Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Qual ‘ex’ vale mais?

Como e quando neste país a qualidade vencerá o status? E não falo do público comum de meros mortais, digo no meio de especialistas mesmo. Parece que se sublima a verdadeira análise pelo status quo estabelecido há anos. Tenho me perguntado há tanto tempo o porquê de se desvalorizar um profissional por simples preconceito.

Hoje, no país, temos um termômetro, um medidor estranho quanto à qualidade dos atores no país. Os critérios para tal escala qualitativa, não me perguntem, pois a mim parecem inexplicáveis. O ranking atual da qualidade cênica-técnica é mais ou menos assim:

Conceito A – Atores globais, hollywoodianos e qualquer um sem formação que participe de um grande êxito midiático.

Conceito B – Atores ex-globais, independente de terem nível técnico ou formação que estejam na TV embora não na Globo.

Conceito C – Excelentes atores que nunca estiveram na Globo, mas estão na TV para não morrerem de fome. Que têm vasto currículo!

Conceito D – Atores e atrizes que não terão nunca seu rosto na revista Contigo nem como rodapé de uma novela da Band, naquele resumo diário de capítulos. Que além de espetáculos em teatro e cursos para capacitação durante toda a vida nada terão, muito menos reconhecimento profissional.

‘Papel dramático’

De onde tirei essa analogia estapafúrdia? Creio que uma mescla de leituras de jornais, assistir espetáculos de ‘níveis diferenciados’, cujos ingressos variam do gratuito aos R$ 100,00 (com atores geralmente do ‘Conceito A’, filmes variados do sem patrocínio para pagar o lanche dos atores aos sonolentos de orçamento de 10 bilhões de dólares). Creio que mesmo sem nenhum conhecimento teórico qualquer ser humano ético pode fazer uma comparação por experiência empírica.

Em nota do Globo On Line, publicada em 15/11/2008 às 09h32m, a jornalista Simone Mousse me incomodou por trazer um pré-conceito, ou revitalizá-lo. Vejam que cinco linhas podem acabar com uma carreira, pelo menos até a atriz regressar a poderosa:

‘Maytê Piragibe, a vampira do bem de Os mutantes, estréia no cinema

Rio – Depois de ter ficado cinco anos na TV Globo e, em 2006, protagonizar a novela Vidas opostas no horário nobre da Record (com uma personagem densa que se casava com um traficante), Maytê Piragibe anda às voltas com uma trama bem menos sóbria. Em Os mutantes, ela interpreta Nati, uma policial gente boa que virou vampira por acaso em uma história das mais rocambolescas. No cinema, porém, ela voltou a se exercitar em um papel dramático: em Rinha, ela é uma menina de 16 anos que é estuprada depois que o irmão a aposta em uma luta livre.’

Critérios de qualificação

Eu imagino o que seria uma história ‘rocambolesca’ ou uma trama menos ‘sóbria’… Como se nunca ninguém tivesse na história ganho o Oscar por uma atuação em um filme de ficção. A pretexto de informar que a atriz fará um filme que aparenta ter um enredo diferenciado, toca no ponto da ferida, como diriam os antigos. E aí me perguntei: Maytê Piragibe (com 20 anos de carreira) é pior atriz que Grazi Massafera (ex-BBB)? Perguntas e mais perguntas que nem sei se poderia expressar sem ser processado. E a matéria continua a espezinhar, cutucar a pobre moça:

‘Já as cenas na novela da Record podem parecer constrangedoras, mas a atriz tem um truque: tentar se divertir do começo ao fim.

– Cara, a Nati é uma vampira do bem. As críticas à novela estão aí, mas tudo que é diferente sofre rejeição mesmo. Claro que o texto é surreal e a novela é uma grande brincadeira, apesar de ser feita com seriedade. As pessoas têm que entender que é uma trama voltada para o público infanto-juvenil – diz a atriz.’

Será que nossa colega do jornal carioca não compreendeu a indireta? Bem, pela produção da matéria num todo, devemos concluir que não. E se eu me permitir ir mais além, chega a ser patético sublimar minha indignação e indagar certas coisas.

Me custa pensar que novelas como Vamp, O Beijo do Vampiro, Roque Santeiro, Mandala, Olho no Olho apenas por serem produzidas pela emissora dos Marinho mereçam mais respeito que Os Mutantes. Ainda me deixa perplexo o tendencionismo da pergunta onde obviamente se falseia a pergunta que fora feita a atriz, pois a resposta não condiz exatamente com a ‘pergunta veiculada’. E insinuar que levar uma personagem, por mais fora da realidade que seja, a sério é ‘um truque’, é uma inversão de valores grotesca.

Que você seja de um veículo x ou y e da predileção das pratas da casa, tudo bem, mas desmerecer uma profissional por não ser parte de sua patota é demasiadamente esdrúxulo para um profissional em um dos maiores veículos do país, indiscutivelmente. Esperemos que as pessoas não usem os mesmos critérios de qualificação para os profissionais de jornalismo, como certos jornalistas para com os profissionais de outras áreas. Senão os processos, achaques de jornalistas furiosos se defendendo através de seus veículos, irão multiplicar-se pelas mídias.

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Ator, diretor teatral, cantor, escritor e jornalista, Florianópolis, SC