Para quem assistia incrédulo à estreia do antigo programa A porta da esperança, do SBT, em idos de 1984, jamais seria possível imaginar que o formato popularesco e apresentado por Silvio Santos se consolidar ao longo das últimas três décadas como solução de entretenimento pedante na TV aberta no Brasil.
A fórmula é previsível, mas o suficiente para arrebanhar a audiência de uma parcela da população brasileira, cuja tradição televisiva tem como referência nomes como Ratinho, Netinho de Paula, Gugu Liberato ou mesmo Luciano Huck.
São programas conduzidos por apresentadores carismáticos, mas pouco politizados. Sob a lógica nefasta da audiência, transformaram-se em verdadeiros abutres por histórias de tragédia e total miséria humana. Quando encontram estas histórias, atribuem-lhes a aparência de telenovela da vida real, ao fazer uso de trilhas musicais de forte apelo emocional, de entrevistas invasivas em planos fechados e superclose, de exploração melodramática senão forçada de entrevistados totalmente fragilizados.
Afinal, o objetivo é chocar e comover, espevitando por tabela a argúcia de quem senta no sofá. O choque é para chamar a atenção de uma audiência cada vez mais indiferente ao mórbido e sanguinolento, nem que por alguns minutos. Já a comoção visa a assegurar e prolongar esta atenção com base em estudos científicos na área de psicologia comportamental e psicanálise freudiana. Nessas ações também se fazem notar a identificação e a subestimação, assim que em cada biografia capciosamente espetacularizada evidencia-se um cínico interesse desses programas em serem portadores da esperança, senão assumirem a imagem de tutores dos oprimidos.
Manipulação midiática
Trata-se de um arsenal audiovisual e capaz de converter biografias comuns de um país historicamente desigual em sucessos cinematográficos. No SBT, seus maiores representantes são o Programa do Ratinho e o Domingo Legal (“De Volta para Minha Terra” e “Construindo um Sonho”), sem falar do extinto Show da Gente, que tinha o quadro “Um Dia de Princesa”. Na Record, o programa O Melhor do Brasil, apresentado por Rodrigo Faro, tem os quadros “Hora da Virada” e “Confesso que vivi”. Enquanto na Globo o destaque é o Caldeirão do Huck, com quadros como “Lar Doce Lar” e “Lata Velha”.
O verdadeiro objetivo desses programas é o de assumirem a imagem de tutores dos oprimidos, ludibriando a fé de indivíduos com predisposição a reagir passionalmente a todo tipo de mensagem persuasiva. Ou seja, uma manipulação midiática de caráter capcioso e manifestada de acordo com o grau de sagacidade de produtores e diretores de televisão, que mais uma vez ressalta a gradual queda de criatividade na programação televisiva no Brasil.
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Lawrenberg Advíncula da Silva é professor de Jornalismo da Universidade do Estado de Mato Grosso