Falando no 4o Seminário Internacional de Comunicação (20 e 21/5, em Brasília), o diretor do Estado de S.Paulo Fernão Lara Mesquita fez duras críticas à concentração da propriedade de empresas de comunicação no Brasil. ‘Todos temos saudades dos tempos em que havia limites para o crescimento das corporações e em que o dinheiro, pelo menos admitidamente, não era a única medida das coisas’, disse Mesquita.
Ele falou das máfias políticas ‘virtualmente indestrutíveis’ manifestas pelo coronelismo eletrônico e pelo poder de seitas religiosas que se instalam onde não existe verba suficiente para sustentar emissoras de radio e TV. ‘Cada uma dessas redes ‘religiosas’ acaba, assim que se consolida como potencial fabricante de candidaturas, criando também o seu braço político.’
Um ponto particularmente importante da sua análise está na associação que faz entre a concentração da propriedade da mídia e a estagnação da produção independente no Brasil. ‘Como 50% do faturamento das repetidoras é carreado para as matrizes, explica-se por que as televisões brasileiras, em mercados infinitamente mais pobres que o norte-americano, conseguem sustentar a produção em casa de toda a grade de programação, um dos fatores que explicam por que a indústria da produção independente, em franca explosão em todos os países do mundo, nunca decolou no Brasil’, afirmou.
Debates sem fim
A complexidade das questões que envolvem a diversificação da produção e difusão do audiovisual brasileiro faz com que análises corretas, como a de Fernão Mesquita, corram o risco de ser diluídas na quantidade de fatores que ficam de fora do discurso.
Dois deles, de saída, são vitais para que se comece a pensar sobre o assunto: a política de desnacionalização da produção e de rejeição à análise do conteúdo (principalmente do seu desempenho comercial), promovido pelas redes de televisão que não detém a hegemonia da Globo; e a realidade dos mecanismos de produção audiovisual vigentes no país.
Não se pode transformar todas as demais redes de televisão em vítimas do agigantamento da Globo, antes de mais nada porque elas simplesmente não estão cumprindo o seu papel. Com poucas exceções, são elas as primeiras a promover o atrofiamento da qualidade da produção e são também as maiores culpadas em não apostar na diversificação do produto que oferecem, porque são as que menos têm a perder.
Com dois pontos de audiência e com participação de 1% do bolo publicitário, recusam-se a ousar, a olhar para os lados e enxergar a pluralidade latente do produto audiovisual brasileiro, sobretudo as inúmeras possibilidades de mudanças de paradigma – manifestos por mudanças radicais no modelo de construção de grades, de empacotamento de programação, de produção e comercialização do produto, tudo o que para elas não está dando certo.
No que diz respeito aos mecanismos de produção vigentes, é importante que sejam entendidos os muitos paradoxos vividos pela industria audiovisual no Brasil. A grande maioria das emissoras de televisão não apenas não produzem fora de casa como simplesmente não produzem. É essa a situação de inúmeras emissoras em todo o país, que não colocam no ar mais do que alguns minutos diários de jornalismo local, e de grandes redes que limitam sua produção a meia dúzia de infames programas de auditório sobre os quais tudo, praticamente, já se falou.
Tudo isso é ruim, é péssimo, porque quem está com 1% de audiência ou de share publicitário tem muito pouco espaço para cair. Mas com que recursos e com que mecanismos de comercialização pode-se substituir esse quadro por um modelo diversificado de programação que será indiscutivelmente melhor e mais competitivo?
O projeto de lei da deputada Jandira Feghali – que, embora apresentado há mais de 11 anos, tem sido ao longo dos últimos 18 meses motivo de longos e acalorados debates – sofre deste mal. É 100% correto ao estimular a regionalização da produção televisiva, a diversificação de que Fernão Mesquita corretamente se ressente, mas não tem como garantir como essa programação pode ser produzida, muito menos como pode ser comercializada.
‘A diversidade possível’
Neste momento, toda a classe artística brasileira – em particular os produtores audiovisuais – está mobilizada em torno das discussões envolvendo as mudanças propostas na Lei Rouanet. O governo acenou com mecanismos que por um lado podem estimular a desconcentração de recursos do eixo Rio-São Paulo, mas por outro retira dos empresários interessados em investir na produção audiovisual uma parte da isenção de impostos a que eles tinham direito. Se isso acontecer, toda a produção audiovisual do país ficará engessada e corre o risco de parar. Os produtores sabem disso e o governo também já percebeu – por isso os novos atrasos nos anúncios das mudanças.
O ideal é que as emissoras de televisão negociassem a compra de programação com as centenas de produtoras que existem no país e elevassem assim o nível da programação, a audiência, sua participação no bolo publicitário e todo mundo se remunerasse. O ideal é que a produção cinematográfica pudesse ser regida pelo mercado. Mas não é o que acontece. Como tantas outras atividades essenciais no país, a indústria do audiovisual tem que ser financiada pela sociedade – e se ela falir os efeitos sobre a sociedade podem ser comparados à falência do sistema de saúde ou de educação.
A grande ironia é que as emissoras de televisão, sobretudo as menores, não cogitam ser parceiras de um sistema de produção em que tanto o Estado quanto os produtores já embarcaram – e que, se não é o melhor, é o que existe até que se tenha a coragem de dizer a essas emissoras que elas têm de aprender a caminhar com os próprios pés e cumprir o compromisso constitucional de servir à sociedade, não em torturá-la com desinformação e engodo.
‘A solução do problema não virá de tentativas de controlar diretamente o conteúdo de cada mídia, mas de um esforço competente e objetivo para regular a sua propriedade e o seu alcance de forma a garantir a maior diversidade possível’, disse Mesquita. ‘Com essa diversidade garantida, o resto acontece sozinho.’
Desgraçadamente, estamos num ponto em que a nociva concentração da propriedade tornou-se o menor dos males da nossa televisão – e o mais fácil de controlar.