Um grupo de entidades de Mato Grosso ligado à questão indígena e à defesa dos direitos humanos elaborou nota de repúdio contra a direção da novela A lua me disse, da TV Globo, pela maneira como a personagem Bumba, uma nambiquara, vem sendo tratada.
A atração televisiva passa às 19h e é dirigida por Miguel Falabella. As entidades denunciam que a emissora está estereotipando e desrespeitando a dignidade dos povos indígenas. Na novela, Bumba – e este não é um nome indígena – é uma empregada maltratada pelos patrões, uma caricatura feita para causar o riso fácil.
Assinam inicialmente a nota de repúdio a Pastoral da Criança Indígena, representada por Eurípia de Faria Silva, o Mutirão pela Superação da Fome e da Miséria/Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (irmã Glória Antônia Mamani) e o Museu do Índio/Universidade Federal de Mato Grosso (antropólogo Aloir Pacini).
Num dos episódios a índia foi expulsa aos berros de um dos cômodos da residência onde trabalha ao som de um ‘Saia daqui, sua nambiquara!’. No mesmo episódio, foi tratada como selvagem tarada. Correu atrás do ator Paulo Vilhena, que estava de toalha, dizendo ‘Índia, quando quer homem, fica nua na taba. Índia gosta de ver homem nu. Índia quer!’
Por lei, as emissoras de rádio e televisão são concessões públicas dadas pelo Estado por determinado tempo e devem se pautar por conteúdos que estimulem a educação, a cultura, a ciência e a formação da cidadania.
O antropólogo Aloir Pacini expôs o assunto num encontro com índios, estudiosos e militantes da causa indígena em Brasília, encerrado no dia 4, que debateu políticas públicas para o setor. Ele é professor do curso de Ciências Sociais e responsável pelo Museu do Índio/UFMT. ‘A maneira com a índia está sendo exposta na novela é um desrespeito à dignidade dos povos indígenas’, disse. ‘Há preconceito: ela é tratada de forma exótica, como se fosse um bicho, é muito maltratada. E isso acaba sendo multiplicado, pois a TV tem uma grande capacidade de inculcar imagens sintéticas nas mentes das pessoas. Esse não é o papel da televisão’, afirmou.
‘Nós estamos mantendo contato com entidades do estado de Mato Grosso, como o (Conselho Indigenista Missionário) e o Grupo de Trabalho Missionário Evangélico. Também vamos procurar pôr esse assunto como pauta de discussão em nível nacional’, acrescentou Aloir.
***
Nota de repúdio à novela de Miguel Falabella (TV Globo)
Constatamos com tristeza que a criatividade do Sr. Falabella, na sua mais recente novela (A lua me disse), atingiu a imagem do povo nambiquara, que merece, pela sua história de resistência e sofrimento, o mais profundo respeito de cada um de nós, brasileiros. A índia nambiquara, na caricatura da novela, está condenada ao estrato mais subalterno da sociedade, quase como se fosse um animal exótico, divertido, digno de riso. Uma imagem que não é totalmente alheia à nossa realidade, onde o preconceito legitima a exploração, a expropriação e o abandono do poder público.
Cabe à televisão brasileira o importante papel de educar, todos sabemos. De um autor/ator respeitado pelo seu público esperamos mais do que a confirmação de idéias e valores que os povos indígenas lutam tanto para superar, nas suas mais variadas formas de discriminação das diferenças.
Aloir Pacini, Museu Rondon, UFMT; Eurípia de Faria Silva, Pastoral da Criança Indígena; Ir. Glória Antônia Mamani, Mutirão pela Superação da Fome e da Miséria, CNBB
******
Jornalista em Cuiabá