas decisões republicanas – a colocação de Alexandre Garcia revela-se oportuna, necessária.

Se a TV pública for aprovada em caráter provisório, cairá sobre si a eterna pecha de ser algo igualmente temporário, pois provisório é o que não é definitivo, consensual, mas forçado.

Contribuição inestimável

É urgente, é relevante? Sem dúvida. Perguntem aos franceses, ingleses, italianos etc. se a TV pública, assim como a privada, é relevante e urgente. A história contemporânea demonstra que o avanço da social-democracia foi determinante, enquanto debate público, via TVs públicas sobre as questões econômicas e políticas européias e globais.

Foram elas criadas na base da provisoriedade, nos parlamentos, ou surgiram por consenso decorrente de ampla discussão, cujos efeitos foram tornar perenes, por exemplo, os benefícios trazidos por uma BBC?

Intensifica-se, portanto, o debate no Congresso, mobilizando a sociedade em torno da proposta da TV Brasil, que já está dando o que falar por exercitar tarefa de grande relevância social, especialmente no plano da cultura, coisa que a TV privada desdenha em nome dos interesses privados, configurando tremendo maniqueísmo, já que os critérios de qualidade – conteúdo – são colocados em segundo plano em relação aos de quantidade – forma – na tentativa reiterada da indústria cultural massificadora de alienar as mentes de forma generalizada.

Não seria mais autêntico que a TV pública fosse fruto de tal mobilização pela aprovação por meio de projeto de lei, passando pelo interior dos partidos – canal democrático –, em vez de por meio de MPs, que viciam a atividade legislativa?

Ademais, não seria, caso seja a opção escolhida a forma de projeto de lei, inestimável contribuição às reformas políticas?

Miriam e Alexandre brilharam naquela edição.

******

Jornalista, Brasília, DF