Há algum tempo a pauta da diversidade sexual tem sido discutida em nossa teledramaturgia. Embora nem sempre da maneira desejada, aos poucos a ideia vem ganhando força e contornos de que ela está sendo efetiva e servindo para algo mais além de críticas e buchichos. Se há poucos meses estávamos celebrando TiTiTi devido à sua abordagem com a história de Julinho (André Arteche) e Thales (Armando Babaioff), agora podemos fazer o mesmo com Insensato Coração, que de longe mexeu com muito mais feridas do que se poderia imaginar.
Esqueça as barrigas homéricas em sua trama principal e mocinhos insossos. Esqueça também a polêmica do beijo gay que acabou se tornando mais um verdadeiro carnaval sem razão do que um simples gesto de afeto. Exercite também sua memória seletiva em prol do bem e, por um minuto, esqueça as sequências escritas pelo autor, porém cortadas pela alta cúpula diante de um público terrivelmente conservador. Insensato Coração traz à tona discussões muito mais efetivas e pontuais em torno das descobertas e do preconceito.
Descobertas, diante do relacionamento de Eduardo (Rodrigo Andrade) e Hugo (Marcos Damigo), muito atribulado em seu início por Eduardo relutar o fato de sentir desejo por alguém do mesmo sexo. Preconceito, diante da homofobia expressa por diversos personagens, sendo os mais frequentes o jornalista Kléber (Cassio Gabus Mendes) e o bad boy Vinícius (Thiago Martins) e que chegou ao cúmulo essa semana com a morte de Gilvan (Miguel Roncato).
Violência e hipocrisia
Gilvan era um personagem que estava além de qualquer suposição que se possa fazer a respeito da não confiabilidade dos crimes praticados contra homossexuais – muito alegada para quem ignora qualquer menção à criminalização da homofobia. Era apenas um menino do bem lutando contra o preconceito, seja ele moral ou físico, que infelizmente significou o fim, através da mão pesada e dos punhos cerrados de gente que não aceita a diferença. Um crime abordado de um modo que se torna muito maior do que a novela em si e uma polêmica com efeito muito maior do que a simples espera incessante por um beijo. Os números provam o quanto o assunto deve ser discutido: um estudo divulgado em abril pelo GGB(Grupo Gay da Bahia) revelou que 260 gays, lésbicas e travestis foram assassinados no Brasil em 2010. Com relação ao mesmo período do ano passado, o crescimento foi de 31,3% (198 mortes violentas) e a situação fica ainda pior em comparação aos últimos cinco anos, com o aumento de 113%.
Na ficção, a probabilidade é de que Gilvan não seja mais um naquilo que diga respeito a impunidade. Ainda mais quando até Kleber vai deixar sua “macheza” de lado em prol de justiça ao denunciar e pressionar autoridades a respeito do caso. Na vida real, temos apenas a esperança de que algo possa mudar e que diferenças possam ser aceitas, e não esmagadas por gente intolerante ou indiferente ao que acontece do lado de fora. Ver uma história exposta dessa forma apenas ressalta o fato de que ainda podemos ter fé neste futuro de paz e com um mínimo de civilidade: um dia ainda poderemos assistir a um beijo gay, mas antes com certeza preferimos ver o fim da violência e da hipocrisia desmedida.
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[Emanuelle Najjar é jornalista, São José do Barreiro, SP]