Integrante da nona edição do programa Big Brother Brasil (BBB 9), da Rede Globo, a jornalista sul-mato-grossense Priscila Tavares protagonizou um momento interessante para os críticos da qualidade dos cursos superiores de Jornalismo no Brasil. Em meio a uma brincadeira de soletrar, foi pedido que Priscila decifrasse as letras da palavra ‘Greenpeace’. ‘O que é isso aí? Nunca ouvi falar, mas vamos lá: g-r-e-m-p-s’, disparou a morena – que obteve o diploma de Jornalismo pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), de Campo Grande (MS).
Ainda confusa, ela perguntou aos companheiros de quarto o que significava a misteriosa palavra. Os outros brothers explicaram que se tratava do nome de uma conhecida ONG internacional de proteção ambiental. Para finalizar a lambança, a jornalista sul-mato-grossense tentou driblar a situação: ‘Também, não é uma palavra da nossa língua, né?’
A história pode até ser engraçada e, dados os dotes da protagonista, passível de rápido esquecimento. Ocorre que não é admissível que uma jornalista não saiba o que é o Greenpeace. Não que a atuação da ONG, sua história, propósitos ou inserção social sejam, obrigatoriamente, assuntos integrados ao cabedal de conhecimentos dos cursos de Comunicação Social. Mas a um jornalista exige-se, pelo menos, informação. Em pleno século 21, em uma época em que o meio-ambiente é foco de atenção constante da mídia e da sociedade, uma jornalista mostrar desconhecimento sobre uma das maiores entidades civis de proteção ao meio-ambiente – que desde 1971 ocupa o noticiário – é preocupante.
Qualificação aquém das exigências
O papelão de Priscila remete a uma questão muito mais importante, a da qualidade dos cursos de Jornalismo no país. Hoje, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), há 534 instituições superiores de ensino registradas no Ministério da Educação (MEC) que oferecem cursos de Jornalismo e Comunicação Social. Dessas, 296 são instituições particulares. Em 2006, também de acordo com o Inep, 27.969 estudantes se graduaram em Jornalismo em todo o país. O fato é que, de forma geral (há honrosas exceções, é claro), estes jornalistas colocam o canudo debaixo do braço sem a mínima condição de exercer a profissão, por simples falta de cultura e conhecimento geral – premissas básicas para exercer este ofício.
Não é por acaso que o Ministério da Educação (MEC) se prepara para esmiuçar estes cursos em 2009, o que vai causar mal-estar em muita gente por aí. Além de avaliar os cursos, o MEC deve, também, analisar exigência do diploma específico de Jornalismo para o exercício da profissão. Apesar de não ter se pronunciado oficialmente sobre o tema, o ministro Fernando Haddad tem dito que pretende transformar o curso de comunicação em uma graduação. Profissionais de outras áreas poderiam obter o diploma na área cursando apenas mais dois anos. Este sistema é muito usado nas universidades norte-americanas, país no qual – diga-se – o diploma de Jornalismo não é exigência para o exercício da profissão.
‘Se for mantida a base do currículo atual, a reforma não servirá para nada porque a universidade continuará formando graduados que terão enormes dificuldades para conseguir emprego porque sua qualificação está aquém das exigências do mercado’, afirmou o jornalista Carlos Castilho em dezembro passado, neste Observatório, no artigo ‘Cursos de jornalismo na mira do MEC em 2009‘.
‘Obrigatoriedade tratada como dogma’
Na reportagem ‘Haddad defende discussão de novas diretrizes para cursos de jornalismo‘ (Agência Brasil, 19/09/2008), o ministro deu o recado: ‘Nós acreditamos que é um bom momento para discutir essas diretrizes e verificar inclusive quais são as competências que precisam ser adquiridas por um profissional de outra área para que ele possa exercer a profissão de jornalista.’
Na reportagem, Haddad diz ainda que ‘o aprofundamento do debate pode implicar em melhoria da qualidade do exercício profissional’, e completa: ‘A comissão discutirá isso, sem prazo determinado, para que o MEC tenha um posicionamento oficial sobre o assunto [obrigatoriedade do diploma para exercício da profissão]. Mas essa [a formação complementar] é uma possibilidade. Um médico, por exemplo, pode fazer uma pós em comunicação para cobrir os assuntos de saúde, ou um pedagogo para cobrir educação’, comparou.
O jornalista Maurício Tuffani também aposta em uma ação do Ministério da Educação no intuito de ‘provocar as escolas brasileiras de jornalismo a discutir criticamente os pressupostos da obrigatoriedade da formação superior específica para o exercício dessa profissão, estabelecida pelo Decreto-lei nº 972, de 17/10/1969‘.
Tuffani denuncia, no artigo ‘MEC cutuca omissão de escolas de jornalismo‘, a ausência de debate aprofundado sobre os rumos do Jornalismo no Brasil, focando, especialmente, a obrigatoriedade do diploma:
‘Passados quase sete anos desde a Ação Civil Pública do procurador da República André de Carvalho Ramos e da liminar a ela favorável concedida pela juíza Carla Abrantkoski Rister, da 16ª Vara Cível Federal de São Paulo, nenhum esforço sistemático para discutir com profundidade esse assunto foi feito nem mesmo pelas escolas de jornalismo. Ao contrário, o que se viu foram esforços dissimuladores dos pontos centrais desse tema, inclusive por parte de associações de pesquisadores de jornalismo, como já mostrou este blog na postagem `Os defensores do diploma e seus debates imaginários´, de 05/08/2008. Essa omissão tornou-se ainda mais irresponsável a partir da chegada do processo ao Supremo Tribunal Federal (STF), que concedeu liminar que suspendeu a exigência do diploma em 16/12/2006. Por parte da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e dos sindicatos a ela vinculados, não há nenhum interesse em discutir essa obrigatoriedade, que é tratada por eles como um dogma…’
Valorização da profissão
O fato é que o Supremo Tribunal Federal (STF) caminha para derrubar, ainda neste semestre, a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão. Dos 11 ministros que fazem parte da Corte, seis já se manifestaram de alguma forma contra a exigência de formação específica em Jornalismo. Embora não possam antecipar seus votos, alguns já sinalizaram, nos bastidores ou em decisões anteriores, como pretendem votar. Um deles é o próprio presidente do Supremo, Gilmar Mendes, relator do caso.
A queda definitiva da obrigatoriedade do diploma para o exercício do Jornalismo no Brasil é apenas a o cume da montanha de gelo que flutua nas águas turbulentas da profissão. Longe das previsões cataclísmicas de sindicalistas e parte da academia, que prevêem queda de qualidade e de compromisso ético com a derrubada da exigência do diploma, o que vai ocorrer é a quebra do monopólio das fábricas de diploma e a obrigação dos cursos oferecerem um diferencial para a formação na área.
O ministro Haddad resumiu este pensamento em recente entrevista concedida ao jornal O Globo, quando disse que ‘a intenção de mexer nas diretrizes curriculares independe da discussão sobre a obrigatoriedade do diploma para jornalistas’. Segundo ele, a preocupação é com a qualidade da formação profissional, e concluiu: ‘Em países onde não há obrigatoriedade de diplomas, há boas escolas de jornalismo.’
De fato, hoje, a formação superior em jornalismo não é condição necessária para se exercer a profissão em países como Alemanha, Austrália, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Irlanda, Itália, Japão e Suíça. O diploma é exigido apenas na África do Sul, Arábia Saudita, Colômbia, Congo, Costa do Marfim, Croácia, Equador, Honduras, Indonésia, Síria, Tunísia, Turquia e Ucrânia.
A busca pela valorização da profissão ultrapassa a questão do diploma. Ela está calcada em pilares mais profundos (e mais carcomidos), nas bases do sistema educacional brasileiro que engatinha na formação de cidadãos informados e propensos a questionar. Em relação ao Jornalismo, enquanto a preocupação for apenas garantir que cada profissional tenha um canudo debaixo do braço, independente da qualidade da formação, estaremos sujeitos a observar situações como a que viveu nossa colega Priscila.
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Jornalista e poeta, Campo Grande, MS