Desde outubro de 2011, a Globo informa que as suas novelas, séries e humorísticos são “obra de ficção coletiva baseada na livre criação artística e sem compromisso com a realidade”.
Além de proteger a emissora de problemas legais e de grupos de pressão variados, a mensagem tatibitate inserida na tela ao final de cada episódio expressa uma real preocupação com a capacidade de compreensão dos espectadores.
Por este motivo, ao apresentar uma novela cujo título se refere de forma amorosa a uma das maiores favelas horizontais de São Paulo, a Globo assume um desafio tão complexo quanto um número de ginástica artística.
Aos olhos de um espectador mais sisudo, a proposta de “I Love Paraisópolis” pode até parecer um deboche. Uma comédia romântica ambientada numa comunidade carente? Um conto de fadas moderno, em um local com vários problemas sérios, mas nenhum grave o suficiente para abalar o ânimo e a moral da comunidade?
Alcides Nogueira e Mário Teixeira encontraram uma forma inteligente de lidar com esta proposta, sem o compromisso de retratar fielmente a vida real, mas a todo momento lembrando dela.
Na fantasia sugerida pelos autores de “I Love Paraisópolis”, graves questões são mencionadas, mas raramente mostradas. Os moradores sofrem com desemprego, dificuldades para pagar o aluguel, transporte insuficiente, atendimento médico precário, comércio informal, mas ninguém reclama ou protesta.
Ao longo deste primeiro mês de novela, que eu me lembre, apenas um problema sério foi exibido –o desabamento de uma casa, na qual crianças da comunidade faziam uma apresentação de balé. O acidente ocorreu porque o líder da comunidade desviou dinheiro de uma obra que deveria ter sido feita no local.
Há pelo menos duas mães solteiras na trama. Dois dos protagonistas, órfãos, foram criados por tios. Quase não se vê poder público, polícia incluída, em cenas na favela.
Vários personagens vivem em Paraisópolis e prestam serviços domésticos em apartamentos de luxo no bairro vizinho, o Morumbi.
Grego (Caio Castro) é o personagem mais problemático. Ele representa o poder paralelo, que manda e desmanda na favela. É um criminoso, com passagens pela polícia, mas o espectador não vê nada. Ele apenas ameaça, fala muito, faz caretas e gestos, mas não comete nenhum crime –aliás, tráfico de drogas nem é mencionado na trama.
As limitações do horário, 19h30, impedem que a novela exiba cenas de violência. Por este motivo, Grego tem frequentemente aparecido como um personagem cômico –o que cria um ruído na lógica da história.
“I Love Paraisópolis” merece elogios pelo humor afiado do texto, pela boa direção, pela variedade de tipos criados e pela aposta em um timaço de atores em papéis secundários, como Frank Menezes, Zezeh Barbosa, Dani Ornellas, Ilana Kaplan, José Rubens Chachá, Luana Martau, Paula Cohen e Babu Santana, entre outros.
Acho bem possível –e justificável– que o morador de Paraisópolis, mesmo rindo com as peripécias dos personagens, se pergunte por que o folhetim leva o nome da sua comunidade, já que mostra tão pouco da sua realidade. Mas entendo que os autores não estão sendo irresponsáveis no tratamento do tema. Ao contrário.
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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo