Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Reflexões sobre a televisão

O ano em que a maior emissora do país completa cinquenta anos de existência traz uma excelente oportunidade para refletirmos sobre a televisão. Não há como fazer uma análise holística de nossa sociedade sem levar em consideração o fenômeno televisivo. Mesmo com o avento da internet, a tela da TV ainda é o principal meio de comunicação de larga escala ao qual a maioria das pessoas recorre, seja para buscar informação, entretenimento, saber das últimas novidades sobre as celebridades, diversão, ou, como na maioria das vezes, simplesmente para “passar o tempo”.

Entre os motivos que podem explicar o grande êxito da televisão junto ao público podemos citar o “estatuto visual da verdade”, a linguagem de fácil assimilação com explicações simples para temáticas complexas, a formulação de “opiniões prontas” para que os telespectadores possam se posicionar sobre os mais variados assuntos e a expectativa familiar das imagens televisivas. Regina Duarte é a “namoradinha do Brasil”, Cid Moreira tem a aparência de um senhor de respeito e Tarcísio Meira (segundo definição do mesmo) é uma espécie de irmão mais velho do telespectador que beija belas mulheres na TV.

Não obstante, a televisão conseguiu uma façanha que a historiografia brasileira jamais logrou: criou “mitos nacionais”, aos quais os brasileiros passaram a se identificar. Ayrton Senna da Silva foi alçado ao posto de herói tupiniquim somente pelo fato de dirigir um carro em alta velocidade. Na corte midiática de nosso país, Maria das Graças Xuxa Meneghel, que ajudou a impulsionar o processo de erotização precoce de toda uma geração, ironicamente foi agraciada com a alcunha “Rainha dos Baixinhos” e o cantor Roberto Carlos é simplesmente o “Rei”.

A democratização dos meios de comunicação

Para muitos analistas, a televisão é responsável direta pela alienação das massas, capaz de manipular incondicionalmente uma audiência submissa e acrítica. Já outros estudiosos das telecomunicações apontam que a televisão é importante mecanismo de fiscalização do poder público, intermediário entre o cidadão comum e os governantes. Entretanto, como todo bom sujeito cético, devemos duvidar (ou ao menos manter certa ressalva) de preposições imediatistas e aparentemente fáceis, evitando assim a adoção de posições maniqueístas frente à realidade. As relações entre emissor e receptor são demasiadamente complexas, vão muito além de uma simples análise behaviorista de estímulo/resposta.

A grande rejeição do público conservador em relação ao casal lésbico da telenovela Babilônia (o que veio a alterar o próprio enredo da trama) é um exemplo de que o telespectador não absorve o conteúdo televisivo passivamente. Ao contrário da eleição presidencial de 1989 (quando o tácito apoio da Rede Globo foi de vital importância para a vitória de Fernando Collor), nos últimos pleitos as grandes emissoras têm influenciado cada vez menos o eleitorado brasileiro. Nem “mensalão” nem “petróleo” conseguiram fazer com a que a mídia hegemônica elegesse o postulante para o cargo máximo da nação. Também é importante ressaltar que, à medida que melhoram os índices de instrução da população em geral e aumentam os pontos de vista alternativos ao status quo (como as redes sociais), o poder de persuasão da mídia tende a diminuir categoricamente.

Por outro lado, seria ingênuo acreditar que o conteúdo da programação televisiva é neutro e imparcial. Não existe discurso despretensioso. Como qualquer outro empreendimento capitalista, as grandes emissoras brasileiras servem aos interesses daqueles que as financiam, ou seja, das empresas que anunciam produtos durante suas programações. É a busca por lucro, e não a promoção da cidadania, que move os grandes veículos televisivos. Portanto, diante dessa realidade, é preciso ensejar uma mídia pluralista, para que os diferentes setores sociais tenham espaço e voz para divulgar as suas demandas e reinvindicações. Em última instância, uma verdadeira democracia política deve ter como condição sine qua non a completa democratização dos meios de comunicação de massa, sobretudo a televisão.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG