A resposta é sempre a mesma: Se você não está satisfeito com a programação da TV aberta que troque de canal! Entretanto, o argumento liberal não resolve o problema, já que as opções são poucas e a qualidade que se vê por aí está nivelada. Por baixo. Há quase dois anos, a sociedade decidiu exigir com mais força uma melhora dos conteúdos veiculados na TV brasileira e o resultado foi o lançamento da campanha ‘Quem financia a baixaria é contra a cidadania’, que recebe denúncias dos telespectadores sobre os abusos na televisão e intercede junto aos patrocinadores para que sequem a fonte de financiamento dos programas apelativos.
Atrelada à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, a campanha já recolheu mais de 11 mil manifestações da população desde 2002. Geralmente, as denúncias estão ligadas à apresentação de cenas de sexo e violência em horários inadequados, à incitação ao crime e a atos violentos, ao reforço de preconceitos e ao incentivo à discriminação. Em suma, a baixaria a que a campanha se refere é o atentado aos direitos humanos do cidadão comum, que se sente impotente frente à tela da TV. Toda pessoa que se sente constrangida, ofendida ou oprimida por qualquer conteúdo transmitido pelas emissoras de TV aberta pode fazer denúncias no site (www.eticanatv.org.br) da campanha ou por um telefone gratuito (0800-619619). Os casos relatados vão compor um ranking dos piores programas da TV, e esta lista é divulgada publicamente para que a pressão popular faça o seu papel.
A idéia é inteligente: que empresa séria vai querer vincular seus produtos e sua marca a um programa que é considerado ruim pelo próprio público? Além da organização do ranking dos piores, o Comitê de Acompanhamento da Programação (CAP) monitora os programas mais citados e elabora pareceres que fundamentem jurídica e tecnicamente a classificação.
Até agora, já foram divulgados cinco rankings, e os campeões da baixaria foram: João Kleber (Rede TV! – por exploração humana e pornografia), Domingo Legal (SBT – por apelo sexual e sensacionalismo), Canal Aberto e Eu vi na TV (com João Kleber, da Rede TV! – por exposição de pessoas ao ridículo, discriminação por orientação sexual, vocabulário impróprio e incitação à violência), Programa do Ratinho (do SBT – por exposição de pessoas ao ridículo, desrespeito às religiões afro-brasileiras, desrespeito aos valores éticos e morais da família e incitação à violência) e Kubanacan (da Rede Globo – por apelo sexual, incitação à violência e por ser veiculada em horário impróprio ao classificado).
Esses foram os primeiros nomes das listas, mas é importante saber que todas as emissoras de TV comercial foram citadas por veicular baixarias nas sistematizações. Não escapou ninguém!
Campanha-cidadã
No início, a campanha não foi levada muito a sério pelas emissoras. Entretanto, com a veiculação dos rankings em jornais impressos nacionais, a adesão de entidades representativas e o grande volume das denúncias, a campanha pegou pra valer. Tanto que se espalhou por pelo menos mais seis estados, entre eles, Santa Catarina,
Em Santa Catarina, a campanha funciona desde o segundo semestre de 2003. Uma audiência pública na Assembléia Legislativa foi o gatilho da mobilização local, o que fez com que diversas entidades se associassem à Comissão de Educação da Assembléia e iniciassem os trabalhos. De lá para cá, foi criado o Fórum Catarinense de Acompanhamento da Mídia que já elaborou uma metodologia de análise baseada na da campanha nacional e produziu uma cartilha dirigida aos telespectadores.
A cartilha, de linguagem fácil e num formato que muito lembra o encarte de CD, foi oficialmente lançada no dia 17 de março e distribuída inicialmente nas escolas. O objetivo é atingir jovens e adolescentes que ficam muitas horas diárias expostos à TV e que podem inserir a discussão dos abusos no núcleo familiar. Inédita nacionalmente, a cartilha já foi apresentada ao comando da campanha em Brasília, recebendo elogios.
Com a criação do Fórum Catarinense de Acompanhamento da Mídia (FCAM), Santa Catarina vai poder indicar um representante ao comando nacional, que será renovado em abril. Os integrantes serão eleitos e existe possibilidade de o estado fazer parte do Comitê de Acompanhamento da Programação.
Os telespectadores catarinenses que quiserem denunciar programas locais devem usar o mesmo telefone e o website da campanha nacional (0800-619619). As denúncias relativas à grade local serão remetidas ao estado para acompanhamento do FCAM.
Mas o telespectador pode se perguntar: o trabalho dessa campanha não é uma forma de censura? Não, na verdade, esta é uma campanha cidadã, que promove o exercício dos direitos humanos e incentiva o telespectador a exigir qualidade na programação de TVs que dependem de concessões públicas. Logo, não é censura, mas controle público dos conteúdos veiculados.
Falta o código de ética
Também não é falso moralismo ou classificação ideológica porque a campanha tem como parâmetros instrumentos jurídicos, como a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código Civil, a Lei de Imprensa, a legislação que protege os direitos dos deficientes e que define os crimes discriminatórios, além de tratados internacionais e outros dispositivos legais.
O deputado estadual Paulo Eccel reitera que se trata de controle social da comunicação. ‘A televisão no país sempre teve grande importância, em vários momentos da história brasileira, e alguns programas realmente estão voltados aos princípios estabelecidos na Constituição Brasileira, como o artigo 221, capítulo 1, sobre a preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas’.
Para o jornalista Celso Vicenzi, da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina e também do Fórum, não é o telespectador que deve desligar a TV, mas sim a programação que deve ser melhorada. ‘Nossas crianças passam em média quatro horas em frente à TV – o mesmo tempo que permanecem em sala de aula. Em favelas, não são raras as casas com aparelhos de TV e sem geladeira’. Estima-se que, no Brasil, 50 milhões de crianças e adolescentes consumam o produto TV, formando conceitos, idéias e opiniões.
O país ainda não aprovou um código de ética da programação televisiva e por isso, a sociedade precisa se mobilizar e lutar pelos direitos. É assim que se garantem as conquistas históricas. É assim que se faz um país democrático. E uma televisão de qualidade.
******
Jornalista, professor do curso de Jornalismo da Univali, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina e representante do Sindicato no Fórum Catarinense de Acompanhamento da Mídia (FCAM)